Vídeo denunciando cobranças indevidas viralizou nas redes sociais e postos policiais foram reduzidos nas estradas. Ao se sentir insegura, turista acionou a embaixada; entenda quando deve entrar em contato. Letícia Pavim
Arquivo Pessoal
Já pensou estar em um país estrangeiro, sozinha, com todos falando que você corre perigo por causa de um vídeo que publicou nas redes sociais? Foi por essa situação que passou a criadora de conteúdo Letícia Pavim.
A viagem da brasileira, de 24 anos, por diversos países africanos tinha como objetivo divulgar o turismo no continente, principalmente, para mulheres que viajam sozinhas.
Em seu primeiro dia em Angola, em 22 de junho, a turista, que mora em São Paulo, conta que passou por pelo menos 7 postos policiais, sendo que em todos foi solicitado algum tipo de pagamento para o motorista, que também era seu guia.
“Era pedido o dinheiro da gasosa, que seria refrigerante. Mas, conversando com muitos angolanos, descobri que seria um jeito escondido de pedir a propina. Aí, depois de um tempo, parava de novo para dinheiro para água, para o almoço. Toda hora meu guia tinha que mostrar os documentos. Sempre tinha alguma coisa que fazia a gente ter que tirar dinheiro da carteira”, relata.
Neste dia, o motorista teve que desembolsar para os policiais cerca de 9 mil kwanzas, equivalente a R$ 56. Ele contou para Letícia que isso acontece todos os dias e que já separa um valor para os policiais. Mas, na ocasião, precisou pedir dinheiro emprestado para ela em alguns momentos.
O motorista disse que seu salário é de cerca de 70 mil kwanzas (cerca de R$ 435) e a agência não reembolsa o que é pago às autoridades.
Indignada com a situação, a turista resolveu publicar um vídeo nas suas redes sociais contando o que aconteceu. Na manhã seguinte, o vídeo já tinha mais de 170 mil views no TikTok, repercutindo em sites de notícias locais. Assista abaixo.
Brasileira sofre golpe do policial corrupto em Angola e causa mudanças no país
Letícia também começou a receber diversos avisos de angolanos dizendo para apagar o conteúdo, pois, segundo eles, ela poderia sofrer algum tipo de repressão policial. Assustada, a turista deletou o material e entrou em contato com os sites que reproduziram o vídeo pedindo para que também apagassem.
No mesmo dia, o Ministério do Turismo angolano tentou contato com ela por ligação de WhatsApp, mas a criadora de conteúdo decidiu não atender. Eles tinham o contato dela porque, antes da viagem, Letícia estava em negociação para uma parceria, que não deu certo.
“Eu não sofri nenhuma ameaça, mas só falavam que os policiais poderiam fazer algum mal e aí, eu acho que justamente por não ter uma coisa literal do que poderia acontecer comigo, isso me deu ainda mais medo”, disse.
Após o conteúdo viralizar, o governo angolano suspendeu os postos de controle por 24 horas e, depois, diminuiu a quantidade deles nas estradas permanentemente. Nos sites de notícias locais, a decisão foi associada ao vídeo.
Postos de controle nas estradas são desativados por 24 horas em Angola após vídeo de brasileira
Reprodução
Assustada com toda a situação, Letícia entrou em contato com a embaixada brasileira no país por telefone. Ela relata que, como não recebeu uma ameaça direta, não foi levada muito a sério pelo plantonista.
“Eu falei: ‘Olha, não fui ameaçada, mas a repercussão está nacional, não paro de receber mensagem, o ministério me ligou, estou assustada, não sei se pode acontecer alguma coisa’. Aí ele [o atendente] falou: ‘Você deveria ter tomado cuidado mesmo'”, relata.
Segundo a criadora de conteúdo, a única orientação que recebeu foi que, caso “implicassem” com ela no aeroporto, ela poderia ligar para a embaixada.
Nada aconteceu a Letícia.
Quando já estava na Tanzânia, seu destino seguinte, recebeu uma mensagem do embaixador do Brasil em Angola, Rafael Vidal, que quis entender melhor a experiência dela no pedido de ajuda.
Ao saber que a criadora de conteúdo foi mal atendida, Vidal estabeleceu uma mudança: qualquer ligação de brasileiro se sentindo inseguro para a embaixada deve ser encaminhada para ele ou para alguém em cargo de chefia.
Ao g1, o embaixador explicou que a Angola não é um país com grande violência social e urbana e que o país é democrático e tem liberdade de expressão. “Mas isso não diminui o fato de que a Letícia se sentiu insegura, de que ela passou por um momento difícil e isso não deveria ter acontecido”, disse.
Vidal confirmou que o país sofre com a corrupção policial.
