9 de janeiro de 2025

‘Buraco dentro do peito’: mães que perderam filhos em intervenções policiais relatam vida após luto e criam grupo para pedir justiça


O g1 conversou com algumas dessas mães, que contam como foi a perda dos filhos em ações com intervenções policiais em Itu (SP). Elas também relatam seus dramas pessoais em função destas perdas e, até mesmo, supostas perseguições policiais que sofreram. Mulheres de Itu (SP) criam grupo para protestar contra violência policial em Itu (SP)
Mães de Luta por Justiça de Itu/Divulgação
Um grupo de Itu (SP) composto por aproximadamente 30 pessoas, sendo que ao menos 14 são mães que já perderam os filhos em situações envolvendo agentes da segurança pública, criou e participou de um movimento contra a violência resultante de intervenções policiais na cidade.
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O intuito, conforme as participantes do Mães de Luta por Justiça de Itu, é “dar visibilidade a inúmeras violações por parte de um grupo de policiais”.
As mães têm o apoio de outros grupos de luta e enfrentamento, como União da Juventude Rebelião, Ação da Juventude e Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio.
O g1 conversou com algumas dessas mães, que contam como foi a perda dos filhos em ações com intervenções policiais. Elas também relatam seus dramas pessoais em função destas perdas e, até mesmo, supostas perseguições policiais que sofreram. Além de visibilidade, elas lutam por reparação e justiça.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SP) reiterou que é uma instituição legalista e que opera com protocolos rigorosos, e disse que, até terça-feira (7), não havia encontrado registros das denúncias apresentadas nesta reportagem, mas que permanece à disposição da população para oficializá-las e investigá-las (veja mais detalhes abaixo).
Dois lutos em dois meses
Em 2024, a professora Monalisa Alves da Silva enfrentou duas tragédias em sua vida. No dia 17 de maio, ela perdeu o filho Antony Juan Nascimento Lisboa, de 16 anos, em uma ação com intervenção policial. Ela ainda vivenciava o luto de outro filho quando recebeu a notícia no mesmo hospital, com o mesmo enfermeiro.
“Recebi uma ligação da avó biológica do meu filho dizendo que um policial tinha matado ele. Entrei em desespero e corri para o hospital. Chegando lá, fui recebida por um enfermeiro, que, por coincidência, 58 dias antes já tinha me dado a notícia da morte do meu filho mais velho, de 29 anos, em um acidente de moto”, relembra.
“Ele me disse: ‘eu te conheço’. Aí, eu disse: ‘sim, ‘há dois meses você me deu a pior notícia da minha vida. Você vai dar outra?”’.
“O enfermeiro ficou sem reação, e eu já sabia que meu filho estava morto. Quando cheguei na porta, quase desmaiei. Me seguraram. Foi a cena mais triste e cruel que vi até hoje”, desabafa.
No dia do ocorrido, de acordo com ela, a tortura não terminou com a morte do filho. Ela conta, ainda, que não acredita que o filho morreu no hospital, versão apresentada pela polícia.
“Eles não socorreram meu filho e ainda foram pegar meninos de outra comunidade, levaram lá e mostraram os meninos mortos, rindo e dizendo: ‘tá vendo esses dois aqui? Vou fazer o mesmo com vocês’. Eles são milicianos”, diz.
‘Oito tiros, sem defesa’
A auxiliar de limpeza Rosemeiry Alves de Campos compartilha do mesmo sentimento e revolta. O filho, Rian Gustavo Alves de Campos, conhecido como BK, à época com 23 anos, também foi morto em função de uma intervenção policial. Ele morreu um dia antes de Antony, no dia 16 de maio.
“Ele foi morto com oito tiros, sem defesa. Disseram que ele estava armado, mas não estava. Da mesma forma que ele recebeu os tiros, ele não teve reação, caiu no sofá, morto. Ele chegou morto na Santa Casa”, comenta a mãe, que ainda tem a foto das balas cravadas muito próximas umas das outras.
A mãe diz que, desde a morte do filho, a família não conseguiu seguir em frente. A filha, de 13 anos, faz acompanhamento psicológico. O filho mais velho, de 30, foi diagnosticado com depressão após a morte do irmão.
“Tomo oito remédios por dia. Meu marido também não consegue trabalhar. É um buraco dentro do meu peito”, acrescenta.
Outra mãe, que preferiu não se identificar, alega que ficou desempregada desde 2022, quando o filho, menor de idade, segundo ela, passou a ser perseguido por policiais da cidade.
