Planta da Louis Dreyfus em Bebedouro, interior de São Paulo, terá capacidade de processar 400 metros cúbicos de efluentes por hora a partir de 2026. Suficiente para abastecer 12 mil casas por um mês, energia servirá para substituir gás natural fóssil em processos industriais da companhia. Biogás: aproveitamento de resíduos é estratégico para transição energética
Bebedouro (SP), no interior de São Paulo, terá a maior unidade produtora de biogás a partir de resíduos líquidos cítricos do país. Uma das líderes mundiais no segmento, a Louis Dreyfus Company (LDC) anunciou este mês a construção de uma planta de 200 mil metros quadrados atrelada à sua fábrica de sucos no conhecido polo citricultor da região de Ribeirão Preto (SP).
A unidade deve ser construída em 18 meses para entrar em funcionamento a partir de 2026, no início da safra da laranja, e reduzir o uso de combustíveis fósseis nos processos industriais, além de produzir água tratada e base de fertilizantes agrícolas.
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“O ineditismo é relacionado à biotecnologia. A produção de biogás a partir de efluentes sólidos ou líquidos já existe. (…) Inovador é a gente ter sido capaz de estudar um microrganismo que possa reagir com essa essa matéria orgânica”, afirma Juliana Pires, head global de indústria e qualidade da plataforma de sucos da LDC.
O Brasil é uma das referências mundiais em biogás, com mais de 1,3 mil plantas de produção cadastradas e uma capacidade instalada de 4,1 bilhões de normais metros cúbicos por ano (Nm3/ano), volume que cresceu 21% em cinco anos, segundo o Panorama do Biogás no Brasil, do Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogas).
Especialistas estimam que o país tem, a longo prazo, o potencial de produzir até 86,6 bilhões de Nm3/ano.
Projeção da maior planta de biogás do país a partir de resíduos cítricos líquidos, que será construída em Bebedouro (SP).
Divulgação/ LDC
“A plataforma de sucos da LDC duplicou os investimentos nos últimos quatro anos dentro da empresa em diversos pilares e a parte de eficiência energética, inovação e sustentabilidade representa grande parte desse valor”, afirma Juliana.
Vinhaça, palha e bagaço de cana-de-açúcar e outras biomassas obtidas do arroz e do algodão, dejetos de animais e resíduos urbanos de aterros sanitários são alguns dos substratos atualmente utilizados no Brasil para a conversão, realizada geralmente por meio de uma digestão anaeróbica, ou seja, com microrganismos decompondo os resíduos na ausência de oxigênio.
Depois de passar por um tratamento para remoção de poeira e umidade, o biogás resultante pode ser aproveitado em estações geradoras de eletricidade, em caldeiras e em plantas de cogeração de energia. Quando é submetido a outras etapas de tratamento, para remoção de dióxido de carbono, passa a ser quase 100% biometano, que pode ser utilizado como biocombustível.
Unidade de produção de sucos da Louis Dreyfus Company, em Bebedouro (SP).
LDC/Divulgação
Biogás a partir de efluentes cítricos líquidos
Atualmente, o Brasil é o maior produtor de suco de laranja do mundo, com o estado de São Paulo como líder. No projeto desenvolvido pela LDC em Bebedouro, a ideia é aproveitar o potencial dos efluentes líquidos decorrentes da produção de sucos, alimentos e ingredientes a partir da laranja e do limão e que carregam elevada quantidade de matéria orgânica.
“É uma indústria de alimentos e ela tem os processos industriais de lavagem da laranja. A gente tem a produção de um ingrediente que é a casca seca que a gente tem que lavar o bagaço, tudo isso gera efluente. Estamos falando de aproximadamente 400 metros cúbicos/hora de efluente líquido e rico em matéria orgânica. E essa matéria orgânica é o principal alimento do microrganismo que vai comer essa matéria orgânica e vai transformar essa matéria orgânica em biocombustível”, explica Juliana.
A pesquisa e o desenvolvimento começaram em 2021, com equipes em busca de um microrganismo que conseguisse interagir com os resíduos, quebrar as partículas e fazer a conversão da matéria orgânica para o biogás.
No projeto piloto, a empresa conseguiu não só consolidar um protocolo que superou em 15% as taxas projetadas de conversão, com um microrganismo capaz de se adaptar aos efluentes e de interagir com esse material de maneira satisfatória, como também garantir que todo o efluente seja aproveitado e se transforme em três subprodutos:
o biogás;
o lodo do fundo dos tanques, para ser enriquecido e dar base a fertilizantes agrícolas;
a água, tratada e devolvida limpa aos rios.
Todo o processo começa com os efluentes industriais sendo recebidos em uma lagoa volante e um tanque de equalização, que os direcionam para dois reatores anaeróbios, lagoas gigantes onde ocorre a biodigestão. Em seguida, os efluentes vão para dois decantadores, onde ocorre a separação do lodo e da água.
O biogás será direcionado para a produção industrial. O lodo vai para uma prensagem, a água é levada para lagoas aeróbias, onde sopradores aceleram a remoção da carga orgânica, e depois para outros decantadores, que fazem a separação definitiva, antes de a água, tratada, ser devolvida à natureza.
“O projeto recebe efluente líquido em grandes lagoas. (…) Essas grandes lagoas cobertas a gente coloca o inócuo, que é um microrganismo. Ele vai se adaptar a esse efluente, vai reagir com a matéria orgânica, vai formar o biogás, vai separar um lodo, o lodo é uma base orgânica que vamos reutilizar nas nossas fazendas após enriquecimento para base de fertilizantes, é uma economia circular. E a gente vai tratar agua limpa que vai voltar para o rio”, explica.
Juliana cita projetos parecidos fora do país, como uma unidade que produz biogás a partir de resíduos do limão, mas em condições completamente diferentes. Em território nacional, a
“Entender como o microrganismo age com um efluente que tem laranja em uma condição de temperatura e ambiente do Brasil é totalmente diferente de um limão na Argentina. A gente fez networking com várias empresas, mas tivemos que criar o nosso modelo de tecnologia.”
Indústria de suco de laranja em Bebedouro, SP
Reprodução/EPTV
Geração de energia
Quanto entrar em funcionamento, a planta terá capacidade de processar, por hora, 400 metros cúbicos de efluentes da indústria de suco e de gerar 50 mil Nm3 por dia ou 7 milhões de Nm3 de biometano equivalente por ano. “É como se fosse uma cidade com de 12 mil casas por mês de energia.”
O objetivo inicial é de que todo o biogás seja destinado a substituir o gás natural fóssil hoje utilizado na energia térmica que movimenta processos como a secagem da casca da laranja. Depois de três anos de implantação, a intenção é de que toda a energia de origem fóssil, para esses processos, seja substituída por renovável.
“São plantas com mais de dez processos unitários que usam energia térmica e a gente vai usar isso como fonte de substituição de forma geral da planta com foco geral em 100% da energia fóssil.”
Outra possibilidade é de estimular a produção de biometano, subproduto obtido a partir da purificação do biogás e que pode ser utilizado, por exemplo, em veículos.
“O projeto já nasce desenhado com inúmeras outras oportunidades. O mercado brasileiro vem regulando cada vez mais a venda de biometano, então eu posso no futuro estender uma purificação desse biogás a biometano para colocar no mercado. A gente pode fazer a mesma limpeza pra área logística de transporte, tem muitos investimentos começando no Brasil para área de transporte logístico”, afirma a representante da LDC.
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