5 de fevereiro de 2025

Como a pequena mancha azul do cérebro regula seu sono


Compreender melhor processos do cérebro pode ajudar a tratar os distúrbios do sono associados a condições como a ansiedade. O locus coeruleus vem ganhando atenção nas pesquisas científicas, que tentam estudar funções importantes como a regulagem do sono e da vigília
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Qualquer pessoa que sofra de insônia conhece a impaciência e a frustração que acompanha a falta de sono.
Você luta para desligar as luzes da sua cabeça e silenciar sua voz interior. Você queria ter um botão ou dial que pudesse amortecer instantaneamente toda aquela atividade mental.
Mas a ideia de um atenuador mental não é algo tão forçado como pode parecer.
A maior parte dos neurocientistas concorda atualmente que a nossa vigília ocorre em uma espécie de continuum. Ela é coordenada por uma complexa rede de regiões cerebrais e, no centro delas, fica um minúsculo feixe de neurônios conhecido como “locus coeruleus” – “mancha azul”, em latim.
Esta descrição é literal. Os neurônios do locus coeruleus são tingidos em cor de safira devido à produção de um neurotransmissor específico, chamado norepinefrina.
Esta também é uma indicação da função da mancha azul. A norepinefrina controla nossa agitação psicológica e fisiológica.
Por muito tempo, os cientistas acreditaram que o locus coeruleus ficava dormente durante o sono. Mas, agora, está ficando mais claro que ele nunca fica totalmente quieto. Na verdade, ele mantém baixos níveis de atividade intermitentes que podem regular a profundidade do nosso sono.
Compreender melhor este processo pode ajudar a tratar os distúrbios do sono associados a condições como a ansiedade.
O início do sono REM em camundongos está relacionado à redução da atividade no locus coeruleus
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A ‘caixa de marchas’ do cérebro
O locus coeruleus fica no tronco encefálico, pouco acima da parte de trás do pescoço. Ele contém cerca de 50 mil células, o que é uma parcela minúscula dos 86 bilhões de neurônios que contém, em média, o sistema nervoso central.
O primeiro a observar sua existência foi o médico da rainha francesa Maria Antonieta (1755-1793), Félix Vicq d’Azyr (1748-1794), no final do século 18. Mas a mancha azul passaria ainda muito tempo sem receber atenção.
Tudo começou a mudar no século 20, quando ficou claro que o pigmento azul do locus coeruleus desempenhava papel fundamental na sinalização do cérebro.
A norepinefrina (também conhecida como noradrenalina) aumenta a possibilidade de que os neurônios sofram “picos”, causados por correntes elétricas.
Quando ficam ativas, as células do locus coeruleus transmitem pacotes desse neurotransmissor, ao lado das suas projeções para outras regiões do cérebro, aumentando a comunicação entre os neurônios naquela região.
Mas existem nuances neste processo. Dependendo dos tipos de receptores ali contidos, alguns neurônios são mais sensíveis a quantidades menores de norepinefrina, enquanto outros reagem apenas a limites mais altos.
Isso significa que, quando aumenta a atividade do locus coeruleus, ele começará a influenciar mais algumas áreas do cérebro do que outras. Isso pode causar efeitos dramáticos ao nosso foco, concentração e criatividade, por exemplo.
No seu livro, Hyperefficient: Optimize Your Brain to Transform the Way You Work (“Hipereficiente: otimize seu cérebro para transformar a forma em que você trabalha”, em tradução livre), a escritora e pesquisadora neurocientífica Mithu Storoni descreve o locus coeruleus e seu controle sobre a sinalização da norepinefrina como a caixa de marchas do cérebro, com diferentes marchas que são mais apropriadas para certos tipos de atividades.
Primeira marcha: atividade muito suave na mancha azul. Os baixos níveis de norepinefrina indicam que a nossa atenção é difusa e a nossa mente vagueia de um pensamento para outro.
