22 de setembro de 2024

Cânhamo: Embrapa quer permissão para fazer pesquisas com planta proibida no Brasil

Planta é uma espécie da cannabis sativa que não tem efeitos entorpecentes e pode ser aproveitada em muitos setores da economia. Cânhamo: Embrapa quer permissão para fazer pesquisas com planta proibida no Brasil
A Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, quer permissão para fazer pesquisas com uma planta que é proibida no Brasil. É uma espécie da cannabis sativa que não tem efeitos entorpecentes e pode ser aproveitada em muitos setores da economia.
A indústria da moda vive de tendência, e se sustentabilidade está em alta, aparece na etiqueta. O jeans tem 23% de cânhamo. Um fio resistente, que junto com o algodão, forma a trama do tecido que sai dos teares da tecelagem no interior de São Paulo.
O coordenador de Desenvolvimento de Produto, Everton Dechen, conta que a fábrica incorporou o cânhamo há pouco mais de dois anos.
“A durabilidade dele é muito maior. Na questão do cultivo, traz uma redução na utilização de mais de 70% na utilização de água. E também traz aí um toque gostoso que é muito contratipado assim com o algodão”, diz.
O jeans com cânhamo ainda é uma parcela bem pequena da produção: apenas 2 mil dos 5 milhões de metros de tecido fabricados na fábrica por mês. O mercado é novo e o acesso à matéria-prima, difícil.
Hoje, no Brasil, só dá para fabricar tecido com cânhamo importando o fio. Uma tecelagem, por exemplo, compra matéria-prima da China, que um dos maiores produtores mundiais. É que a lei brasileira proíbe o cultivo da planta.
O cânhamo é da mesma espécie da maconha, a cannabis sativa, mas tem uma composição química diferente. No cânhamo, o teor de THC, a substância psicoativa da cannabis, é bem baixo, sem efeito entorpecente, segundo os especialistas.
A portaria 344 da Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, coloca a cannabis sativa na lista de plantas “que podem originar substâncias entorpecentes” e não distingue o que é o cânhamo.
O presidente do Instituto Ficus, Bruno Pegoraro, defende que a agência faça essa distinção.
“O produto com THC tem que ter todo o controle especial como qualquer outro medicamento que tem essa substância psicotrópica. Agora, os outros produtos que não têm nenhuma substância psicotrópica, aí tem que ter uma legislação específica para regulamentar todo esse mercado”, afirma.
É o que foi feito em cerca de 60 países no mundo todo, em uma onda que ganhou força depois que os Estados Unidos regulamentaram o cultivo do cânhamo em 2018. Na América Latina, apenas Brasil, Bolívia e Venezuela não permitem o plantio.
Lorenzo Rolim é agrônomo e coordenou o processo de regulamentação no Paraguai em 2019 – o país já é o maior produtor latino-americano. Ele conta que existe um sistema rígido de controle, que vai desde a importação da semente até a lavoura.
“Nós colocávamos uma geolocalização do terreno. Eles aprovavam esse plano, a gente plantava, os técnicos do Ministério da Agricultura iam lá, olhavam, colocavam plaquinhas lá, esse campo já foi inspecionado pelo Ministério da Agricultura”, conta o presidente da Associação Latino-Americana de Cânhamo Industrial.
Os produtores explicam que o cânhamo é 100% aproveitável. Das flores, dá para obter extratos para cosméticos e óleos medicinais. Do caule, é retirada a fibra que vai não só para a indústria têxtil, mas também na produção de adubo, concreto e cordas. A semente é aproveitada pela indústria de alimentos e de ração animal. E a planta ainda ajuda na regeneração do solo, uma característica muito valorizada pelo agronegócio.
Um potencial que atraiu o interesse de um grupo agrícola com lavouras em São Paulo e Minas Gerais. No fim de 2019, os produtores conseguiram uma autorização judicial para produzir o cânhamo industrial, mas a Anvisa derrubou a liminar meses depois.
“A gente vê no Brasil com a quantidade de área que nós temos, nós temos esse potencial aqui e nós estamos deixando isso para trás. E uma das principais fontes de divisa para o nosso país, que é a agricultura”, afirma Fernando Casado, gerente comercial do grupo.
Em nota, a Anvisa informou que a regulamentação do cânhamo não se encontra entre os temas previstos na agenda regulatória da agência para 2024-2025. Em alguns casos, a Anvisa já concedeu autorização para a pesquisa da planta em universidades. A Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, também tenta uma permissão para estudar o plantio do cânhamo no país.
“É trabalhar assim na vertente de melhoramento genético, desenvolvimento de cultivares, tanto para fins medicinais quanto cultivares para fins industriais, para que a gente tenha tecnologia nacional para essa cadeia que possa gerar emprego e renda no país”, diz Beatriz Marti Emygdio, pesquisadora da Embrapa Clima Temperado.
“A gente tem a expectativa que até 2027 esse mercado seja de US$ 18,6 bilhões no mundo todo. É um país com vocação agrícola, e eu acho que a gente não pode ficar de fora do mercado em expansão com grande potencial”, afirma Bruno Pegoraro, presidente do Instituto Ficus.
“O dia que o Brasil acordar para essa realidade que o cânhamo não tem nada a ver com a parte recreativa da cannabis, nós vamos realmente alavancar o que é o potencial do Brasil, que é agrícola, é produção, é pesquisa, desenvolvimento”, afirma Lorenzo Rolim.

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