Eugênia Augusta Gonzaga, que comandará o colegiado, pretende concluir quase todos os casos até 2026. Para ela, não se trata de caça às bruxas, e sim de respostas para as famílias. Com nova composição, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos retoma os trabalhos nesta sexta-feira (30). Em entrevista à TV Globo e ao g1, a presidente do colegiado, procuradora federal Eugênia Augusta Gonzaga, disse que “enquanto tiver um corpo desaparecido, você não pode falar que concluiu o trabalho”.
Ela quer tentar concluir a grande maioria dos casos até 2026.
Um dos primeiros passos será um pedido para que o CNJ emita uma nova certidão de óbito para os 434 mortos já catalogados pela Comissão Nacional da Verdade. No novo documento deverá constar que a morte foi causada pela perseguição política do Estado.
Essa solicitação deve ser feita já na reunião desta sexta-feira, que marca a reabertura da Comissão.
A data de retomada foi escolhida por Eugênia por ser o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2010.
“Nós não estamos aqui falando de responsabilização, de caça às bruxas. A gente está falando aqui de respostas para as famílias, de um direito humanitário”.
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Troca de integrantes
A comissão foi recriada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no mês passado, com novos integrantes.
Foram designados para comissão:
Eugênia Augusta Gonzaga, que presidirá a comissão;
Maria Cecília de Oliveira Adão, representante da sociedade civil;
Rafaelo Abritta, representante do Ministério da Defesa;
Natália Bonavides (PT-RN), deputada federal e representante da Câmara.
Eugênia Augusta Gonzaga é Procuradora Regional da República e presidia o colegiado em 2019, quando foi retirada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
A comissão foi extinta no penúltimo dia do governo Bolsonaro. Entidades ligadas à defesa dos Direitos Humanos criticaram o encerramento do colegiado sem antes concluir todas as atividades.
A retomada dos trabalhos era defendida pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, mas só foi oficializada um ano e meio depois de Lula iniciar o terceiro mandato.
Agora, devem mobilizar esforços para localizar os restos mortais das vítimas do regime militar e emitir pareceres sobre indenizações a familiares. Criada há quase 30 anos, a comissão é responsável pelas investigações e no reconhecimento de pessoas desaparecidas e mortas durante o período militar.
“A Comissão ficou praticamente parada por cinco anos. A apuração que a gente está fazendo é que tudo que nós deixamos, até verbas, contratos, análises, praticamente tudo ficou paralisado nesse período, a equipe de buscas que nós tínhamos acabado de reconstituir foi revogada e não se fez nenhuma diligência de busca de corpos”, comentou Eugênia.
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Retomada dos trabalhos
A presidente da Comissão disse que espera contar com o apoio das Forças Armadas nessa nova fase de trabalhos do colegiado.
“Nós precisamos dessa verdade, nós precisamos dessa memória. Esperamos contar, sim, com Forças Armadas, esperamos contar com o Ministério da Defesa, com outras instituições, Ministérios Públicos. Pode até parecer uma utopia isso, mas nós vamos seguir nessa direção, porque não é possível a gente continuar com essa negação desse direito humanitário mínimo, que é o direito a ter uma resposta sobre o destino do corpo”, afirmou.
Eugênia informou ainda que, na retomada dos trabalhos, pretende voltar a realizar buscas de corpos desaparecidos.
“Nosso plano de trabalho envolve a retificação dos óbitos, envolve a retomada das buscas de corpos, pelo menos aqueles casos mais urgentes, a renovação dos instrumentos de trabalho da comissão. Por exemplo, resoluções falando da equipe de buscas, protocolos que nós já tínhamos aprovado, tudo isso foi revogado, inclusive contratos com laboratórios de análise genética precisam ser renovados”, disse.
Outro ponto a ser discutido é a possibilidade de propor uma reparação coletiva.
Até o fim de 2024, a Comissão terá em torno de R$ 1 milhão. Com esse recurso, poderá ser feito o pagamento de indenizações a algumas famílias.
Para 2025, a meta é conseguir R$ 5 milhões de orçamento. Mas isso irá depender do apoio de outros órgãos e também de recursos de emendas parlamentares.
Busca por mais vítimas
Em dezembro de 2014, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade afirmou que, durante a ditadura, 434 pessoas morreram ou desapareceram.
“Agora, não significa que essas sejam as únicas vítimas da ditadura e não significa que outras não possam vir a ser reconhecidas. Aí é uma batalha jurídica que nós da Comissão [de Mortos e Desaparecidos] pretendemos defender que não há prazo decadencial, não há prazo prescricional para o governo brasileiro reconhecer a existência de outras mortes, de outras vítimas nesse contexto da ditadura”, disse Eugênia.
Ela lembra que a própria Comissão Nacional da Verdade aponta que pelo menos 8 mil indígenas foram massacrados. Além disso, uma comissão paralela das ligas camponesas fala em um número de aproximadamente 2 mil camponeses que não constam entre essas vítimas.
“Acho que o mais importante é parar com essa ideia que a ditadura brasileira foi uma ditabranda, porque matou muito menos do que nos outros países. Não é verdade. Se a gente pegar esses números desses grupos reconhecidos pela própria Comissão Nacional da Verdade, a gente passa de 10 mil pessoas mortas nesse período da ditadura militar”, concluiu.