26 de dezembro de 2024

Cientistas ensinam ratos a dirigir para alcançar cereais e roedores se mostram ‘fãs’ dos carros; VÍDEO


Neste artigo, Kelly Lambert, que é professora de Neurociência Comportamental da Universidade de Richmond, nos EUA, explica que ratos que viviam com brinquedos e companheiros aprenderam a dirigir mais rápido. Cientistas ensinam ratos a dirigir carrinhos
🐀Nós criamos nosso primeiro carro para roedores usando um recipiente de plástico. Após várias tentativas e erros, meus colegas e eu descobrimos que os ratos podiam aprender a dirigir segurando um pequeno fio que funcionava como um pedal de acelerador. Em pouco tempo, eles estavam dirigindo com uma precisão surpreendente para alcançar uma porção de cereal Froot Loop’s.
Como esperado, os ratos que estavam em ambientes “enriquecidos” – com muitos brinquedos, espaço e companheiros – aprenderam a conduzir mais rapidamente do que aqueles que estavam em gaiolas normais. Esta descoberta apoiou a ideia de que ambientes complexos melhoram a neuroplasticidade: a capacidade do cérebro de mudar ao longo da vida em resposta às exigências ambientais.
Depois que publicamos nossa pesquisa, a história de ratos que dirigem viralizou na mídia. O projeto continua em meu laboratório, com novos (e aprimorados) veículos operados por ratos, ou ROVs, projetados pelo professor de robótica John McManus e seus alunos. Esses ROVs elétricos atualizados – com fiação à prova de ratos, pneus indestrutíveis e alavancas de direção ergonômicas – são como uma versão para roedores do Cybertruck, da Tesla.

