8 de fevereiro de 2025

Ártico pode ficar irreconhecível até 2100 e efeitos serão devastadores, aponta estudo; veja IMPACTOS


Previsão vem de um estudo recém-publicado na revista científica “Science”, que afirma que, mesmo se os compromissos atuais de redução de emissões de todos os países do mundo forem mantidos, transformações drásticas aconteceriam na região. O aquecimento global está levando a Terra a um ponto crítico, principalmente no Ártico, onde os impactos das mudanças climáticas são ainda mais intensos.
Kathryn Hansen/NASA
Cientistas divulgaram nesta semana uma pesquisa que traça um cenário preocupante para o futuro do planeta e, mais especificamente, para a região polar do Ártico, um dos ecossistemas mais sensíveis às mudanças climáticas. Segundo o estudo, é possível que até 2100 essa paisagem gelada fique irreconhecível.
A previsão consta em estudo recém-publicado na revista científica “Science”. No artigo, os pesquisadores concluem que, mesmo se todos os países cumprirem suas promessas já divulgadas para redução de emissões de gases de efeito estufa, a temperatura global poderá subir 2,7°C até o fim do século.
E isso aceleraria transformações drásticas no Ártico, uma das regiões que mais sofre com o aquecimento do planeta, causando não só o derretimento do gelo e danos à infraestrutura, mas também o colapso de ecossistemas e impactos graves nas comunidades locais (entenda mais sobre os impactos abaixo).
“O aquecimento do Ártico contribui para o aquecimento global acelerado e todos os fenômenos climáticos associados a isso”, alerta ao g1 Julienne Stroeve, autora do estudo e cientista de pesquisa sênior no Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo dos EUA (NSIDC), na sigla em inglês.
📝 CONTEXTO: Ainda não chegamos aos 2,7°C de aquecimento projetados para o final do século, mas em 2024, pela primeira vez, as temperaturas globais superaram 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. E esse 1,5°C é o chamado “limite seguro” do aquecimento global, o aumento máximo que devemos impedir para evitar os piores efeitos da crise climática.
A projeção dos pesquisadores considera as chamadas Contribuição Nacional Determinada (NDC, na sigla em inglês) assumidas pelos países. As NDCs são as metas climáticas das nações signatárias do Acordo do Clima de Paris. Ambientalistas e pesquisadores cobram NDCs com metas mais ousadas.
Impactos alarmantes
Se o aumento de temperatura atingir esse nível alarmante de 2,7°C, praticamente todos os dias do ano no Ártico terão temperaturas mais altas do que as extremas observadas antes da industrialização para a região, ainda segundo o estudo.
Isso poderá impactar o Oceano Ártico como um todo, por exemplo, que poderá perder completamente sua camada de gelo, algo que NUNCA aconteceu na história. Durante o verão, ele também poderá ficar sem gelo por vários meses, o que não ocorre desde o último interglacial, um intervalo geológico há cerca de 130 mil anos.
Além disso, a Groenlândia poderá vivenciar um aumento tão intenso nas suas temperaturas que a área do gelo que derrete será até quatro vezes maior do que antes da industrialização. E esse derretimento poderá acelerar o aumento do nível do mar, com grandes volumes de água fluindo para os oceanos e impactando cidades costeiras.
📝 Em resumo, as principais conclusões dos estudos são as seguintes:
A região enfrentará temperaturas mais altas do que as observadas antes da industrialização, afetando diretamente o clima e os ecossistemas locais.
O Oceano Ártico ficará sem gelo durante vários meses a cada verão, o que alterará profundamente os habitats e a vida marinha que dependem do gelo.
O derretimento acelerado da Groelândia contribuirá para o aumento do nível do mar, afetando não só as populações costeiras, mas também os ecossistemas marinhos que dependem da estabilidade do gelo.
Espécies como ursos polares, focas e baleias Beluga enfrentarão mudanças em seus habitats e alimentação, com algumas populações possivelmente desaparecendo devido à perda de gelo.
O derretimento do permafrost afetará a infraestrutura e as comunidades locais, danificando estradas, edifícios e gerando riscos à segurança das populações.
Duas pessoas caminham sobre placas de gelo, com algumas áreas derretidas em uma região do Ártico.
