29 de setembro de 2024

Conheça o brasileiro que venceu prêmio inédito da paleontologia ao defender repatriação de fósseis

Antônio Álamo Feitosa Saraiva foi o escolhido pela Sociedade de Paleontologia de Vertebrados, nos Estados Unidos, para receber a distinção, uma das mais relevantes da área no mundo. Professor cearense recebe prêmio internacional inédito de paleontologia
Um professor e paleontólogo da região do Cariri, no interior do Ceará, vai ser o primeiro brasileiro a receber o importante prêmio Morris F. Skinner, um dos mais prestigiosos da área no mundo. Antônio Álamo Feitosa Saraiva, de 63 anos, foi o escolhido pela Sociedade de Paleontologia de Vertebrados (SVP, na sigla em inglês) para receber a comenda entre inúmeros paleontólogos de diversos países, da França à Índia.
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Conforme a organização, o prêmio é concedido àqueles que fizeram contribuições relevantes para construção de conhecimento científico na área, bem como incentivaram e compartilharam conhecimento com outros estudantes e profissionais.
“Eu fiquei extremamente surpreso, não sabia nem que eles me conheciam ou que sabiam do meu trabalho aqui na Bacia do Araripe [no Cariri], e recebi esse e-mail dizendo que eu tinha sido agraciado com esse prêmio”, contou Álamo ao g1.
Há décadas, Álamo vem atuando em três frentes na paleontologia: no ensino, como professor do curso de Ciências Biológicas e coordenador do Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca); como pesquisador de campo, na escavação e descrição de fósseis da Bacia do Araripe; e como defensor do combate ao comércio ilegal de fósseis.
“Aqui na Bacia do Araripe, há mais ou menos uns 25 anos, eu travo uma luta, às vezes até inglória, de brigar contra as instituições internacionais e contra o tráfico. E a gente teve avanços nisso, algumas repatriações, a fiscalização da Polícia Federal, que a gente conseguiu convênio, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia do Meio Ambiente do Estado do Ceará. Então, a gente teve algumas conquistas. E foi em cima disso que eles viram e me outorgaram esse prêmio. É isso, ou seja, é um prêmio pelo conjunto da obra”, avalia o professor.
Professor Álamo Saraiva participou de trabalhos de campo em diversos países e em diversas bacias fossilíferas do Brasil
Flaviana Lima
O prêmio será entregue no dia 2 de novembro durante o 84º encontro anual da SVP, em Minneapolis, nos Estados Unidos. Passada a surpresa inicial, o paleontólogo já está com tudo pronto para embarcar e receber a homenagem. “Isso aumenta muito a responsabilidade da gente aqui, ao mesmo tempo que nos ajuda muito esse reconhecimento”, conclui.
Dos animais aos fósseis
Se olhar a vida em retrospecto, é possível entender a surpresa de Álamo com a indicação e posterior escolha para receber o principal prêmio de paleontologia dos EUA.
Quando entrou no ensino superior, décadas atrás, Álamo não pensava em paleontologia. A área, aliás, sequer estava na grade curricular das universidades cearenses. Ele, então, ingressou no curso de Medicina Veterinária em 1980.
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Alguns semestres e algumas aulas de campo depois, abandonou a formação e, em 1982, resolveu se dedicar à Biologia, graduação pela qual obteve seu diploma. Em 1994, ingressou na Urca como professor concursado.
A entrada no universo da paleontologia só veio acontecer no final da década de 1990, a convite do então vice-reitor da Urca, Plácido Cidade Nuvens. “Eu fui induzido por ele, vamos dizer assim, convidado e ao mesmo tempo induzido, a me voltar para os fósseis da Bacia do Araripe”, relembra.
Professor Álamo Saraiva vai ser o primeiro brasileiro a receber o prêmio Morris F. Skinner, referência da paleontologia
Flaviana Lima
A ideia, inicialmente, era que ele ajudasse alguns paleontólogos visitantes em suas pesquisas na Bacia do Araripe. Nascido e criado no Crato, na região do Cariri, Álamo conhecia a região em detalhes. Até os 14 anos, era vaqueiro como o pai.
Seus anos de adolescência, na Chapada do Araripe, haviam mostrado a ele os caminhos da reserva natural; e seus anos de docência o haviam conectado com as pessoas que, pela trajetória de vida, conheciam os segredos das jazidas fossilíferas.
A Bacia ou Chapada do Araripe, na divisa entre Ceará, Piauí e Pernambuco, é uma região geológica que abriga nove sítios paleontológicos com registros de arte rupestre e fósseis de dinossauros e de outras espécies de animais, como peixes e insetos.
A região atrai pesquisadores do mundo inteiro, pois, além da grande quantidade de fósseis e da facilidade de escavá-los, há grande variedade de espécies do período Cretáceo (110 a 115 milhões de anos atrás), um dos mais difíceis de encontrar registros de qualidade pelo mundo.
Chapada do Araripe fica ao sul do Ceará, na divisa com Pernambuco e Piauí.
