28 de dezembro de 2024

CNJ cobra providências de tribunal após advogada grávida não receber prioridade em julgamento no RS

Intimação faz parte de reclamação disciplinar aberta contra desembargador Luiz Alberto de Vargas. Magistrado negou prioridade a advogada grávida durante sustentação oral no TRT4, em Porto Alegre. Advogada grávida tem pedido de prioridade negado por desembargador no RS
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu cinco dias para que o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4) informe as providências tomadas no caso do desembargador que negou prioridade a uma advogada grávida em um julgamento. O episódio ocorreu na quinta-feira (27), durante sessão virtual da 8ª Turma do tribunal, sediado em Porto Alegre (entenda o caso abaixo).
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A intimação do CNJ faz parte do procedimento aberto contra o desembargador Luiz Alberto de Vargas no domingo (30). De acordo com o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, o órgão investiga “potencial infração disciplinar” na conduta do magistrado.
Em nota, o TRT4 afirmou que a atitude do desembargador “não representa o posicionamento institucional do Tribunal”. A corte ainda disse que a preferência das gestantes na ordem das sustentações orais é direito legalmente previsto em lei, “devendo ser sempre respeitado, além de observado enquanto política judiciária com perspectiva de gênero”.
Ao g1, Luiz Alberto de Vargas confirmou ter recebido o comunicado do CNJ e disse que vai procurar um advogado para sua defesa. “Se eu errei, cabe ao tribunal reparar”, afirmou.
‘Mostrei minha barriga porque ele duvidou’, diz advogada
A sessão foi transmitida ao vivo pelo canal da 8ª Turma do TRT4 no YouTube. No vídeo, é possível ver o pedido da advogada Marianne Bernardi de Oliveira, as negativas do desembargador e os protestos de alguns dos presentes (assista às imagens acima).
A Lei Nº 13.363, sancionada em 2016, estipula direitos e garantias para a advogada gestante, lactante, adotante ou que der à luz e para o advogado que se tornar pai. Um dos direitos previsto é o de “preferência na ordem das sustentações orais e das audiências a serem realizadas a cada dia, mediante comprovação de sua condição”.
Vargas é natural de Porto Alegre e tem 67 anos. O desembargador é presidente da 8ª Turma do TRT4. Formado pela UFRGS, atuou na Justiça do Trabalho como servidor e juiz, antes de se tornar desembargador em 2004.
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Advogada Marianne Bernardi de Oliveira durante sessão virtual do TRT4, em Porto Alegre
Arquivo pessoal
Entenda o caso
A advogada Marianne Bernardi de Oliveira, de 34 anos, que está no oitavo mês de gestação do primeiro filho, havia solicitado preferência para realizar a sustentação oral, que é quando um advogado apresenta seus argumentos em um processo. A sessão havia começado por volta das 9h. O processo da advogada era o 84º da lista de 156 ações previstas naquele dia.
Marianne solicitou preferência algumas vezes, sempre com negativas do desembargador. Tanto representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) quanto outros desembargadores da 8ª Turma reforçaram o pedido para que Vargas concedesse a prioridade à Marianne. Contudo, ela só pôde se manifestar por volta das 16h30.
Ao g1, a advogada disse que, ao longo das mais de sete horas de sessão, passou mal, sentindo tontura e fome.
“Foram momentos constrangedores e humilhantes. Ele diz: ‘Eu não sei se a doutora está grávida ou não’. Nisso eu me levanto e mostrar que estou grávida. Mostrei minha barriga porque ele duvidou”, diz.
Durante o julgamento, Luiz Alberto de Vargas argumentou que os pedidos de preferência só eram concedidos em sessões presenciais e não em audiências virtuais, como aquela. O desembargador afirmou ao g1 que a prática de não dar preferências a ninguém ocorria desde a pandemia.
