20 de novembro de 2024

Cavalos abandonados cuidados por detentos ajudam no tratamento de crianças da Apae com equoterapia dentro de presídio do ES

Cerca de 40 animais recolhidos de rodovias de Viana, na Região Metropolitana de Vitória, participam do projeto, que já atendeu a 2.167 crianças, 12 idosos e 1.080 presos. Cavalos abandonados são cuidados por detentos e ajudam crianças da Apae em equoterapia dentro de presídio do ES
Ricardo Medeiros/A Gazeta
A equoterapia invadiu os muros da Penitenciária Agrícola do Espírito Santo (Paes), em Viana, na Região Metropolitana de Vitória, e tem ajudando no tratamento de crianças com necessidades especiais atendidas pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) dentro da própria unidade prisional.
Idosos também são atendidos pelo projeto, que beneficia ainda vários detentos que cumprem pena no local. As sessões contam com cavalos abandonados, que foram resgatados em diversas ruas do município, e um doado por fazendeiro local.
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Esse benefício mútuo entre crianças, animais e detentos faz parte de um projeto que existe desde 2015 e já utilizou cerca de 40 animais. Segundo a Secretaria Estadual de Justiça (Sejus), 2.167 crianças e 1.080 presos já foram atendidos ao longo desses anos.
A maioria dos animais foi retirado das ruas onde poderiam sofrer ou provocar acidentes com mortes. Na equoterapia, eles têm a possibilidade de continuar a vida com tratamento adequado, recebendo cuidados dos detentos, em área aberta e de pastagem na própria penitenciária.
Mais de 2 mil crianças já participaram do projeto de equoterapia em presídio do Espírito Santo
Ricardo Medeiros/A Gazeta
Mas como o projeto funciona? Os detentos trocam as celas da prisão pelas celas dos cavalos que precisam estar preparadas para as aulas dos pacientes. Os presos são os responsáveis por cuidar dos animais com banho, escovação e alimentação. Além disso, a cada três dias trabalhados, o preso tem um dia da pena reduzida.
As crianças que precisam de terapia fazem as atividades como uma brincadeira ao ar livre, com a troca de carinho entre a equipe e, principalmente, o animal. Mas para os especialistas, o contato direto entre animais e as crianças vai além da brincadeira. Funciona como parte de um tratamento.
Cavalos abandonados cuidados por detentos ajudam crianças da Apae com equoterapia
Evolução em pouco tempo
Para os pais, a diferença é rápida e a evolução surpreendente. A pequena Laysla Simmer, de 6 anos, foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e, para a mãe, a dona de casa Maria do Carmo Simmer Bessa, a equoterapia fez toda a diferença na vida da menina.
“Minha filha tinha problemas sensoriais e era não verbal. Quando começou a equoterapia, ela chorou muito, foi desesperador, não queria nem chegar perto do cavalo. Hoje, faz carinho, puxa o cavalo pela arena inteira, interage, pisa descalça na areia e na pedra. Uma vitória para a família inteira”, relatou a mãe.
Detentos relataram ao g1 que ficam gratos por ajudar crianças que fazem equoterapia dentro de presídio no Espírito Santo
Ricardo Medeiros/A Gazeta
Laysla é aluna da Apae de Viana e, duas vezes por semana, vai ao Complexo Penitenciário para fazer as atividades. Mesmo com supervisão de profissionais da Apae e dos pais, os presos também acompanham as sessões.
Atividade dentro do presídio causa estranheza
Por não ser uma ambiente comum, a equoterapia desenvolvida no presídio com ajuda de pessoas que estão lá por algum crime cometido chama atenção dos pais.
“No primeiro momento, eu gerei um certo preconceito. Mas depois que você começa a ter o contato, vê a evolução da criança, você vê também a importância do trabalho deles para a pena deles, na socialização como pessoas para a sociedade. Faz tão bem para nossos filhos. Eles tomam todo cuidado com nossos filhos para não se machucar, cuidam dos animais para realizar a atividade. Eu vejo que é gratificante tanto para nós como família como para os internos que precisam reduzir essa pena para ganhar a liberdade e voltar para a sociedade. É uma chance mútua”, disse a mãe da Laysla.
