A obra vai criar uma ligação entre a Rua Sena Madureira e a Avenida Ricardo Jafet. Prefeitura diz que haverá compensação ambiental e que moradores serão realocados. Administração municipal retomou mesma licitação investigada e depois arquivada no STF. A Prefeitura de São Paulo retomou a construção de dois túneis na Rua Sena Madureira, na Vila Mariana, Zona Sul da capital.
O projeto prevê melhorias para o trânsito na região, mas também o corte de 172 árvores, e a remoção de cerca de 150 famílias que vivem em duas comunidades da região.
A obra vai criar uma ligação entre a Rua Sena Madureira e a Avenida Ricardo Jafet. Para isso, serão construídos os dois túneis que, juntos, somam um 1,6 km de extensão.
O primeiro vai da Rua Botucatu até a altura da Rua Mairinque. E o segundo, da Rua Mairinque até a Rua Embuaçu, passando por baixo da Rua Domingos de Morais. De acordo com a Prefeitura, a construção vai reduzir os congestionamentos e beneficiar mais de 800 mil pessoas que circulam pelos bairros da Vila Mariana, Ipiranga e Jabaquara.
Para abrir caminho para os carros, 78 árvores nativas devem desaparecer, além de outras 94 espécimes exóticas. Os cortes foram autorizados, mediante compensação ambiental, pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, mas moradores do entorno estão fazendo uma série de protestos contra o desmatamento.
A arquiteta e urbanista Elisa Ramalho Rocha, integrante do Conselho de Meio Ambiente da Vila Mariana, conta que essas árvores fazem parte de um corredor verde que interliga os parques Ibirapuera e da Aclimação:
“Importante para ave-fauna, importante para manter a temperatura, importante para promover a biodiversidade entre essas duas áreas verdes. Deveria ser valorizada a existência desse corredor. A gente precisa preservar e enriquecê-lo com outras árvores nativas, em vez de removê-lo”, afirmou.
O túnel também vai passar por uma área que, desde a revisão da Lei de Zoneamento, no ano passado, é reconhecida como ZEPAM (Zona Especial de Proteção Ambiental).
Em um mapa de 1930 da cidade, disponível no site Geosampa, é possível ver que, por ali, passa o Córrego Embuaçu. O próprio estudo de impacto ambiental, que serviu como base para Prefeitura liberar a obra, destaca a “relevância dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos na área”.
O documento ressalta ainda “a importância de preservar os espaços verdes próximos a corpos d’água, que tem papel vital na manutenção da biodiversidade, no controle de temperatura e na melhoria da qualidade do ar”.
O Córrego Embuaçu era um dos últimos a céu aberto na cidade, mas, já no início da obra, parte dele foi concretada.
A Prefeitura não reconhece a área como APP (Área de Proteção Permanente). Para Elisa Ramalho Rocha, um erro: “Existe uma nascente e um curso d’agua no local. De acordo com a legislação federal, não há dúvidas de que nós temos sim uma APP naquele local”, explicou.
Polêmica também na habitação
A obra também prevê a remoção de duas comunidades instaladas há pelo menos quatro décadas na região: a Souza Ramos e a Luiz Alves. Segundo os moradores, 150 famílias vão ter que se mudar. Elas reclamam que não foram avisadas oficialmente, e que ninguém apresentou um plano de remanejamento.
“Foi pela chegada dos tratores que a gente viu que estava acontecendo alguma coisa”, disse a babá Márcia de Lima, que vive há 35 anos no local. Ela tinha a esperança de, na verdade, ver a casa regularizada, já que a revisão da Lei de Zoneamento também reconheceu a área como de Interesse Social. “Nosso sentimento é de desespero. Nossa habitação é a única coisa que a gente tem”, completou ela.
Contrato já foi alvo de denúncia de corrupção
A obra tinha sido contratada em 2011, pela gestão de Gilberto Kassab. Era para ter ficado pronta em 2012, mas não ficou, e o prefeito seguinte, Fernando Haddad, largou mão do projeto quando assumiu, em 2013.
Desde então, a obra estava parada. Nesse meio tempo, veio à tona uma denúncia de corrupção envolvendo a construção. Em 2018, em um desdobramento da operação Lava-Jato, o ex-presidente da empresa Galvão Engenharia, Dario Queiroz Galvão Filho, revelou ter pagado R$ 1 milhão em propina a Gilberto Kassab para ganhar a licitação e o contrato. Kassab sempre negou.
O caso foi investigado e arquivado pelo Supremo Tribunal Federal, por falta de provas. É este mesmo contrato que a gestão Ricardo Nunes retomou no mês passado. A continuidade do acordo, com adequações e atualizações, foi discutida na Câmara Municipal e aprovada pelo Tribunal de Contas do Município. O argumento da Prefeitura é de que a entregar a obra novamente à Galvão Engenharia sai mais barato do que fazer uma nova licitação. Em valores atualizados, o túnel deve custar R$ 531 milhões – 140% a mais que o valor original da obra, que continua exposto no canteiro da Rua Sena Madureira.
O que diz a Prefeitura
A gestão Ricardo Nunes garante que nenhuma família ficará desalojada, e que os moradores terão duas opções: receber uma indenização ou aceitarem a realocação em uma nova moradia. O local dessa nova habitação não foi revelado, na nota enviada à TV Globo. A Prefeitura disse também que vai preservar 362 árvores existentes no local, e compensar os cortes previstos com o plantio de 266 mudas, dentro do perímetro da obra. Segundo a administração municipal, não foi confirmada a existência de nenhuma nascente hídrica na área, o que implicaria na preservação permanente do espaço.