Segunda marcha: disparos moderados na mancha azul, acompanhados por picos ocasionais em resposta aos estímulos mais relevantes.
O córtex pré-frontal, relacionado ao autocontrole e pensamento abstrato, é mais sensível a esta concentração de norepinefrina. Podemos sentir mais facilidade de concentração em tarefas intelectuais neste estado cerebral.
Terceira marcha: disparos altos e constantes na mancha azul, liberando altos níveis de norepinefrina. Ela começa a acionar a atividade em regiões cerebrais associadas à “reação de fugir ou lutar” e o córtex pré-frontal começa a se desligar.
Graças ao aumento da comunicação entre os neurônios, você fica extremamente sensível ao seu ambiente, mas pode ser difícil separar o sinal do ruído. A concentração começa a ficar mais difícil e você pode começar a se sentir sobrecarregado.
Muitos fatores determinam a marcha onde nos encontramos. Um deles é a hora do dia, pois a atividade da mancha azul se altera com o nosso ritmo circadiano. Ela tende a ser baixa quando acordamos, aumenta ao longo do dia e diminui à noite.
Vigilância noturna
A função da mancha azul na excitação explica por que ela fica mais quieta à noite, durante o sono. Mas ela não fica totalmente silenciosa e dispara esporadicamente.
Pesquisas recentes de Anita Lüthi, da Universidade de Lausanne, na Suíça, indicam que esta atividade pode determinar a qualidade do nosso sono.
Nós alternamos entre diferentes estágios de sono ao longo da noite. Existe o sono REM (“movimento rápido dos olhos”, na sigla em inglês), que, como o nome sugere, é marcado pela oscilação dos nossos globos oculares.
O sono REM é associado aos sonhos vívidos e acredita-se que ele seja fundamental para o processamento e consolidação das memórias.
Mas grande parte do nosso repouso é passado em sono não REM (NREM). Nesta fase, o cérebro pode fazer uma limpeza profunda, eliminando resíduos celulares que poderiam gerar distúrbios neuronais, se eles se acumulassem.
Lüthi mediu a atividade cerebral de camundongos enquanto eles dormiam e concluiu que o sono NREM é associado a surtos temporários de atividade do locus coeruleus a cada 50 segundos.
Este processo aparentemente estimula os tálamos, duas regiões ovoides localizadas no meio do cérebro, relacionadas ao processamento sensorial. Com isso, os animais ficam mais sensíveis aos estímulos externos, como ruídos, sem acordar totalmente.
“Ele gera este estado de aumento da vigilância”, afirma Lüthi. “Ele realmente oferece esta ideia de que a vigília pode ser gradual no cérebro.”
Lüthi sugere que estes períodos regulares de aumento da vigilância a possíveis ameaças seriam essenciais para a sobrevivência no ambiente selvagem.
“O sono tem importância fundamental, mas ele precisa ser suplementado com um mecanismo que permita certo grau de vigília”, explica ela. “Você precisa permanecer reativo ao ambiente.”
O início do sono REM foi quase sempre associado à baixa atividade do locus coeruleus. Isso indica que ele também desempenha papel importante na transição para este estado repleto de sonhos.
“A transição para o sono REM precisa ser muito bem controlada porque, no sono REM, temos atonia”, segundo Lüthi. Trata-se da paralisia temporária do nosso corpo, que nos impede de agir fisicamente fora dos nossos sonhos. “Ficamos totalmente desconectados do ambiente.”
Lüthi destaca que seus experimentos foram realizados em roedores. Por isso, ainda precisamos confirmar se a mancha azul desempenha papel similar no sono humano.
Se este papel for confirmado, ela suspeita que a alteração da atividade do locus coeruleus poderia estar relacionada a condições como a ansiedade, que pode contribuir para distúrbios do sono.
Lüthi descobriu que a exposição dos seus ratos de laboratório a suaves fontes de estresse, como bater na sua gaiola, elevou a atividade da mancha azul e aumentou seu estado de vigilância por toda a noite. Com isso, o sono dos animais ficou fragmentado.
