13 de janeiro de 2025

Como surgiu o funk que causou mal-estar político no Reino Unido e quem é DJ Holanda


Entenda por que canção foi vista como descrição de estupro e causou dor de cabeça a Partido Trabalhista, do primeiro-ministro Keir Starmer. Alerta: esta reportagem contém letras de músicas com conteúdo explícito. Partido do premiê do Reino Unido é criticado por usar funk pornográfico em vídeo do Tiktok
Aos 23 anos, o paulista DJ Holanda causou um mal-estar no Reino Unido. Ou melhor, ele não, mas sim sua música “Montagem Coral”. A faixa gerou um climão no parlamento britânico no dia 5 de janeiro.
Com imagens geradas por inteligência artificial e ao som de “Montagem Coral”, um vídeo de promessas políticas publicado pelo Partido Trabalhista do Reino Unido recebeu uma enxurrada de críticas — dentro e fora do parlamento. O principal motivo foi a letra da música, cantada em português.
“Tá de lança e maconha segurando/ vai, novinha safada, relaxando/ vai na pica, safada, sem vergonha/ vai sentando na pica doida de maconha”, canta MC GW sob batidas remixadas por Holanda.
“Naquele pique, só coro brabo/ me chamou de proibido porque eu vicio rápido/ combinação perfeita é sexo, cerveja e maconha/ as novinha viciou, tá tudo curtindo a onda”, entoa MC TH em outro trecho. Já a voz de MC Cyclope entra no fim da música, com a repetição do verso “só socadinha na boceta da novinha”.
Pouco após o vídeo ser postado, surgiram críticas. O Partido Trabalhista recuou, apagando a publicação. “Reconhecemos que a tradução da letra é completamente inapropriada. Pedimos desculpas”, afirmou a sigla, que é a mesma do primeiro-ministro Keir Starmer e que voltou a governar o Reino Unido em 2024 após 14 anos na oposição.
“Yvette Cooper, você acha aceitável que seu partido publique vídeos com letras encorajando homens a drogar garotas jovens para transar com elas e dar ‘socos’ em suas vaginas? Obrigada por nos dizer isso. Nos sentiremos mais seguros com você no comando”, escreveu a parlamentar conservadora Alicia Kearns, provocando a trabalhista.
O mal-estar veio em um momento no qual o governo de Starmer enfrenta críticas relacionadas a abuso sexual de menores de idade. O bilionário Elon Musk acusa o primeiro-ministro de ter acobertado casos de estupro — Starmer diz que isso é uma desinformação implantada pelo empresário.
Vídeo do Partido Trabalhista Britânico no TikTok mostra promessas de governo com imagens de animais feitas por IA e acompanhadas de funk ‘proibidão’
Reprodução/Redes Sociais
Montando ‘Montagem Coral’
Ainda que a canção tenha azedado o clima do parlamento em janeiro de 2025, sua viralização iniciou muito antes disso. A faixa virou hit no TikTok em 2023, quando lançou.
A letra sampleia trechos de outros três sucessos do chamado “funk putaria”, vertente erótica do gênero: “Só Socadinha”, “Senta no Meu Palhaço” e “Combinação Perfeita”.
Para a batida, DJ Holanda remixou a base eletrônica de uma canção que toca no filme “A Voz do Coração” (2004), do francês Christophe Barratier.
DJ Holanda
Reprodução/Instagram
Ao g1, o artista conta que queria desde o começo que a música tivesse bastante grave. “Criei o timbre a partir de um sintetizador”, diz ele. “Levou uns três dias para eu conseguir lapidar e deixar do jeito que queria.”
O resultado ficou semelhante ao que é chamado de phonk, estilo que flerta com o funk bruxaria — marcado por vocais graves, atmosfera sombria e referências que vão do rock ao rap. Vertente nacional mais exportada no Spotify em 2023, o phonk também traz frequências lentas arrastadonas, além de unir o funk mandelão dos bailes paulistas às batidas fritas do techno pós-2010.
Com a base dos beats quase pronta, DJ Holanda foi então atrás das acapellas — nome dado a vocais isolados. Finalizada, a música viralizou rápido. Nas redes, foi até usada até por gigantes como Ferrari e FIFA.
O músico diz que, desde então, ele viu a faixa aparecer em vídeos de TikTok de diversos países como França, Alemanha, Espanha, Ucrânia e Estados Unidos.
Pensando na letra
O DJ Holanda conta que só ficou sabendo da treta envolvendo as legendas do parlamento britânico quando um jornalista inglês o procurou. “Ele perguntou minha opinião sobre a notícia, mas eu tive que pesquisar porque nem sabia. Fiquei em choque.”
“Existem contextos que dá para utilizar a música. Existem contextos que não”, diz o funkeiro, ao se posicionar sobre o caso. “A gente ficou muito feliz que a música chegou em outros países, furou a bolha. Mas, infelizmente, o uso da letra não foi propício para aquele contexto. A gente sugere a eles usar só o beat. Até porque o que viralizou mesmo foi o isso.”
Quanto às críticas que pintam a letra como a descrição de um estupro, o DJ diz: “Não é a primeira vez que o funk fala de drogas e sexo. Não fui eu que fiz a composição. Mas acredito que ela se refere a um ‘sexo com drogas’ consensual, em que ambas as partes da relação estejam de acordo. Não que, necessariamente, [o eu lírico fale em] drogar a mulher para conseguir a relação.”
DJ Holanda
Reprodução/Instagram
A diferença cultural, inclusive, teria um peso relevante na maneira de olhar para a música. Um exemplo disso é o termo “novinha”, que começou a bombar no funk dos anos 2000 e, atualmente, também está no glossário de hits de outros gêneros como sertanejo e pagodão baiano.
Com sua popularização na música brasileira, a palavra acabou ganhando um significado para além do literal. Há casos em que seu uso é para descrever uma mulher desejada, independentemente da idade.
Costurando a carreira
Apesar de discordar da ideia de que “Montagem Coral” seja sobre estupro, DJ Holanda afirma que compreende a existência de outras interpretações.
Ele afirma que essa foi sua primeira faixa a bombar. O segundo sucesso é mais recente: “Hoje é putaria com as piranha”, lançada em outubro de 2024.
O artista também está à frente de remixes pop como “Rave Idiota” (composta a partir de “Idiota”, do Jão) e “Rave Like G6” (de “Like a G6”, de Far East Movement).
Ele entrou para o funk há três anos e, agora, quer um som mais puxado para a vertente bruxaria.

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