28 de setembro de 2024

Conheça restaurantes centenários da cidade de SP e suas histórias

Esses estabelecimentos, muitos deles fundados no início do século XX, preservam tradições gastronômicas que refletem a rica diversidade cultural da cidade. Restaurantes centenários resistem ao tempo na capital
Em meio à agitação urbana de São Paulo, onde a modernidade avança a passos largos, alguns estabelecimentos permanecem como testemunhos de uma época que não volta mais. Os restaurantes centenários da cidade, que servem não apenas refeições, mas também histórias e memórias, continuam a atrair clientes que buscam mais do que apenas um prato à mesa.
É o caso da Padaria Santa Tereza, a mais antiga do Brasil em funcionamento. Ela foi fundada em 1872, durante o império de Pedro II, em outro lugar, mas também na região central da cidade. O seu primeiro endereço foi na Rua Santa Tereza. Em 1940, ela se mudou para a Praça João Mendes, bem nos fundos da Catedral da Sé.
Ela se tornou um passeio pela memória para muitos frequentadores. Tradição que passa de pai para filha. Para a aposentada Maria Helena, é um espaço de recordação. “Eu gostava muito de vir com ele [o pai], por isso que eu continuei vindo: é uma recordação boa.”
Nas paredes estão fotos de um Centro de São Paulo que já não existe mais. Se essas paredes falassem, teriam histórias para contar de frequentadores ilustres, como os cantores Adoniram Barbosa e Nelson Gonçalves e o presidente Jânio Quadros. Vizinha do fórum João Mendes, a padaria, ainda hoje, recebe advogados, juristas e turistas que vêm em busca de pães e doces. Mas o que não sai do cardápio, de jeito nenhum, são a coxa-creme e a canja de galinha. Em qualquer horário, elas estarão disponíveis.
“A história da coxa-creme começou lá no passado, numa brincadeirinha: faz um enroladinho em casa, deu certo, ficou muito gostoso, trouxeram para a padaria e se tornou um ícone até hoje”, conta Raí Feld, funcionário.
O salão do andar de cima é espaçoso e usado também como restaurante. Os dois ambientes recebem uma média de 400 pessoas por dia. Ele ainda mantém as características arquitetônicas preservadas numa reforma feita nos anos 1990.
A padaria foi adquirida pelo avô e pelo pai da Nathalia. “Quando ele passava aqui na frente, de bondinho, ele era apaixonado nessa padaria, e a intenção sempre foi tê-la. A nossa intenção é a de que, quando as pessoas entrem na padaria, elas vivam essa história de 1872, entendam essa idade”, explica a empresária Nathalia Maturana Almeida.
Desde então, a família está investindo na vocação turística do lugar, com a promoção de saraus de poesia, shows de música e espaço para debates. É o que destaca Juliana Maturana de Castro, que toca o negócio com sua irmã Nathalia. “Neste ano começamos a ver de outra forma, começar a trazer atrações para as pessoas terem mais opções de turismo, não só vir e comer, ter uma música, poesia… Tivemos recentemente um passeio histórico saindo da padaria, contando a história dela.”
Turismo e o legado
Esses estabelecimentos costumam enfatizar a importância de manter viva a herança familiar e cultural. Muitos dos pratos servidos são receitas passadas de geração em geração, que refletem o amor pela culinária e pela hospitalidade. Essas tradições não apenas alimentam os clientes, mas também fortalecem os laços comunitários e o sentimento de pertencimento.
Hoje, a padaria recebe turistas de todos os cantos do país. O biólogo Angelo Giuseppe veio da Bahia com o roteiro pronto. “A gente viu nas redes sociais que ela é a mais antiga daqui da cidade e a partir daqui a gente vai conhecer a Liberdade e a Avenida Paulista. Foi mais do que a gente esperou, muito bonita, aconchegante.”
A psicóloga Marneide Barcellos veio do Rio, também para conhecer a história da padaria. “Principalmente lá em cima você vê toda uma estrutura do antigo Império.Você olha e fala: ‘Nossa, existiu e foi evoluindo com o tempo.’ Essa é a coisa interessante, você estar em contato com o passado, a história se desdobrando na sua frente.”
Pedaço da Itália em SP
Muitos desses restaurantes, fundados no início do século XX, preservam tradições gastronômicas que refletem a rica diversidade cultural da cidade. São espaços em que o sabor se entrelaça com a história, e onde cada prato pode contar uma narrativa. Desde a comida portuguesa e italiana até a típica culinária paulista, esses estabelecimentos são verdadeiros ícones da identidade cultural da região.