Aline M. Ghilardi / Ministério do Turismo
Álamo, a convite do reitor, deu os primeiros passos na área. “Quando eu olhei, estava no meio dessa turma, discutindo, indo para o campo, publicando e descrevendo novas espécies. E foi um pouco a vida me levando”, rememora.
Desde então, ele participou de trabalhos de campo em diversos países, como China, México, Chile, e Uruguai, e em várias bacias fossilíferas brasileiras. Seu nome está envolvido na descrição de mais de 40 espécies de plantas e animais da Bacia do Araripe, no Cariri.
Além de professor do curso, Álamo é coordenador do Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri, inaugurado em 2003. “É onde eu discuto coisas e fico respondendo perguntas que eu fazia quando era adolescente aqui no pé da Chapada do Araripe. Para mim é bem mais um divertimento do que um trabalho”, afirma.
Os avanços na região
Em junho de 2023, após negociações que se estenderam por anos, o fóssil do dinossauro Ubirajara jubatus foi devolvido ao Brasil por representantes da Alemanha. Ele havia sido retirado da região do Cariri cearense de maneira irregular nos anos 1990.
O seu retorno foi acompanhado de uma série de solenidades. Antes de chegar ao Cariri, inclusive, o fóssil fez uma parada no Palácio da Abolição, em Fortaleza, onde foi recebido com cerimônia pelo governador do Estado.
O retorno do Ubirajara foi comemorado pela comunidade científica local como um dos principais desenlaces do esforço de combate ao tráfico de fósseis na região do Cariri – uma das bandeiras da vida de Álamo.
“Quando eu entrei na paleontologia, você chegava em Santana do Cariri [cidade com as principais jazidas identificadas de fósseis da região], dia de sábado, e naquela praça da prefeitura estavam uns panos no chão com as coleções de fósseis, como uma feira de fósseis, pra ser vendido. Nas ruas do Crato, você comprava fósseis no mercado. Alguém sempre parava pra lhe oferecer um fóssil. E isso deixou de acontecer”, compara o cratense.
De lá para cá, muita coisa mudou. Ainda na década de 1980, como parte de um esforço para valorizar o patrimônio da região, a Prefeitura de Santana do Cariri criou um museu municipal para expor os fósseis encontrados no Cariri.
A ideia de criar o museu foi do então prefeito, Plácido Cidade Nuvens, que mais tarde seria vice-reitor e reitor da Urca, e o responsável por convidar Álamo para esta área. A universidade, inclusive, assumiu a gestão do museu na década de 1990 – e hoje Álamo é um dos curadores da instituição, que ganhou o nome de Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens.
Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri, se tornou uma referência na área
Divulgação
Desde 2015, a pós-graduação da universidade passou a oferecer mestrado e doutorado com linha de pesquisa em paleontologia. E em cada um destes avanços, Álamo esteve envolvido. Para o paleontólogo, o trabalho desenvolvido na região se torna ainda mais importante diante da riqueza fossilífera única encontrada ali.
“Aqui na Bacia do Araripe é algo diferente para todo o mundo. Primeiro, a quantidade de fósseis que tem aqui. Depois, a diversidade de grupos de seres vivos que se fossilizaram aqui. Depois, o excelente estado de preservação em que esses fósseis se encontram”, explica.
“É como se o Deus Cronos, aquele grego do tempo, tivesse parado o tempo aqui. A gente tem parasita na barriga dos peixes. A gente tem os ossos quebrados e cicatrizados de asas e costelas de pterossauros. A gente tem restos alimentares nos abdomens dos bichos. Então, é como se fosse um mundo congelado do Cretáceo hoje em dia”, completa.
Olhando o passado para entender o futuro
Em agosto deste ano, Álamo recebeu uma homenagem da Urca por seus 30 anos como docente da universidade. Ele ingressou na instituição no primeiro concurso público para professores efetivos, e desde então tem participado do desenvolvimento da área de Ciências Biológicas, na qual os estudos de Paleontologia estão inseridos.
A homenagem veio cerca de duas semanas antes da notícia de que havia sido selecionado para receber o prêmio Morris F. Skinner. A sequência de vênias chegou em um momento simbólico para o cratense: aos 63 anos, e registrado no sistema previdenciário anterior à reforma, ele já tem idade para aposentar.
No entanto, ele garante que não pensa em parar de trabalhar e explorar a Bacia do Araripe. “Por incrível que pareça, essa bacia foi citada pela primeira vez há mais de 200 anos […]. Tem pelo menos umas 50 pessoas no mundo estudando a Bacia do Araripe, entre as quais eu e o meu grupo. Mas eu digo, talvez ninguém tenha feito 5% do que tem para fazer aqui”, destaca.
“Então eu digo sempre, eu estudo paleontologia porque eu me preocupo com o futuro. Mas ‘ah, não é só fóssil, bicho que já morreu há não sei quantos milhões de anos?’. Sim, mas, se eu conheço o presente, se eu sei como é que era o passado, então passado mais presente é o planejamento para as ações do futuro. E é pra isso que a gente tem que estudar paleontologia”, explica o professor.
Professor Álamo Saraiva entrou na Universidade Regional do Cariri em 1994
Flaviana Lima
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