Complexo Penitenciário de Viana, no ES
Reprodução/ TV Gazeta
Segunda chance
O g1 esteve na prisão e conferiu de perto a interação das crianças com os animais, e também os detentos. Sem medo e ansiosa, Laysla fez carinho e cavalgou no Prometeu, cavalo que se dedica à equoterapia no local desde 2019.
Além do Prometeu, os detentos são os responsáveis pelo cavalo Gigante, o pônei Pequenino e a mula Fazenda.
O interno Jeferson Dias da Costa disse que é um prazer se dedicar ao projeto que faz tão bem para os pequenos.
A diretora da Penitenciária Agrícola do Espírito Santo, Leizielle Marçal, contou que o projeto consegue, perfeitamente, atender aos três âmbitos sociais: os animais abandonados, os apenados e as crianças da Apae.
“É uma terapia para as crianças e para gente também. A gente vê a evolução a cada dia que passa. Os animais são bem tratados, recebem treinamento e adestramento todos os dias. Eles ficam totalmente preparados para atender quem precisa na equoterapia. Sou pivilegiado por participar, não dá nem pra perceber que estamos presos. A gente fica solto de segunda a segunda, mexendo com os animais e ajudando diarimente. Só tenho a agradecer”, detalhou Jeferson.
Detentos cuidam de celas e cavalos em equoterapia dentro de presídio do Espírito Santo
Ricardo Medeiros/A Gazeta
“Já vi muitos benefícios. Crianças que não conseguiam pisar, que hoje conseguem, que chegaram aqui sem falar, sem socializar, e hoje socializam. A equoterapia é uma prática muito cara e aqui é gratuito”, destacou a diretora.
Leizielle explicou ainda que, com a mão de obra aplicada no projeto, o preso tem a diminuição da ociosidade. A cada três dias trabalhado, um dia da pena é diminuído, de acordo com os critérios de remição de pena, previsto na Lei de Execução Penal.
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Os internos que participam da atividade passam por uma avaliação criteriosa da comissão técnica de classificação da unidade prisional, composta por assistente social e psicólogos.
“Quem participa começa a olhar a vida de outra forma. A gente tem pouca reincidência criminal nesse projeto. Já tivemos presos que trabalharam aqui e conseguiram emprego através da equoterapia”, explicou a diretora.
Johnny Camporez Brito tem 6 anos e faz equoterapia em presídio do Espírito Santo
Ricardo Medeiros/A Gazeta
Há mais de um ano, o detento Adonai Reis de Almeida se dedica a cuidar dos animais e da área utilizada para as atividades. Ele contou que sempre morou no interior e tinha experiência com trato desses animais.
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“A terapia representa um trabalho muito importante que beneficia várias crianças com deficiência, além de ajudar a gente a ressocializar para a sociedade. É um trabalho que gosto muito de fazer, é um grande prazer”, disse Adonai.
Para o detento Sedimar Oliveira Gonçalves, ele e os colegas também aprendem com as crianças que precisam da equoterapia, além de terem o contato com a natureza.
“É mais um passo para o futuro, para voltar para a família e sociedade. Desde criança eu já mexia com animais na roça, cheguei aqui e a gente tem esse espaço, essa oportunidade de mexer com as criações e com as crianças. A cada dia a gente aprende mais. Além de não ver o tempo passar, acredito que estou ajudando um pouquinho essas crianças, é muito gratificante”, relatou Gonçalves.
Atualmente, 100 crianças fazem as aulas uma vez por semana. Elas saem da Apae em uma Kombi e chegam cedinho na penitenciária.
O projeto também está sendo ampliado e começou a atender idosos de Instituições de Longa Permanência (ILP) do município. Até o momento, foram 12 participantes.