Em outro ponto do Centro, no bairro do Bixiga, o provolone gigante na porta e o pão de casca dura já indicam que este é um pedaço da Itália aqui no Brasil. A Basilicata nasceu em 1914, produzindo a receita de pão trazida do sul da Itália, por Felipe Ponzio, o primeiro da família a chegar por aqui.
Esta já é a quarta geração cuidando do que começou como padaria, passou a empório e agora abriga um restaurante e um minimuseu. “Foi muito natural a gente querer fazer a partir de 2017 essa ampliação, com um museu com nossas relíquias, as pás, do café, a gente foi atendendo o que o público queria. A gente quer que as pessoas comam, se sintam à vontade e se divirtam com isso”, contou Angelo Agaso Lorenti.
Na entrada do restaurante, o trajeto dos imigrantes que tocam o estabelecimento. Os mapas são feitos com uma trama de fios, simbolizando um gesto comum na partida dos navios. “Quem partia segurava uma ponta do novelo de lá. O navio zarpava da Itália, e o novelo de lã ia desenrolando, na esperança de que um dia as pontas se unissem de novo”, relembrou o empresário.
Tudo no restaurante tem história. Desde a máquina registradora, a porta do forno antigo, até um calendário com uma santa viraram parte da decoração. A Basilicata é famosa pelos pães, queijos e doces e faz parte da identidade do Bixiga e do paulistano.
Um orgulho danado para o padeiro Severino Joaquim, que criou quatro filhos ali, na beira do forno. Ele fica feliz em saber que, além de ponto turístico, os produtos vão para todo o país. “Tem gente que vem de Santa Catarina, Brasília, Rio de Janeiro. Tudo vem comprar pão aqui, eles gostam. Dá orgulho, muito bom!”
Reinvenção
Apesar do charme que os caracteriza, os restaurantes centenários enfrentam desafios significativos. A concorrência com novas opções gastronômicas e as mudanças nos hábitos dos consumidores exigem uma adaptação constante. Muitos deles buscam se reinventar no cardápio e na experiência do cliente, mas sem perder de vista suas raízes e tradições.
Para uma pizzaria do Brás, a Castelões, o centésimo ano de existência chega agora, em outubro. Tudo começou com um time de futebol formado por imigrantes italianos, o Castelões. Eles se juntavam neste lugar para conversar, beber vinho e comer. No início era um fogareiro com duas bocas. Depois vieram o forno e a pizza.
O restaurante está nas mãos da terceira geração de um dos sócios. Desde pequeno, Fábio Donato corria pelo salão da Castelões. Hoje ele é o dono da receita principal da pizzaria.
“Eles já tinham uma cozinha improvisada e faziam algo de antepasto improvisado. Muita gente vinha de Napoli falando de pizza, aqui do lado já tinha aberto a primeira pizzaria e aquilo estava começando a despontar”, completou Fabio.
Todos os ingredientes são artesanais. Quem faz a mágica é a Claudia, que é chef e companheira do Fabio. “O resultado é esse, é o cuidado que a gente tem do começo até o fim, desde a matéria-prima, desde o preparo de cada ingrediente, até o forno”, diz Claudia Pinho.
Para Fabio, conseguir manter as paredes, as fotos em preto e branco, a linguiça pendurada, as toalhas quadriculadas, é manter o pai e o avô vivos. “Consigo resumir em uma palavra: respeito. Isso aqui foi meio de vida para o meu avo e meu pai e, por respeito à memória dos dois, eu resolvi tocar.”
Uma grande dificuldade é modernizar o lugar. A cozinha está em reforma, mas o salão deve ficar o mesmo, para atender os pedidos dos clientes e turistas que chegam ao espaço.
Conceição reforça isso. “Nós adoramos esse estilo de boteco, lembra boteco, essa pizzaria antiga e, quando vimos que vai fazer 100 anos, foi um dos motivos que viemos aqui”, contou a massoterapeuta Conceição Maria Campos.
Já o aposentado Henrique Munhoz, de 78, frequenta o lugar desde sempre e diz que não há pizzaria melhor. “Só tinha mais coisa do Palmeiras e tinha o distintivo do Corinthians e ele tirou. Era num relógio e ele tirou para fazer birra comigo”, brinca.
Serviço:
Padaria Santa Tereza
📍Onde? Praça Dr. João Mendes, 150 – Sé, Centro
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Basilicata Pão e Restaurante
📍Onde? R. Treze de Maio, 596 – Bela Vista, Centro
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Cantina e pizzaria Castelões
📍Onde? R. Jairo Gois, 126 – Brás
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