“Aconteceu um incidente que eu lamento. Se eu pudesse voltar atrás, eu não faria de novo. Nosso procedimento é de dar preferência para gestantes e lactantes, mas também dar preferência para todos os requisitos legais. Mas, durante a pandemia, pela novidade da sustentação pela internet, nós tínhamos consensuado na 8ª Turma e com os advogados que não daríamos preferência para ninguém”, afirma.
Marianne afirma que ao longo da gestação sempre participou de audiências e que nunca havia pedido prioridade, o que julgou ser necessário na última quinta por estar com mal-estar.
“Nesse dia, o único dia em que eu estava me sentindo mal, tontura, eu pedi ao desembargador no início da sessão que me dessa prioridade prevista em lei. No outro dia, fui no obstetra e ele disse que eu poderia ter rompido a minha bolsa na quinta-feira. O abalo emocional, o estresse, veio tudo”, relata Marianne.
O desembargador afirma que a decisão da 8ª Turma sobre o processo do qual a advogada representava uma das partes já tinha a decisão conhecida – de vitória ao cliente de Marianne. Para Luiz Alberto de Vargas, a defensora poderia ter desistido de fazer a sustentação oral.
“Eu subestimei os problemas que tive na sessão e subestimei a capacidade da advogada de criar problemas, porque, no meio da sessão, ela já estava mandando nas redes sociais. Se ela tivesse aberto mão [da sustentação oral], o processo dela seria julgado às 9h. E ela já sabia que tinha ganho. Ela podia, simplesmente, abrir mão da sustentação oral, ficar em casa assistindo à Sessão da Tarde do que ficar assistindo a uma sessão chata da 8ª Turma”, comenta Vargas.
Advogada Marianne Bernardi de Oliveira e desembargador Luiz Alberto de Vargas durante sessão
Reprodução/TRT4
A advogada lamentou as justificativas dadas pelo magistrado à imprensa, dizendo que ele não se retratou pelo episódio.
“Eu queria estar em paz, cuidando da minha gestação, e estou passando por estresse por pura arrogância dele. Ele não se retratou, ele não dá o braço a torcer”, lamenta.
Já Vargas lamentou o que chamou de “incidente” e a repercussão negativa do caso. O desembargador diz que pediu uma licença de 30 dias em razão do episódio.
“Foi um incidente lamentável e totalmente desnecessário. Eu te confesso que fiquei muito estressado, muito chateado. Tenho orgulho da minha trajetória, tenho orgulho da minha biografia. Eu não merecia uma coisa dessas. Isso me abalou”, fala.
A advogada Marianne Bernardi de Oliveira diz esperar por uma punição contra o desembargador.
“Eu espero que tenha um resultado, não só por mim, pela humilhação que eu passei, mas por todas as mulheres que passam por isso. Ele tem que ser punido porque ele coloca em xeque a confiança que a gente tem como cidadão no Judiciário”, afirma a advogada.
Advogada grávida mostra barriga durante sessão virtual do TRT4, em Porto Alegre
Reprodução/TRT4
Reação de entidades
Diversas entidades se manifestaram contra a conduta do desembargador. A seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirma que o desembargador “violou, deliberada e reiteradamente, os direitos legalmente assegurados às advogadas” e que “é inaceitável que, em pleno ano de 2024, os direitos fundamentais das mulheres no ambiente de trabalho e as prerrogativas das advogadas sejam violadas de tal maneira”.
O presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, afirma que “é incontestável a prerrogativa de proteger a saúde e garantir condições adequadas de trabalho às advogadas em período de gestação”.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) no Rio Grande do Sul afirma que “é imperativo garantir o respeito às trabalhadoras gestantes e lactantes, que merecem ser amparadas em seus direitos em todos os ambientes de trabalho, incluindo o Poder Judiciário”.
Entidades como a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), a Associação Gaúcha da Advocacia Trabalhista (Agetra), a Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas no Rio Grande do Sul (Satergs) e um grupo de juízas e desembargadoras mulheres do TRT4 também criticaram a postura do desembargador.
Sede do Tribunal Regional do Trabalho, em Porto Alegre
TRT4/Divulgação
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