“Minha vida nunca mais foi a mesma. Parei de praticar lutas como muay thai e jiu-jítsu. Precisei passar com psicóloga”, conta. O filho foi apreendido por três vezes em menos de três anos. Ela fala em perseguição.
Violência e perseguição policial
A mãe de um menor também faz parte do grupo. Ela chegou a prestar depoimento à Corregedoria Geral da Polícia Civil. No documento, de 10 de julho de 2024, ela conta que o filho foi apreendido e levado para uma delegacia da cidade, onde apanhou até defecar.
Ainda conforme ela, no depoimento, o jovem foi liberado pois não estava com nada de ilícito. Entretanto, seu filho mais velho também passou a ser perseguido pelos policiais, sendo abordado por duas vezes logo após o ocorrido com o filho mais novo.
O depoimento também fala em invasão à residência da família, sendo que, no caso, dois cachorros da raça pit bull foram soltos e só resgatados no dia seguinte. Ainda sobre a invasão, o filho foi detido, mas liberado em audiência de custódia.
Posteriormente, em outra casa, o rapaz teria sido novamente abordado e preso pelos mesmo policiais. Nessa situação, ainda conforme o depoimento, mais de R$ 5 mil foram levados do local, mas apenas pouco mais de R$ 1 mil foram apresentados na delegacia.
Os nomes das mães dos menores, mesmo com a permissão, não foram divulgados para evitar que eles, eventualmente, possam ser identificados.
Protesto
Grupo cria grupo contra violência policial em Itu (SP)
Mães de Luta por Justiça de Itu/Divulgação
No dia 21 de novembro, o grupo de mães fez uma manifestação pelas ruas de Itu. O evento ocorreu no Centro de Educação Ambiental Miguel Loronte Villa, no bairro Presidente Medici, mas se estendeu por ruas da cidade, em especial no Centro. Munidas de cartazes, as mães pediam justiça com relação ao que ocorreu com seus filhos.
A psicóloga e pesquisadora Marisa Feffermann ajuda na organização e na divulgação dos atos do grupo desde maio de 2024. Ela diz que as famílias possuem muito medo, pois sofrem ameaças.
“Tem uma situação que eu acho importante reforçar que é um medo constante. Quando a gente pede para que a pessoa se apresente, elas têm muito medo. É o medo concreto, porque, até pouco tempo, eles voltaram a atuar nos relatos de tortura. E um silêncio absurdo da comunidade por medo.”
Recentemente, o g1 publicou uma reportagem sobre o aumento de mortes em Sorocaba por intervenção policial na cidade com dados de 2024. No texto, o advogado Hugo Bruzi Vicari, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Sorocaba (OAB), falou sobre a letalidade.
“Quando você é treinado a atirar primeiro e perguntar depois, obviamente o resultado será sempre o pior possível. Essa simples explanação já fala por si só sobre o aumento de toda letalidade policial do estado de São Paulo.”
O que diz a SSP
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo reiterou que é uma “instituição legalista” e que opera com protocolos rigorosos, e disse que, até terça-feira (7), não havia encontrado registros das denúncias apresentadas pela reportagem, mas que permanece à disposição da população para oficializá-las e investigá-las.
“[A Polícia Civil] não compactua com desvios de conduta […] Todos os casos denunciados são devidamente apurados e as medidas cabíveis aplicadas aos agentes envolvidos.”
No caso de Rian Gustavo Alves de Campos e Antony Juan Nascimento Lisboa, que morreram durante ações com intervenção policial nos dias 16 e 17 de maio, respectivamente, a Polícia Civil informou que eles morreram após um dos rapazes atirar contra policiais civis, na Rua Hilário Candiani.
“Na ocasião, os agentes flagraram a dupla, na companhia de um comparsa, manuseando cerca de 1,5 mil porções de drogas. Quando perceberam a presença policial, um deles atirou contra a equipe, que interveio. Dois autores foram baleados e socorridos, enquanto o terceiro conseguiu fugir. Um revólver calibre 32, usado por um dos suspeitos, foi apreendido, assim como as armas dos policiais”, disse, em nota.
“Exames periciais foram solicitados e o caso, registrado como tráfico de entorpecentes e homicídio – morte decorrente de intervenção policial no plantão de Itu. Um inquérito policial e uma apuração preliminar foram instaurados pela 7ª Corregedoria Auxiliar de Sorocaba para apurar o crime de homicídio. Ambos seguem em andamento”, completou.
Ainda de acordo com a SSP, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) tem um painel que acompanha os casos de morte por intervenção policial no estado. No site, é possível fazer denúncias sobre esse tipo de ocorrência ao Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp).
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