Pandemia e uso de transporte por aplicativo são hipóteses para queda de veículos, mas especialistas apontam outros fatores e prejuízos à população. Frota de ônibus urbano em Campinas é 16,1% menor que antes da pandemia; entenda impactos
O número de linhas do transporte público de Campinas (SP) cresceu 8,6% entre 2019 e este ano, segundo levantamento do g1 via Lei de Acesso à Informação (LAI). A evolução na quantidade de ônibus, no entanto, teve movimento inverso – regrediu 16,1% no mesmo período.
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A Empresa de Desenvolvimento Urbano de Campinas (Emdec), órgão responsável pela organização e fiscalização do transporte público, defende que o número de ônibus acompanha a demanda de passageiros.
“Assim como ocorreu na maioria das cidades brasileiras, houve uma redução no número de passageiros no período pós-pandemia em relação ao período pré-pandemia”, diz a Emdec.
Especialistas ouvidos pelo g1 dizem que o encolhimento no número de veículos pode ser resultado de uma recuperação lenta após a pandemia, mas cenário gera prejuízos para população.
Para compreender as mudanças e os impactos sociais e ambientais provocados pelo cenário atual do transporte urbano de Campinas, o g1 conversou com três especialistas em mobilidade:
pesquisadora da Unicamp Janini Dias da Silva
professor da Faculdade de Engenharia Civil e de Arquitetura e Urbanismo de Unicamp Pedro Perez-Martinez
diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Puc-Campinas, Fábio Muzetti
Frota de ônibus urbano em Campinas é 16% menor que antes da pandemia, mas linhas aumentam 8,7%
Reprodução EPTV
Por que aconteceu a queda?
Impactos sociais e ambientais
Desafios e oportunidades
O que diz a EMDEC?
Por que aconteceu a queda?
Ao pedir o levantamento, o g1 questionou quantos ônibus circularam em Campinas nos dias da semana e aos sábados e domingos, quando o número é naturalmente menor por conta da demanda, entre 2019 e 2024.
A Emdec respondeu com o número amostral de três dias específicos de novembro de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023, e outro de abril de 2024. Segundo a empresa, essa amostragem reflete a quantidade média de cada ano.
O total ônibus em circulação caiu de 1.081 carros em 2019 para 694 em 2020, como reflexo do período de lockdown provocado pela pandemia de Covid-19.
Esse número foi se recuperando e chegou a 823 em 2021; 897 veículos em 2022; chegou a 911 em 2023 e, em 2024, atingiu os atuais 906 carros.
O número de linhas ativas também apresentou decréscimo durante a pandemia, passando de 207 itinerários em 2019 para 193 no ano que começou a pandemia em 2020.
Depois, 196 em 2021; 203 em 2022; até superar o patamar inicial em 2023, com 218 linhas e 225 em 2024. Veja no gráfico abaixo.
Segundo os especialistas entrevistados, o principal motivo da queda foi a pandemia de Covid-19, que provocou uma medida de confinamento sanitário e consequentemente diminuiu o uso do transporte público.
No entanto, o levantamento mostra que a frota ainda não recuperou o patamar pré-pandêmico. Segundo a Emdec, o número de passageiros (que tem relação direta com o de ônibus) após a pandemia foi impactado três fatores:
pela migração para meios de transporte por aplicativo
pelo aumento da frota de motocicletas, em função do cenário econômico
e pelo crescimento das posições de trabalho em home office.
Para Muzetti, morosidade na troca de veículos velhos por novos é outro fator. Há também, segundo Janini da Silva, ônibus sem conforto e segurança, além de não suprir a quantidade de horário e o alcance do trajeto necessários para os usuários.
“Quanto menos veículos de transporte público na cidade, quanto menos opção para a população, mais a população vai procurar outro transporte individual e eles são mais poluentes, acabam emitindo mais poluição”, diz a pesquisadora Janini Dias da Silva.