“Isso acontece mundo afora. Acho que os turistas são mais vulneráveis do que os cidadãos locais a esse tipo de assédio e a Angola não está isenta desse tipo de situação. Há relatos de problemas desse tipo de constrangimento em retenção policial ao longo das estrada”, disse.
“Não se trata de dizer que os esses bloqueios não são necessários. Muitas vezes, eles são importantes porque também dão segurança para o turista, mas existem constrangimentos”, completa.
Apesar de toda a situação, Letícia afirma que aprendeu muito em Angola e que voltaria ao país. “Agora sei como que funcionam os perrengues. É um país, sim, que tem muitos desafios, mas é um país muito bonito, muito legal, com muita cultura, com muitas paisagens bacanas”, afirma.
O g1 entrou em contato com o Ministério do Turismo angolano, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Vídeo de brasileira viralizou na Angola
Reprodução
Golpe do policial corrupto
Na Tanzânia, Letícia passou por uma experiência parecida: observou que o seu guia também precisava dar dinheiro para os policiais no caminho. Isso acontece em diversos países, inclusive no Brasil, e é conhecido como o golpe do policial corrupto, explica Luisa Ferreira, advogada e professora da Fundação Getúlio Vargas Direito SP (FGV).
Apesar de em Angola Letícia ter observado os moradores sofrendo mais com o golpe, a advogada explica que isso é muito comum com turistas, uma vez que não conhecem as leis do país e acreditam quando são acusados de uma irregularidade. Com medo de serem detidos, pagam os valores pedidos pelas autoridades.
“É estranho, porque parece que a região é policiada, você até se sente mais seguro. Mas, na verdade, ela é hiperpoliciada, mas por agentes corruptos, infelizmente, que se aproveitam dessas situações de vulnerabilidade do turista”, diz.
Além disso, há ainda o golpe do falso policial. Neste caso, são civis que se vestem como policiais, usam uma falsa credencial e também aplicam multas irregularmente.
O que fazer para não ser vítima
Veja a seguir algumas recomendações para evitar ser vítima desses golpes.
Quando for viajar para o exterior, estude a legislação do país e quais são as normas de conduta locais, tanto legais quanto culturais, recomenda Vidal.
Pesquise na internet e pergunte no hotel quais golpes são mais comuns serem realizados contra turistas e onde, evitando passar por essas localizações, indica Ferreira.
Caso sofra uma abordagem policial, peça para ver as credenciais, para garantir que se trata realmente de um agente.
Caso se sinta ameaçado pelos policiais, entre em contato com o consulado do Brasil no país.
No golpe do falso policial, faça um boletim de ocorrência na delegacia local.
Se for vítima do golpe do policial corrupto no Brasil, faça uma denúncia no Ministério Público.
Grave as abordagens. As gravações servirão para provar que você foi a vítima e não a pessoa que coagiu o policial.
A professora da FGV ressalta a importância de manter provas de que não houve um suborno.
“Na verdade, você pode, inclusive, ser considerado um corruptor, porque você pagou para se livrar de uma situação. Mas aí você tem que mostrar que você não está pagando porque você quer se livrar de uma multa de verdade. Você é vítima, porque o policial está inventando coisas para te extorquir”, explica.
Quando pedir ajuda do consulado
Uma das soluções que a Letícia pensou para se sentir segura em meio a tantos alertas de que corria perigo foi entrar em contato com a embaixada brasileira em Angola.
Rafael Vidal, embaixador no país, recomenda ao brasileiro que se sentir ameaçado no exterior a entrar em contato com o plantão consular.
O consulado deve ser a primeira opção, uma vez que é responsabilidade dele a relação entre população e Estado. Os países que não possuem um consulado têm um setor consular na embaixada.
Os contatos dos consulados estão disponíveis no site do Ministério das Relações Exteriores (acesse aqui).
Vidal alerta que o número deve ser tratado como de emergência e, portanto, não deve ser acionado apenas para pedir informações. Veja abaixo alguns exemplos de urgências.
Crises humanitárias decorrentes de desastres naturais, de guerras civis ou conflitos armados.
Desaparecimento de brasileiros no exterior nas últimas 48 horas.
Casos de tráfico de pessoas.
Qualquer situação de casos de violência e maus tratos contra brasileiros.
Brasileiros desvalidos (quando ficam sem recursos financeiros e precisam de ajuda para serem repatriados).
Identificação de hospitalizados indocumentados ou desvalidos.
Comunicação de falecimento a familiares no Brasil.
Prisões e detenções.
Brasileiros retidos ou inadmitidos em aeroportos por questões migratórias.
Acidentes graves envolvendo brasileiros.
Extravio de documentos.
Videl explica que o papel do consulado é orientar o brasileiro conforme a gravidade da situação, seja em buscar as forças policiais do país ou orientar um retorno imediato ao Brasil.
Antes de qualquer medida, a instituição realiza uma investigação própria para averiguar a veracidade do caso.
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