Características sutis de diferenciação da planta e falta de conhecimento do gênero podem ter atrasado processo de identificação, segundo botânico. Flor da planta Nothoscordum itapetinga, registrada científicamente em 2023
Antonio Campos Rocha
Pequena, branca e com aparência frágil. Essas são características para descrever, de forma simplificada, uma nova espécie de flor encontrada na Serra do Itapetinga, onde foi coletada pela primeira vez há mais de cem anos.
Chamada de Nothoscordum itapetinga, a espécie está restrita a afloramentos graníticos, nascendo em uma altitude entre 1.300 e 1.370 metros. A Serra do Itapetinga fica próximo ao município de Atibaia (SP), situada entre a Serra da Cantareira e o limite oeste da Serra da Mantiqueira.
A flor também ocorre no Monumento Natural Estadual da Pedra Grande e no Parque da Grota Funda, todos próximos entre si. Uma curiosidade interessante é que, embora já houvesse uma coleta botânica da flor em 1910, ela somente foi descrita e nomeada em 2023 – mais de cem anos depois.
Monumento Natural Estadual da Pedra Grande, criado em 2010, fica na Serra do Itapetinga
D. Carvalho
A redescoberta foi divulgada no artigo “Acordando de um sono de cem anos: uma nova espécie de Nothoscordum da floresta atlântica brasileira”, publicado em português no Boletim da Sociedade Argentina de Botânica, em setembro de 2023.
“Depois ela voltaria a ser coletada nos anos 80 e 90 mas, até o recente trabalho, ela não tinha um nome, não tinha sido descrita e publicada, então era como se ela não existisse. No plano de manejo do parque e nas listas de espécies ameaçadas, enquanto não tem um nome, ela na prática não existe”, comenta o botânico Antonio Campos Rocha, um dos autores do artigo.
Registro de Nothoscordum itapetinga de 1910, feito pelo botânico Carlos Duarte
Julie Dutilh
Segundo os pesquisadores, o gênero Nothoscordum pertence à subfamília Allioideae (incluída na família Amaryllidaceae), a mesma de plantas de grande interesse econômico, como alho, cebola e muitas espécies ornamentais.
Dentre o grupo de autores, alguns nomes já citados pelo Terra da Gente foram os botânicos José Ataliba Gomes, Julie Dutilh e Antonio Rocha, que redescobriram outra uma flor em 2017, integrante do grupo dos lírios. Também participaram da descrição da flor os cientistas Agostina Sassone, Juan Urdampilleta, Vinicius de Zorzi, Mateus Queiroz e Ricardo Goffi.
Encontro com uma flor
Segundo José Ataliba Gomes, assim como em outros dias, ele caminhava na mata olhando para o chão, sempre atento a uma possível nova descoberta.
“Eu tava fazendo um passeio, fui ver o pôr do sol no final da tarde, e sempre fico olhando as flores, tirando fotos, tentando identificar algumas coisas que ocorrem por ali e tem uma flora bem peculiar nesses locais de afloramentos rochosos”, relembra.
Ao ver a flor, Ataliba tirou fotos e as enviou para identificação por Antonio, doutorando em Biologia Vegetal pela Unicamp. Segundo o artigo, no Brasil, são atualmente reconhecidas 34 espécies de plantas do gênero Nothoscordum, a maioria restritas à região Sul do país.
O biólogo Ataliba encontrou a espécie e enviou fotos para identificação por Antonio
José Ataliba Gomes
Com flores brancas dispostas em inflorescências – conjunto de flores que se caracteriza pela presença do pedúnculo -, a Nothoscordum itapetinga mede cerca de 40 cm de altura e ocorre em solos rasos e cercadas por matriz rochosa, em ambientes de Floresta Ombrófila Densa.
Segundo Antonio, a planta pode não ter sido nomeada antes por pertencer a um grupo de plantas pequenas, cujas características usadas para distinção são muito sutis. Assim, as análises feitas precisariam ir além das que normalmente são aplicadas para grupos da flora brasileira.
“A gente propôs um estudo integrando várias abordagens para analisar a planta e a comparar com outras espécies: análise genética, comparação entre cromossomos (citologia) e outros estudos que vão além da morfologia externa. Também dá para dizer que é um grupo ainda pouco conhecido no Brasil”, comenta.
Estado de conservação
De acordo com o artigo, a espécie foi considerada como Criticamente em Perigo (CR), baseado no tamanho e declínio populacional observado, sendo que mais de 90% dos indivíduos maduros restritos a uma única subpopulação.
“As localidades conhecidas de ocorrência da espécie registram décadas de uso intensivo e não ordenado, que impactaram de maneira direta os seus acessos remanescentes”, escrevem os autores no artigo.
Ilha de vegetação com indivíduos de N. itapetinga
Antonio Campos Rocha
Embora esteja incluída em áreas de conservação, a nova espécie possui uma população total de adultos inferior a 250 indivíduos, e esse número tende a diminuir.
O fato chama atenção já que a planta ocorre no Parque Estadual de Itapetinga (PEI) e no Monumento Natural Estadual da Pedra Grande (Mona Pedra Grande), duas unidades de conservação de proteção integral na Serra do Itapetinga, que integram o Contínuo Cantareira.
“Isso tem a ver com o fato de muitas áreas ali terem um fluxo desordenado e grande de visitantes. Em anos recentes, isso passou a ter um certo controle, mas ainda tem a questão da competição com espécies invasoras (braqueara, capim gordura), incêndios florestas e a presença de animais domésticos (bovinos, equinos)”, enumera o botânico.
Antonio fala sobre a importância da nomenclatura e formalização do registro científico para a orientação de políticas de conservação da espécie e até para ela não seja confundida com outras espécies do gênero que têm potencial invasor.
“É possível fazer um estudo melhor da população, como ela está evoluindo ao longo do tempo e isso pode impactar, por exemplo, na hora de rever o zoneamento das unidades de conservação”, diz.
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