13 de janeiro de 2025

Batalha da P7: movimento hip hop dá vida à noite do Centro de Belo Horizonte

Centenas de pessoas se reúnem na Praça Sete em todas as noites de quinta-feira para acompanhar batalhas de rima e de dança. Batalha da P7: movimento hip hop dá vida à noite do Centro de BH
Quem conhece o Centro de Belo Horizonte sabe que há um contraste entre o dia e a noite na Praça Sete. Enquanto há sol, o movimento de carros e de pessoas é intenso no cruzamento das principais vias da região. Após o fim do horário de pico, o cenário muda.
Mas, nas noites de quinta-feira, o movimento hip hop vem “bagunçando” essa regra. Centenas de pessoas se reúnem no quarteirão das ruas Rio de Janeiro e Tamoios com música, dança, competição, confraternização e gritos de resistência.
Dieguin da P7, um dos idealizadores da batalha na Praça Sete
Jader Xavier

É a Batalha da P7 (Praça Sete) que está tomando espaço e atraindo pessoas de diversas quebradas da Região Metropolitana de Belo Horizonte. O local vira um encontro de quem é apenas fã do movimento ou tem a habilidade de rimar e dançar.
A reportagem acompanhou dois dias de duelo. Pelo menos em um deles, mais de 200 pessoas se aglomeravam no quarteirão. Segundo a organização, o evento já reuniu mais de 400 pessoas em um única dia.
“A Praça 7 é um lugar de resistência, né?! É um lugar onde é a cara do protesto de Belo Horizonte, e o rap é um protesto, o hip-hop é uma forma de protesto. E acho que foi a Praça 7 que nos escolheu porque estava precisando de um protesto de verdade ali, não que os outros não sejam, mas é um protesto que vai trazer gente, trazer crianças, trazer pessoas, trazer vida pra rua”, disse o produtor Dieguin D7.
Batalha
Tudo começou em 2021. D7 é morador do Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul da cidade. Lá, ele participava de um projeto que também envolvia batalha de rap. Tempos depois, Dieguin deixou de fazer parte do grupo, mas não perdeu a vontade de organizar seu próprio encontro.
Se o local do primeiro projeto era a favela em que morava, estava na hora de fazer um no asfalto onde trabalhava.
“Começou em frente a banca de revista que eu ralava na Praça Sete, da (rua) Carijós. Aí, com vários altos e baixos, como todo coletivo cultural passa, a gente foi se fortificando, foi passando por algumas dificuldades, sobrevivendo a outras, e se mantendo firme e forte.”, disse ele.
Até poucos meses atrás, os MCs contavam apenas com a própria garganta e as palmas da galera na roda. Não havia som, nem música, nem DJ e nem microfone.
A realidade atual, porém, já é diferente. De forma coletiva, a estrutura foi surgindo.
“O som veio pela primeira vez quando a gente conseguiu uma tomada, sabe? Aí a gente fez uma edição de LGBTQIAPN+. Eu aluguei o som com o microfone, a gente testou e viu que dá para fazer. Aí as pessoas foram acreditando mais no projeto, uma pessoa chama outra?”, contou o produtor.
Como funciona?
🎤A Batalha da P7 tem regras parecidas com outros projetos do tipo, como o Duelo de Mcs, um clássico que existe na cidade há doze anos.
🎤Exceto as edições especiais, em toda quinta-feira são recolhidos os nomes de quem deseja participar e um sorteio é realizado.
“Minas e monas” (mulheres e população LGBTQIAPN+) têm vagas garantidas.
No total, por dia, são dezesseis participantes duelando entre sim, em formato de mata-mata.
Os vencedores de cada duelo vai se classificando até restar dois MCs, que fazem a final do dia.
O campeão leva uma premiação, decidida a cada edição.
O júri do duelo, na maioria das vezes, é o público que está assistindo.
O MC que receber mais saudações, vence. Porém, em algumas edições, esse júri é formado por artistas do rap.
No final de cada quinta-feira, o ranking da Batalha da Praça Sete é atualizado.
Os quatro primeiros desse ranking têm vaga garantida nos duelos da próxima semana.
Quem se manter em primeiro lugar até o final da temporada é o vencedor.
Em 2024, os rankings estão divididos por semestres.
No final do ano, os vencedores de cada semestre se enfrentarão em uma grande final.
Os MCs
Sauva MC, mestre de cerimônia da Batalha da P7
Jader Xavier / TV Globo
As batalhas da P7 são mediadas pelo Sauva MC, agente cultural de Belo Horizonte. Rimador também de longa data, o mestre de cerimônia agita a galera e coloca todo mundo no clima dos duelos.
“Pra mim é uma satisfação imensa. Eu, que venho do rap desde 2012, ver essas crescentes das batalhas, do hip hop na cidade e na região metropolitana, me deixa muito feliz e me motiva a fazer mais. Porque a gente faz isso aqui para salvar pessoas, salvar pretos, periféricos, todo mundo que vem da mesma vivência que a gente tem aqui na batalha” , disse Sauva MC.
Veja imagens do duelo de rima na Praça Sete