NASA/Kathryn Hansen
Mais ondas de calor, secas e inundações
Hansen conta que o estudo foi realizado a partir de uma análise detalhada das mudanças climáticas no Ártico. A pesquisa partiu inclusive de modelos climáticos para entender como essas mudanças, em particular o derretimento do gelo marinho e a diminuição da camada de permafrost, um solo permanentemente congelado, impactariam não apenas o Ártico, mas o clima global.
Para isso, ela e outros pesquisadores compararam o impacto do aquecimento global em cenários de 1,5°C, 2°C e 2,7°C de aumento de temperatura, baseando-se em estudos existentes e nas projeções mais recentes, como as do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).
Com isso, descobriram que o aquecimento do Ártico mais rápido do que outras regiões pode alterar profundamente o gradiente de temperatura entre os polos e o equador. Na prática, isso resulta no enfraquecimento dos ventos e pode levar a extremos climáticos que ficam “presos” por mais tempo em determinadas regiões.
➡️ E esses fenômenos podem gerar ondas de calor, secas ou inundações, dependendo do clima que está “preso” na região.
Às vezes, outros fatores podem equilibrar isso, mas uma coisa é certa: tudo no planeta está interconectado, então mudar uma parte do sistema faz com que o resto precise se ajustar. O aquecimento do Ártico também contribui para o aquecimento global acelerado e os fenômenos climáticos relacionados.
Fora todo esse cenário, o estudo também abordou a questão do degelo na Groenlândia, que tem uma contribuição significativa para o aumento do nível do mar.
E embora seja complexo calcular essa perda de massa de gelo com precisão, já que nem toda água derretida chega diretamente aos oceanos — parte pode se infiltrar no gelo ou se congelar novamente dentro dele — o impacto desse derretimento é claro e crescente.
🌊 Pelas estimativas da Nasa, por exemplo, entre 1992 e 2018, a Groenlândia perdeu 3,8 trilhões de toneladas de gelo, o que pode levar a um aumento de 7 a 13 cm no nível do mar até 2100, caso as taxas de derretimento se mantenham.
O Ártico hoje e amanhã.
Arte/g1
No entanto, Stroeve acredita que essa sequela pode ser ainda maior. Ela aponta que, embora o derretimento superficial seja a principal fonte de contribuição da Groenlândia para o aumento do nível do mar no futuro, há outros processos envolvidos que também podem acelerar essa perda de massa de gelo, como o calvário de icebergs — o desprendimento das grandes camadas de gelo que flutuam para o oceano.
“Eu suspeito que a Groenlândia contribuirá com mais de 20 cm para o aumento global do nível do mar, mas o quanto mais é incerto”, diz.
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Impactos locais também preocupantes
Nesta semana, um outro estudo mostrou que as temperaturas no Ártico subiram mais de 20°C acima da média no último domingo, ultrapassando o limite para o derretimento do gelo.
Esse aumento extremo foi observado principalmente ao norte de Svalbard, na Noruega, onde a temperatura já havia subido 18°C acima da média no sábado, e se aproximava do ponto de fusão do gelo, de 0°C. No domingo, a anomalia chegou a mais de 20°C.
Segundo os cientistas, essas mudanças estão fortemente ligadas a um sistema de baixa pressão sobre a Islândia, que direcionou um forte fluxo de ar quente para o Ártico. Mas embora eventos como esse já tenham ocorrido antes, a intensidade tem sido cada vez maior justamente devido ao aquecimento global.
“Eventos extremos como esse têm um impacto adicional a curto prazo na cobertura de gelo”, explica Mika Rantanen, cientista do Instituto Meteorológico Finlandês, em entrevista ao g1.
“O gelo do mar pode se recuperar rapidamente, caso, por exemplo, as semanas seguintes sejam mais frias. Mas a previsão de um Ártico sem gelo durante o verão nos próximos 20 anos não é afetada pelo calor atual”, acrescenta.
Rantanen conta ainda que para cada tonelada de CO2 emitida, o Ártico perde cerca de 3 metros quadrados de sua cobertura de gelo marinho no verão, o que tem sido o principal motor do derretimento do gelo nas últimas décadas.
Além disso, a mudança nas temperaturas de inverno tem alterado o processo natural de crescimento do gelo. Por isso, com o aumento das temperaturas nesse periódo, o crescimento do gelo tem sido cada vez menor, o que resulta em uma camada mais fina e vulnerável ao derretimento durante o verão.