“A população tende a buscar outros meios de deslocamentos como os modos individuais”, afirma Pedro Perez-Martinez.
Já Fábio Muzetti lembra que outros fatores devem ser considerados, como a mudança de comportamento em alguns usuários, que passaram a trabalhar com entregas, ou como motoristas de aplicativos.
“Tem muita gente salvando a renda familiar, na falta de emprego, com esse serviço de Uber. Então muita gente que não tinha carro ou não usava no dia a dia, começou a usar”, esclarece Fábio Muzetti.
A Emdec defende que a qualidade do serviço prestado não está diretamente relacionada à quantidade de veículos na frota. “As ampliações de itinerários e criação de novas linhas mencionadas atendem geralmente às demandas da população para ampliar a abrangência do atendimento” .
Ônibus do transporte público municipal de Campinas
Fernanda Sunega/Prefeitura Municipal de Campinas
Impactos sociais e ambientais
Para Muzetti, o atual modelo prejudica as pessoas que vivem nos lugares mais afastados do centro da metrópole, reflexo de uma ocupação espalhada e pouco planejada no território, que difere de outras cidades do mesmo porte.
Ele completa que o problema ocorre por uma deficiência no planejamento urbano, zoneamento e na própria falta de controle na expansão do perímetro.
Essa “bola de neve” provoca na população a necessidade de decidir pela mudança para o transporte particular por aplicativo. Escolha que, segundo os especialistas entrevistados, reflete na diminuição da demanda e as empresas responsáveis passam a justificar a queda no número de ônibus para não ter de aumentar a tarifa.
Muzetti também defende que os ônibus impactam menos no trânsito que carros, já que os coletivos podem levar até 72 passageiros e o carro, com 2 metros quadrados, transporta no máximo cinco.
“Você tirar mais carros das vias para movimentar o transporte público é muito melhor para o trânsito”, afirma o professor Muzetti.
Para Muzetti, o atual modelo prejudica as pessoas que vivem nos lugares mais afastados do centro da metrópole.
Reprodução EPTV
Quais as saídas?
Todos os especialistas entrevistados apontam a integração dos meios de transporte, além da necessidade de trabalhar com múltiplos modais – como uma implantação mais sistemática do BRT – como alternativas para melhoria do transporte público da metrópole.
“Seria muito eficiente a implantação de redes de transporte de passageiros em massa como metrô e VLT. Esses modais são mais sustentáveis e garantiriam o acesso à grande parte da população, reduzindo congestionamentos, e também auxiliaria no crescimento econômico da região”, afirma Pedro
Os pesquisadores também defendem maior participação social e da comunidade acadêmica, bem como investimento público e a priorização de modos coletivos e não motorizados.
“A gente tem que pensar cada vez mais na questão das emissões veiculares e ter uma política de sustentabilidade voltado para área do transporte, buscando conforto maior dos veículos. Um sistema de transporte público melhor, acessível, seguro para a população e que chegue em pontos mais distantes”, conclui Janini.
Em nota, a Emdec afirma que investe na ampliação da malha cicloviária e em projetos de priorização da mobilidade ativa. “Em maio deste ano, o município alcançou mais de 107 km de rotas cicloviárias. Além disso, o município deve receber o Trem Intercidades (TIC) São Paulo – Campinas (Eixo Norte) e o Trem Intermetropolitano (TIM) Jundiaí – Campinas”.
Pesquisadores defendem maior participação social e da comunidade acadêmica, bem como investimento público e a priorização de modos coletivos e não motorizados.
Reprodução EPTV
Nota completa da Emdec
Número de veículos
O número de veículos disponível na frota do transporte público coletivo acompanha a demanda de passageiros. Assim como ocorreu na maioria das cidades brasileiras, houve uma redução no número de passageiros no período pós-pandemia em relação ao período pré-pandemia.