Os rimadores saem de várias partes da Grande BH para participar da batalha. Gabriel Mirã, por exemplo, é de Caeté. O MC já tem o costume de pegar a estrada para duelar em BH.
“Teve a época da pandemia (de Covid-19) em que todas as batalhas pararam, os MCs ficaram em casa. Quem voltou, quando começou a liberar, foi a (batalha da) Praça 7. Vi, na interntet, que a batalha estava rolando. Era a minha chance e comecei a colar aqui”, contou Gabriel Mirã.
Batalha de MCs entre Gabriel Mirã e Noty
Jader Xavier / TV Globo
A MC Ruby, 20 anos, da Região Oeste de Belo Horizonte, trata o hip hop como uma ideologia de vida, onde há acolhimento, representatividade e liberdade.
“Eu estou no ramo do hip hop desde os 13 anos de idade, tive uma infância conturbada. E entrei para o hip hop que foi meio que uma válvula de escape para os meus problemas, para as paradas que eu passava. E me ajudou de verdade. Eu acho que a Batalha da P7 é um lugar muito acolhedor e inclusivo. A gente estar na Praça Sete é tomar espaço, é muito representativo. Todo mundo passa, vê a batalha, para e pega um pouquinho da cultura”, falou MC Ruby.
Batalha entre MH e Ruby
Jader Xavier / TV Globo
E não importa a idade. De Ibirité, Mel MC, de 16 anos, é novata no projeto, mas já chama a atenção pela qualidade de suas rimas.
“O hip hop é uma cena muita apagada na questão de minas e monas. A gente é muito invisibilizada, o nosso corpo não aparece tanto nessas cenas. E como eu sou uma pessoa trans LGBTQ e tenho apenas 16 anos, eu quero entrar no rap desde já, agora. Quero mostrar que tem travesti sim no rap” , falou Mel MC.
Mel e Gonza duelam na Batalha da P7
Jader Xavier / TV Globo
Já o menino Kayque, conhecido na batalha como Kay Big, apesar dos seus 14 anos de idade já ostenta números significativos. Um vídeo em que o adolescente aparece rimando bateu 5 milhões de visualizações nas redes sociais.
“Eu gosto muito disso aqui, entendeu?! Olha aí para você ver, vou aparecer na Globo, do nada!”, brincou Kay Big.
Kay Big já viralizou nas redes sociais com milhões de visualizações
Jader Xavier / TV Globo
Falando em competição, um dos que surge como forte candidato ao título da atual temporada é o João Gustavo Ferreira dos Santos, de 23 anos, que se apresenta no hip hop como “Mineirinho”. Ele é o atual campeão da Batalha da P7, além de ter um título estadual amazonense.
A minha relação com o hip hop é de vida. Porque pra quem não tem perspectiva, a batalha de rima traz uma nova visão de como se sustentar com aquilo que ama e respeita, né, mano?! – Mineirinho
Mineirinho MC
Reprodução
O público
Mães e filhos acompanham as batalhas de rima na Praça Sete
Jader Xavier / TV Globo
Crianças, jovens, mulheres, homens, população LGBTQIAPN+ e por aí vai. O público da Batalha da P7 é diversificado.
As centenas de pessoas que se aglomeram, se adaptam da forma que dá para acompanhar os duelos. Se estiver chovendo, atravessam a rua e se instalam na Rua Carijós com Rua São Paulo, onde tem uma cobertura.
Se lá estiver sem tomada para ligar os cabos de energia, a galera não se importa em voltar à Rua Rio de Janeiro, mesmo debaixo de chuva. O importante é arrumar um jeito de proteger os equipamentos, com faixas, blusas, sacos plásticos ou sombrinha.
Equipamentos do DJ Paulinho protegidos por uma sombrinha
Jader Xavier / TV Globo
Um dos frequentadores fiéis da Batalha da P7 é o Jean Alejandro, que mora ali pertinho, no Centro de BH mesmo. Mas na cena do rap, ele é conhecido como “RR”, dono de músicas como “Mais uma vez”, “Luto” e a recém lançada “Linha”.
“Eu acho que a Batalha da Sete é parte de uma célula de um organismo que alimenta toda a cidade, com cultura jovem e periférica. O hip hop salva vidas!”, contou RR.
Celeiro
Jean Alejandro, o RR
Arquivo pessoal
Com meio século de existência, o movimento hip hop ainda tem muita de suas bases nas ruas – e talvez não queira perder essa essência. Belo Horizonte é uma cidade que se destaca no cenário nacional neste sentido.
Já consolidado, o Duelo de MCs do Viaduto Santa Tereza, um dos mais tradicionais do país, vem assistindo, nos últimos anos, o nascimento de “irmãs” nas esquinas e favelas do município, como a Batalha da Clandestina, a Batalha da Matriz e a Batalha dos Predim.
E o coração do Centro de BH não está de fora da cena. Apesar das dificuldades de conseguir apoio financeiro e estrutural, os organizadores da Batalha da P7 se mostram orgulhosos do que estão construindo com as próprias mãos, pernas e gargantas.
“Tudo ocorre ao movimento de hip-hop, fraga?! Não é só a batalha envolvida. Tem liberdade de expressão ativa, acolhimento social. É onde a gente coloca vários jovens, uma variedade de gente. Repito muito que temos recurso nenhum. O que a gente queria é só um pouco mais de respeito com nós de batalha” , contou Dieguin D7.

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