Como encontrar a calma mental
O conhecimento cada vez maior deste processo neural leva alguns cientistas a pesquisar se diferentes tipos de estímulo cerebral podem acalmar a mancha azul e melhorar o sono.
Uma equipe de pesquisa sul-coreana testou recentemente um fone de ouvido que transmite uma pequena corrente elétrica sobre um dos nervos da testa conectado à mancha azul. A intenção é reduzir temporariamente sua atividade, mas ainda não se sabe se isso realmente diminui a insônia.
Por enquanto, podemos tentar pensar com um pouco mais de cuidado sobre o nosso comportamento no início da noite e evitar estímulos excessivos pouco antes de ir dormir.
“Se você se forçar a continuar quando estiver cansado, seu cérebro irá enfrentar a situação aumentando de marcha, para fornecer energia em quantidade suficiente para seu maquinário que enfrenta dificuldades”, escreve Storoni no livro Hyperefficient. “Por isso, ele fica quase ‘travado’ em marcha alta.”
Deixar simplesmente nossa mente relaxar antes da hora de dormir — sem TV, telefone ou tablet — é considerado boa “higiene do sono” há muito tempo.
Se forçarmos a concentração quando estivermos cansados, nosso cérebro pode ficar preso em uma ‘marcha mais alta’, o que dificulta o sono.
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Podemos também aproveitar o tráfego de duas mãos entre o locus coeruleus e o corpo.
A mancha azul faz parte do sistema nervoso autônomo, que controla funções fisiológicas inconscientes, como a respiração, batimentos cardíacos e a pressão sanguínea.
Ele é dividido em duas partes: o sistema nervoso simpático, responsável por acionar a reação ao estresse, e o sistema nervoso parassimpático, que prepara o corpo para o repouso e o relaxamento.
Aparentemente, podemos ativar seletivamente cada uma das partes, com diferentes atividades físicas.
Exercícios moderados a intensos — andar, correr, remar, pedalar ou praticar pugilismo — podem colocar o setor simpático em ação, acelerando a atividade da mancha azul e aumentando nossa excitação mental.
Isso é uma ótima notícia para quem acorda cambaleante de manhã e precisa despertar, mas é menos útil quando você tenta acalmar sua mente após um dia difícil de trabalho.
Talvez você imagine que o exercício físico irá deixar você esgotado, mas visitar a academia tarde da noite não é uma boa ideia se você tiver problemas para dormir.
Por outro lado, alongamentos suaves podem promover uma reação de relaxamento do sistema nervoso parassimpático, que acalma simultaneamente nossos pensamentos e sensações.
Exercícios de respiração controlados — como pranayama, uma antiga técnica de respiração decorrente das práticas de ioga — aparentemente trazem o mesmo resultado, gerando ritmos respiratórios mais lentos que reduzem a agitação em geral.
O locus coeruleus fica no tronco encefálico e contém apenas 50 mil células.
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Podemos usar estas técnicas em nosso benefício quando formos dormir à noite.
Diversos estudos indicam que a meditação e os movimentos de mindfulness (atenção plena) podem nos fazer adormecer mais rápido e melhorar a qualidade geral do sono — mais do que os tratamentos padrão para insônia.
É verdade que não temos um interruptor físico que possa desligar nossa atividade mental quando quisermos.
Mas, gerenciando nossa rotina diária e aproveitando a conexão entre a nossa mente e o corpo, temos muito mais possibilidade de conseguir o repouso profundo tão necessário.
* David Robson é um escritor de ciências premiado. Seu último livro é As Leis da Conexão: 13 Estratégias Sociais que Transformarão Sua Vida (em inglês). Ele pode ser encontrado como @davidarobson no Instagram e no Threads e publica sua newsletter Psicologia em 60 Segundos (em inglês) na plataforma Substack.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.
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