Desgaste entre os dois países se agravou com declarações recentes de Lula e Amorim; Maduro convocou embaixador. Itamaraty disse ver com ‘surpresa’ tom ofensivo da Venezuela. Presidentes Lula e Maduro durante encontro em Brasília, em maio de 2023.
Ueslei Marcelino/Reuters
Diplomatas, analistas e professores ouvidos pela GloboNews avaliam que o momento na relação com a Venezuela é o mais “tenso” desde o começo do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2023. Eles divergem, contudo, sobre a possibilidade de uma ruptura diplomática.
Embora aliados históricos, Lula e Nicolás Maduro passaram a ter divergências políticas públicas, que chegaram a níveis diplomáticos.
Essas divergências começaram a partir do momento em que o brasileiro começou a questionar o desenrolar do processo eleitoral venezuelano, contestado pela comunidade internacional em razão da falta de transparência sobre o resultado.
Em julho, após a votação no país, o Conselho Nacional Eleitoral venezuelano reconheceu a vitória de Maduro, mas não divulgou as chamadas atas eleitorais.
Além disso, a Suprema Corte do país, alinhada a Maduro, também reconheceu sua vitória e proibiu a divulgação das atas, que, segundo a oposição, demonstrariam a vitória de Edmundo González.
Nos episódios mais recentes:
o Brasil articulou nos bastidores para que a Venezuela não entrasse no Brics;
o ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial de Lula, disse que houve uma “quebra de confiança” entre os dois governos;
e a Venezuela convocou o embaixador em Brasília, o que, em linguagem diplomática, mostra o incômodo de um país com o outro.
Além disso, em um ato de um órgão de governo e não da diplomacia, a Polícia Bolivariana da Venezuela publicou uma imagem com a bandeira do Brasil e a silhueta de um homem que aparenta ser o presidente Lula com a seguinte mensagem: “Quem se mete com a Venezuela se dá mal.”
Em resposta, o Itamaraty divulgou nota em que diz ver com “surpresa” o tom ofensivo adotado pela Venezuela contra o Brasil.
Chance de ruptura
Segundo um diplomata, não há “chance alguma” de o Brasil romper as relações com a Venezuela, a menos que o país vizinho adote essa medida drástica.
Já o professor Amâncio Jorge, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), entende que a estratégia do governo brasileiro é a de tentar “diminuir a temperatura”. Ele, contudo, avalia que há o “risco” da ruptura diplomática em razão das medidas adotadas pelo regime de Maduro.
“Acho que é o momento mais tenso nas relações. Houve um momento muito tenso na relação Brasil e Venezuela no governo Bolsonaro. […] Mas, em toda a história do Lula e do PT no poder, este é o pior momento das relações”, afirmou o professor.
“À medida em que o governo Maduro pede a volta do embaixador, acho que existe a possibilidade [de ruptura das relações diplomáticas]. Claro que o governo brasileiro vai fazer todo o esforço para uma ruptura formal não acontecer, mas esse risco está dado”, acrescentou.
Para o professor José Luis Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), se os dois países “escalarem” o conflito, pode se chegar a um cenário de rompimento das relações diplomáticas.
Para ele, faltou, por parte de Brasil e Venezuela, “combinar” como seriam as divergências públicas, o que deixou o clima “muito mais tenso”.
Estratégia ‘equivocada’
Polícia venezuelana publica foto com bandeira do Brasil: ‘Quem se mete com a Venezuela se dá mal’
Hussein Kalout, conselheiro consultivo internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), afirma que o Brasil adotou uma estratégia “equivocada” nas relações diplomáticas com a Venezuela desde que o presidente Lula tomou posse para o terceiro mandato.
Ele afirma que o governo brasileiro “antecipou legitimidade em demasia” a Maduro, “elevou de forma muito rápida e sem a ponderação necessária” o prestigio do presidente venezuelano e buscou reintegrar o regime “achando que o Brasil teria influência, o que não se materializou”.
“O que existe hoje é uma política de insultos e de hostilidades por parte do governo Maduro, o que é ultrajante, com um governo, digamos, complacente com muitos erros […] O governo brasileiro foi complacente e a razão disso foi buscar não condenar e não criticar abertamente, numa tentativa de influenciar positivamente e se chegar a uma solução no contexto interno”, afirmou.
“Acho que o governo brasileiro precisa definir o que quer com a Venezuela. A complacência obedecia a uma estratégia: tentar ajudar a encontrar consenso no país para acomodar governo e oposição. A estratégia subestimou as intenções do Maduro. […] Foi uma estratégia equivocada, achando que o Brasil teria influência, o que não se materializou”, completou.
Para o conselheiro do Cebri, a situação do Brasil está “difícil” porque, avalia, o regime de Maduro não vai parar até que o Brasil retire o veto à entrada da Venezuela no Brics.
“Tem que ver até onde vai o limite da paciência do Brasil. Qual o risco? O Brasil ter a embaixadora expulsa de Carcas”, declarou.
Oportunidade ‘de ouro’
Para Pio Pena Filho, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), o governo brasileiro tem uma oportunidade “de ouro” para se distanciar do governo de Nicolás Maduro.
Ressalta, porém, que a tradição diplomática brasileira é não desafiar nenhum governo e não “encarar” chefes de Estado.
“Não interessa a ruptura, mas, por outro lado, a densidade das relações é muito baixa. A gente só tem prejuízo nessa relação. […] A postura da Venezuela tem sido atirar contra todo mundo, é um país que desafia, segue a lógica de que, quanto mais tensão internacional houver, mais o governo usará isso para se firmar internamente”, disse.
Analistas não esperam ruptura
Venezuela convoca embaixador em Brasília
Dados levantados pelo jornal “Valor Econômico” mostram que o fluxo comercial entre os dois países, isto é, a soma das exportações e das importações, chegou a US$ 752 milhões entre janeiro e junho deste ano, resultado que se manteve estável na comparação com o mesmo período de 2023.
Ainda conforme o “Valor”, os principais itens negociados entre os dois países são açúcares e melaços; gorduras e óleos vegetais; e adubos ou fertilizantes químicos.
Nesse contexto, Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, afirma ser “pouco provável” que Brasil e Venezuela rompam as relações diplomáticas. Ele avalia que deve prevalecer o interesse dos dois países, principalmente na cooperação na área econômica.
Na mesma linha, Carlos Braga Monteiro, do Grupo Studio, defendeu a busca pelo diálogo afirmando que não espera uma “ruptura completa”, mas a “tendência” é que a tensão atual acabe refletindo no comércio entre os dois países. Diante disso, afirma, Brasil e Venezuela precisam “estabelecer um diálogo mais pragmático”.
Alex Andrade, da Swiss Capital Invest, por sua vez, diz ser “notável” que o governo brasileiro busca postura “cautelosa”, o que, para ele, sugere “esforço para manter as linhas de diálogo abertas”.
“Apesar das evidentes tensões, é improvável que haja uma ruptura total nas relações, considerando a importância da estabilidade regional para ambos os países”, declarou.