“Com isso, estamos caminhando para um futuro onde, provavelmente, veremos o Ártico sem gelo no verão dentro de 20 anos”, diz.
E a previsão de um Ártico sem gelo no verão, em um futuro próximo, é justamente o que confirma o estudo de Stroeva.
Caso o aquecimento global atinja 2,7°C até o final do século, praticamente todos os dias do ano terão temperaturas árticas superiores às médias pré-industriais, com o inverno chegando a registrar um aumento de mais de 10°C. Assim, pelas estimativas dos cientistas, isso levaria a uma perda completa da cobertura de gelo do Oceano Ártico, que se tornaria livre de gelo no verão todos os anos, por meses a fio.
Além disso, o gelo que ainda existe durante o inverno poderá se tornar muito mais fino e, em muitos casos, não se estenderá até as costas, devido à diminuição da temporada de crescimento do gelo, cada vez mais afetada pelo aquecimento da região.
Com isso, a perda de gelo marinho poderá ter efeitos devastadores para os animais que dependem desse ambiente, como os ursos polares e focas, que enfrentariam riscos de extinção em várias regiões.
Porém, o impacto disso deverá ir além da fauna. As condições climáticas mais extremas devem afetar também as comunidades humanas, principalmente aquelas que vivem nas regiões mais ao norte.
O derretimento do permafrost, por exemplo, poderá causar danos significativos às infraestruturas locais, com a degradação do solo prejudicando construções e aumentando os riscos de desastres naturais, como desabamentos e erosão costeira.
E fora tudo isso a navegação no Ártico poderá se tornar mais difícil e perigosa, embora o derretimento do gelo favoreça rotas comerciais mais rápidas, o que trará novos desafios geopolíticos e ambientais.
Como o aquecimento global afeta a vida no Ártico
Arte/g1
Tempo de sobra?
O estudo de Stroeve destaca que o aquecimento no Ártico não é apenas uma crise regional, mas sim global, com repercussões em economias, ecossistemas e culturas. Por isso, ela acredita que, para evitar ou mitigar os impactos desse aquecimento, é essencial reduzir drasticamente a quantidade de CO2 que estamos liberando na atmosfera.
E isso exige ação em várias frentes, como nos setores de transporte, produção de alimentos e manufatura.
“Já vemos nos Estados Unidos que as seguradoras não estão mais cobrindo nossas casas, pois o custo dos desastres climáticos continua aumentando. Com a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris e o compromisso com o desenvolvimento de mais combustíveis fósseis, estaremos retrocedendo por um tempo, em vez de avançarmos”, alerta a cientista.
Em relação às estratégias de mitigação, ela menciona que ainda há tempo para limitar o aquecimento a níveis abaixo de 2,7°C, mas isso depende de ações rápidas e audaciosas.
Dirk Notz, cientista climático da Universidade de Hamburgo, reforça a gravidade da situação. Ele alerta que a perda de gelo marinho no Ártico é impulsionada principalmente pela quantidade de CO2 emitido pela atividade humana.
Um iceberg derrete nas redondezas da cidade de Narsarsuaq, no sul da Groelândia.
REUTERS/Bob Strong
Isso porque a cada tonelada de CO2 liberada na atmosfera, o Ártico perde cerca de 3 metros quadrados de sua cobertura de gelo no verão. Embora extremos temporários possam afetar a quantidade de gelo, Notz garante que a tendência de um Ártico sem gelo no verão será inevitável nas próximas décadas se as emissões de gases de efeito estufa continuarem.
O crescimento do gelo no inverno, que antes ajudava a manter a cobertura gelada durante o ano, está diminuindo devido ao aumento das temperaturas. Como resultado, o Ártico está cada vez mais vulnerável ao derretimento no verão, o que levará, muito provavelmente, a um oceano Ártico sem gelo no futuro próximo.
Segund Notz, o que precisamos entender é que o aquecimento no Ártico serve como um alerta precoce dos impactos catastróficos do aquecimento global em outras partes do planeta.
“O Ártico é, na verdade, um sistema de alerta vital, que sinaliza as mudanças drásticas que estão ocorrendo em nosso clima devido à ação humana”, diz.
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