Em 2019, antes do período pandêmico, a média de passageiros transportados era de 528,6 mil. Esse número caiu 42,4% em 2020 – 304,4 mil e 37,5% em 2021 – 330,2 mil. A partir de 2022, a demanda aumentou cerca de 29% em relação a 2021. Foram transportados, em média, 423,6 mil passageiros em 2022 e, entre janeiro e dezembro de 2023, foram 427 mil passageiros transportados. Em 2024, considerando a média de 428,3 mil passageiros em dias úteis do mês de maio, a queda foi de 19% em relação a 2019.
O número de passageiros do transporte público coletivo no período pós-pandemia também foi impactado pela migração dos passageiros para meios de transporte por aplicativo; pelo aumento da frota de motocicletas, em função do cenário econômico; e pelo crescimento das posições de trabalho em home office.
Variação no número de linhas em operação
Quanto à variação no número de linhas, entre o final de 2022 e o início de 2024, foram criadas sete linhas BRT, que operam os corredores Campo Grande e Ouro Verde, além de nove linhas alimentadoras.
Além disso, nos últimos três anos, a Emdec vem realizando a reestruturação das linhas que contam com atendimentos derivados (linhas “filhas”). Até então, somente as linhas principais eram computadas, o que impacta no total de linhas do sistema. Também foram criadas, entre 2022 a 2024, 13 novas linhas; e 188 ações de ampliação de itinerário foram realizadas pela Emdec nesse período.
Atrasos e tempos de espera
De forma permanente, a Emdec monitora o desempenho das linhas municipais e realiza os ajustes necessários para otimizar a operação em benefício dos usuários. Ao longo de 2023, a Emdec promoveu cerca de 1,3 mil ajustes em linhas municipais, incluindo reforço de frota, ampliações de itinerário, ajustes na programação horária, criação ou retorno da operação de linhas paralisadas.
Também ocorre a fiscalização permanente da operação das linhas municipais. Quando constatadas falhas na operação, os veículos são autuados por viagens não realizadas, antecipação ou atrasos, falta de veículos.
Vale lembrar que a total modernização da frota do transporte público está atrelada à licitação do transporte público coletivo. Na fase atual, a Comissão Especial de Licitação trabalha na conclusão de um modelo baseado nas contribuições da consulta pública e na atualização de preços.
Qualidade
A qualidade do serviço prestado não está diretamente relacionada à quantidade de veículos na frota. Ao contrário do que afirma o especialista, as ampliações de itinerários e criação de novas linhas mencionadas atendem geralmente às demandas da população para ampliar a abrangência do atendimento.
Implantação de múltiplos modais
Como medidas de incentivo a meios sustentáveis de deslocamento, Campinas vem investindo na ampliação da malha cicloviária e em projetos de priorização da mobilidade ativa. Em maio deste ano, o município alcançou mais de 107 km de rotas cicloviárias. Além disso, o município deve receber o Trem Intercidades (TIC) São Paulo – Campinas (Eixo Norte) e o Trem Intermetropolitano (TIM) Jundiaí – Campinas.
Diminuição da poluição atmosférica
Toda a frota do sistema de transporte público coletivo de Campinas utiliza biodiesel, seguindo as diretrizes estabelecidas pela legislação aplicável. Em 2023, foi incorporado à frota do transporte público coletivo o primeiro ônibus movido a Gás Natural Veicular (GNV), que reduz as emissões de poluentes e apresenta baixo custo de combustível.
No início de maio, o governo federal anunciou a liberação de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ao munícipio de Campinas, que inclui cerca de R$ 949,2 mil de crédito liberado para aquisição de 512 ônibus – 256 do modelo elétrico e outros 256 convencionais. No momento, a Emdec analisa as questões financeiras legais para que os recursos sejam utilizados, incluindo meios de contratação.
Subsídios
As políticas de subsídio à tarifa do transporte público coletivo atuais envolvem as gratuidades dedicadas aos idosos e descontos na tarifa para estudantes e universitários.
*Reportagem sob supervisão Fernando Evans
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