Espaço não parece, mas é na Penitenciária Agrícola de Viana, no Espírito Santo
Ricardo Medeiros/A Gazeta
Johnny Camporez Brito é um garotinho de 6 anos que também foi diagnosticado com TEA. A mãe, Dete Camporez Brito, contou que quando o filho começou a equoterapia nem chegava perto dos animais, mas a realidade atual é diferente.
“Hoje é só alegria. Ele não gostava de animais, não chegava perto dos cavalos sozinho. A equoterapia ajudou muito, de repente, Johnny desenvolveu os movimentos e a fala em pouco tempo de terapia. Meu filho é pura alegria, muito bonzinho, muito tranquilo, mas ele precisa muito desse acompanhamento e, graças a Deus, ele tem desenvolvido muito”, contou Dete.
As mães contam que as crianças ficam ansiosas para as aulas de equoterapia e fazem as atividades que são sérias, brincando.
Terapias disfarçadas de brincadeiras
Para aplicar a terapia sobre os cavalos, a fisioterapeuta Karolaine Rezende Alves usa muito carinho e criatividade. Ela disse que cada paciente responde à terapia de maneiras diferentes.
“A equoterapia consegue fazer o trabalho biopsicossocial. Tanto as crianças quanto os idosos ativam a parte física e motora. Desenvolvem a socialização, identificação pessoal e psicológica, tudo em cima do cavalo, eles ganham autoconfiança. Alguns praticantes começam tímidos. Não querem subir nos animais e fazer nada. Em pouco tempo, já querem andar sozinhas e não querem mais ajuda. A gente consegue ver essa autoestima do ‘eu posso, eu consigo'”, pontou a fisioterapeuta.
Karolaine contou ao g1 que tenta aplicar uma terapia mais disfarçada e diversificada, diferentemente da que é realizada em uma sala. A intenção é não deixar as atividades cansativas. E, já que são pacientes com necessidades especiais, conduz as atividades de um jeito que os faz pensar que estão brincando.
A fisioterapeuta Karolaine Rezende Alves é a responsável pelas atividades com equoterapia em presídio do Espírito Santo
Ricardo Medeiros/A Gazeta
“Eu como fisioterapeuta já tinha esse amor, esse olhar por crianças. Depois que comecei no projeto, me apaixonei ainda. É palpável tudo que a gente consegue com eles, dá para ver a evolução muito rápida. Fico totalmente realizada na minha profissão”, disse emocionada.
Segundo especialistas, ao se movimentar, o cavalo passa ondas vibratórias que o paciente tenta acompanhar, se posicionando para buscar equilíbrio e, com isso, fortalecendo a musculatura.
Os movimentos feitos em cima do cavalo são tridimensionais, parecidos com aqueles que as pessoas fazem ao andar. O corpo se desloca para a frente e para trás, para um lado e para o outro, para cima e para baixo. São deslocamentos triplanares do centro de gravidade do cavaleiro, que estimulam simultaneamente o sistema vestibular, somatossensorial e visual, provocando ajustes posturais, orientação e aquisição do equilíbrio.
Além do corpo, equoterapia faz bem para mente
Neurologista fala sobre os benefícios da equoterapia
O neurologista Thiago Gusmão explicou que, além dos benefícios para o corpo, a equoterapia contribui para a parte neurológica do paciente.
O médico disse que a equoterapia usada no tratamento de pessoas, seja criança, adolescente, adulto ou com espectro autista, tem um papel importante porque melhora, por exemplo, as funções relacionadas à parte de sensibilidade.
“O toque ao cavalo tem uma função tátil muito importante, auditiva, visual. Não pode esquecer da própria percepção também dele no cavalo, por exemplo. A própria percepção é a relação dele, o posicionamento dele do ambiente, é o corpo com o ambiente. E com certeza também melhora a função emocional, psicossocial, redução do nível de ansiedade, melhora, às vezes, na empatia, o contato com o cavalo, o zelo, o cuidado com o próximo”, destacou Gusmão.
Laysla fica toda feliz com equoterapia no cavalo Prometeu, dentro de presídio no Espírito Santo
Ricardo Medeiros/A Gazeta
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