Kelly Lambertdivulgação
Como neurocientista que defende habitats naturais para animais de laboratório, achei divertido ver o quanto nos afastamos das minhas práticas de laboratório com este projeto. Os ratos normalmente preferem sujeira, paus e pedras a objetos de plástico. Agora, nós os tínhamos dirigindo carros.
Mas os humanos também não evoluíram para dirigir. Embora os nossos antepassados não tivessem carros, tinham cérebros flexíveis que lhes permitiram adquirir novas competências – fogo, linguagem, ferramentas de pedra e agricultura. E, algum tempo depois da invenção da roda, os humanos fabricaram carros.
Embora os carros feitos para ratos estejam longe de tudo o que eles encontrariam na natureza, acreditávamos que dirigir representava uma forma interessante de estudar como os roedores adquirem novas habilidades. Inesperadamente, descobrimos que os ratos tinham uma motivação intensa para o seu treino de condução, muitas vezes saltando para dentro do carro e acelerando a “alavanca do motor” antes de o veículo pegar a estrada. Por que isso aconteceu?
O novo destino da alegria
Usando abordagens de aprendizagem clássicas, como o “condicionamento operante”, que reforça um comportamento direcionado a partir de incentivos estratégicos, treinamos os ratos passo a passo em um programa de educação para motoristas.
Inicialmente, os ratos aprenderam movimentos básicos, como entrar no carro e apertar uma alavanca. Mas, com a prática, estas ações simples evoluíram para comportamentos mais complexos, como dirigir o carro em direção a um destino específico.
Os ratos também me ensinaram algo profundo certa manhã, durante a pandemia.
Era o verão de 2020, um período marcado pelo isolamento emocional para quase todas as pessoas do planeta, até mesmo para ratos de laboratório. Quando entrei no laboratório, notei algo incomum: os três ratos treinados para dirigir correram ansiosamente para o lado da gaiola, pulando como meu cachorro faz quando perguntado se ele quer dar um passeio.
Os ratos sempre fizeram isso e eu simplesmente não percebi? Eles estavam apenas ansiosos por comer Froot Loop ou animados com a possibilidade de dirigir? Seja qual for o caso, eles pareciam estar sentindo algo positivo – talvez excitação e expectativa.
Comportamentos associados a experiências positivas estão associados à alegria nos humanos. Mas e os ratos? Eu estava vendo algo semelhante à alegria em um rato? Talvez sim, considerando que a investigação em neurociência sugere cada vez mais que a alegria e as emoções positivas desempenham um papel crítico na saúde, tanto dos humanos como dos não humanos.
Com isso, minha equipe e eu mudamos o foco: deixamos de tentar entender como o estresse crônico influencia o cérebro e passamos a focar em como os eventos positivos – e a antecipação desses eventos – moldam as funções neurais.
Trabalhando com a colega de pós-doutorado Kitty Hartvigsen, desenvolvi um novo tipo de teste, que usava períodos de espera para aumentar a expectativa antes de um evento positivo. Os ratos tiveram que esperar 15 minutos depois que um bloco de Lego foi colocado em sua gaiola antes de receberem o cereal Froot Loop. Eles também tiveram que esperar alguns minutos em sua gaiola de transporte antes de entrar no “Rat Park”, sua área de recreação. Também adicionamos desafios, como fazê-los descascar sementes de girassol antes de comer.
Este se tornou nosso programa de pesquisa “Wait For It”. Chamamos esta nova linha de estudo de UPERs – sigla em inglês para respostas de experiência positiva imprevisíveis – na qual os ratos foram treinados para esperar por recompensas. A efeito de comparação, os ratos usados como grupo controle receberam as suas recompensas imediatamente. Após cerca de um mês de treinamento, expomos os ratos a diferentes testes, para determinar como a espera por experiências positivas afeta o modo como aprendem e se comportam. Atualmente, estamos fazendo exames para mapear as marcas que experiências positivas prolongadas deixam no seu cérebro.
Os resultados preliminares sugerem que os ratos obrigados a esperar pelas suas recompensas mostram sinais de mudança de um estilo cognitivo pessimista para um otimista. Eles tiveram melhor desempenho em tarefas cognitivas e foram mais ousados ​​na hora de criar estratégias para resolução de problemas.
Esta pesquisa fornece suporte adicional sobre como a antecipação pode reforçar o comportamento. Trabalhos anteriores com ratos de laboratório mostraram que ratos que pressionam uma barra para obter cocaína – um estimulante que aumenta a ativação da dopamina – já experimentam uma onda de dopamina à medida que esperam por uma dose de cocaína.
A história das caudas de rato
Não foram apenas os efeitos da antecipação no comportamento dos ratos que chamaram a nossa atenção. Um dia, um estudante notou algo estranho: um dos ratos do grupo treinado para esperar experiências positivas tinha o rabo reto para cima, e com uma curva na ponta, lembrando o cabo de um guarda-chuva antigo.
Eu nunca tinha visto isso, mesmo durante décadas trabalhando com ratos. Revendo as imagens de vídeo, descobrimos que os ratos treinados para antecipar experiências positivas eram mais propensos a manter o rabo erguido do que os ratos não treinados. Mas o que exatamente isso significa?
Curiosa, postei uma foto do comportamento nas redes sociais. Outros neurocientistas identificaram isso como uma forma mais suave da chamada “cauda de straub”, normalmente observada em ratos que receberam morfina. Esta cauda em forma de S também está ligada à dopamina. Quando a dopamina é bloqueada, o comportamento da “cauda de straub” diminui.
As formas naturais de opióides e dopamina – capazes de interferir nas vias cerebrais, que diminuem a dor e aumentam a recompensa – parecem ser ingredientes reveladores das caudas elevadas no nosso programa de treino de antecipação. Observar a postura da cauda em ratos acrescenta uma nova camada à nossa compreensão da expressão emocional dos ratos, lembrando-nos que as emoções são expressas por todo o corpo.
Embora não possamos perguntar diretamente aos ratos se eles gostam de dirigir, desenvolvemos um teste comportamental para avaliar sua motivação para dirigir. Desta vez, em vez de apenas dar aos ratos a opção de dirigir até o local onde havia Froot Loop’s, eles também poderiam fazer uma viagem mais curta a pé – ou com as patas, neste caso.
Surpreendentemente, dois dos três ratos optaram por seguir o caminho menos eficiente, de se afastar da recompensa e correr para o carro para dirigir até a porção de Froot Loop’s. Esta resposta sugere que os ratos gostam tanto da viagem quanto da gratificação que terão no destino.
Lições dos ratos sobre como “aproveitar a viagem”
Não somos a única equipe que investiga emoções positivas em animais. O neurocientista Jaak Panksepp fez cócegas em ratos, demonstrando sua capacidade de ter alegria.
A pesquisa também mostrou que ambientes com baixo estresse para ratos reajustam os circuitos de recompensa de seus cérebros, como o núcleo accumbens. Quando os animais são alojados em seus ambientes preferidos, a área do núcleo accumbens que responde às experiências apetitivas se expande. Alternativamente, quando os ratos são alojados em contextos estressantes, as zonas geradoras de medo do seu núcleo accumbens se expandem. É como se o cérebro fosse um piano que o ambiente pudesse afinar.
O neurocientista Curt Richter também defendeu que os ratos têm esperança. Num estudo que não seria permitido hoje, ratos nadaram em cilindros de vidro cheios de água, acabando por se afogar de exaustão se não fossem resgatados. Ratos de laboratório frequentemente manuseados por humanos nadavam de horas a dias. Os ratos selvagens, porém, desistiram depois de alguns minutos. Contudo, se os ratos selvagens fossem resgatados brevemente, o seu tempo de sobrevivência prolongava-se drasticamente – às vezes, por dias. Parecia que o resgate deu esperança aos ratos e os estímulos.
O projeto de ratos que dirigem abriu portas novas e inesperadas em meu laboratório de pesquisa em neurociência comportamental. Embora seja vital estudar as emoções negativas, como o medo e o estresse, as experiências positivas também moldam o cérebro de maneiras significativas.
À medida que os animais – humanos ou não – navegam pela imprevisibilidade da vida, antecipar experiências positivas ajuda a contribuições a persistência para continuar a procurar as recompensas da vida. Num mundo de gratificação imediata, estes ratos oferecem insights sobre os princípios neurais que orientam o comportamento diário. Ao invés de apertar botões para obter recompensas instantâneas, eles nos lembram que planejar, antecipar e aproveitar a viagem pode ser uma chave para um cérebro saudável. Essa é uma lição que meus ratos de laboratório me ensinaram bem.
Ratos de laboratório ficam viciados em tirar ‘selfies’ após experiência

Mais Notícias