Presidente do país da América Central comprou sua lua contra o crime organizado à cura de um “câncer”. País enfrenta desafios na área econômica, que podem desestabilizar a popularidade avassaladora do mandatário. Nayib Bukele toma posse para seu segundo mandato como presidente de El Salvador
Presidência de El Salvador/Handout via Reuters
O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, pediu aos salvadorenhos que tomem sem queixas o “remédio amargo” que receitará em seu segundo mandato, que começou neste sábado (1º), com o objetivo de melhorar a economia.
No discurso de posse, ele usou a mesma metáfora ao afirmar ter “curado” o país do “câncer” do crime organizado.
Da sacada do Palácio Nacional, após prestar seu juramento, Bukele pediu aos salvadorenhos “apoio incondicional”, ao comparar seu país com uma pessoa doente e seu governo com um médico, em seu discurso perante milhares de apoiadores na praça do centro histórico da capital, San Salvador.
“Já resolvemos a questão mais urgente, que era a segurança, e vamos nos concentrar totalmente nos problemas importantes, começando pela economia”, disse Bukele, vestindo a faixa presidencial.
O líder salvadorenho advertiu que, “neste novo tratamento para sanar a economia, talvez também tenhamos que tomar um remédio amargo”, mas, “o país já se curou” do “câncer” do crime organizado, e agora deve “se curar de uma economia ruim”.
Sem antecipar medidas, conclamou os salvadorenhos a “defender com unhas e dentes” as “decisões tomadas sem hesitação” para tornar o país “próspero”. “Sem nos queixarmos”, ressaltou.
Bukele, um ex-publicitário de ascendência palestina, assume um novo mandato de cinco anos com poder quase absoluto, depois de pulverizar a oposição com 85% dos votos nas eleições de fevereiro e conquistar quase todo o Congresso (54 de 60 cadeiras).
Assíduo nas redes sociais, nas quais ri de quem o chama de “ditador”, tem a seu favor todos os poderes do Estado, incluindo os magistrados que lhe permitiram buscar a reeleição apesar de ser proibido pela Constituição.
Concentração de poder
Tamara Taraciuk, analista do centro Diálogo Interamericano, comentou à agência de notícias AFP que Bukele eliminou “freios e contrapesos essenciais para uma democracia” e é difícil pensar que “vai voltar atrás em suas medidas autoritárias”.
Em uma América Latina atormentada pela violência do crime organizado, Bukele é o presidente mais popular, graças às suas políticas de linha-dura contra gangues, que vários governantes, como Daniel Noboa do Equador, e Xiomara Castro, de Honduras, tentam imitar.
Não obstante, o governo Bukele é criticado por organizações de direitos humanos por instaurar um regime de exceção, vigente desde março de 2022, que soma mais de 80 mil detidos sem ordem judicial, acusados de pertencerem a gangues.
A Human Rights Watch e a Anistia Internacional denunciam mortes, tortura e detenções arbitrárias. Quase 8.000 foram libertados, milhares deles inocentes.
Preocupações com a economia
Em seu discurso de posse, Bukele acrescentou que sua recente vitória esmagadora mostra que os salvadorenhos querem continuar sob o regime de exceção.
Mas especialistas acreditam que as preocupações econômicas podem acabar com essa lua de mel.
O país enfrenta uma dívida pública de US$ 30 bilhões (R$ 157 bilhões), o equivalente a 84% do PIB; 29% dos seus 6,5 milhões de habitantes são pobres e muitos continuam emigrando para os Estados Unidos em busca de trabalho.
Os três milhões de salvadorenhos que vivem no exterior enviam remessas no valor de US$ 8 bilhões (R$ 42 bilhões) por ano, o equivalente a 24% do PIB.
“Já não há desculpa de que o crime e as gangues atrapalham a economia, mas sua concentração de poder não é garantia suficiente para dinamizá-la”, disse à AFP Manuel Orozco, do Diálogo Interamericano.
Na tentativa de revitalizar a economia dolarizada, em 2021 Bukele fez de El Salvador o primeiro país do mundo onde o bitcoin tem curso legal. Mas poucos salvadorenhos o utilizam.