Países da América Latina adotaram medidas como decreto de estado de exceção seguidas vezes para tentar conter a criminalidade. Entenda por que a ‘bukelização’ pode se espalhar. Detentos amarrados pelas mãos em uma prisão de Rosário, na Argentina, em 6 de março de 2024
Patricia Bullrich via X
A cidade de Rosário, na Argentina, virou o centro de uma crise de violência no país. Segundo os jornais argentinos, houve uma operação dentro de uma prisão que incomodou grupos de criminosos que, em resposta, mataram pessoas aleatórias na cidade.
A onda de atentados começou na semana passada. Quatro pessoas foram assassinadas: dois taxistas, um motorista de ônibus e um frentista –esse último caso foi o mais chamativo, pois o frentista foi executado no trabalho, aparentemente de forma gratuita. Cinco pessoas foram presas por suspeita de participação no assassinato do frentista.
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O governo do presidente Javier Milei reagiu dizendo que vai mandar soldados do exército para a região e, além disso, tentará aplicar a lei antiterrorismo no país.
A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, afirmou nesta segunda-feira (11) que vai enviar uma lei antimáfia para o Congresso e que vai pedir para a Justiça liberar a aplicação da lei antiterrorismo para combater a onda de violência em Rosário.
“Eles [os criminosos] começaram [a adotar] ações narcoterroristas, atacando cidadãos que só estavam trabalhando. Estamos trabalhando com um novo projeto, mais profundo, que vai levar ao confinamento e à prisão de cada um dos membros dessas gangues”, afirmou ela.
Na mídia argentina, os anúncios de Bullrich foram comparados às políticas do presidente Nayib Bukele, de El Salvador. Em uma transmissão na internet, o “La Nación” afirma que a ministra “prometeu uma lei antimáfia como a de Bukele”.
Patricia Bullrich, ministra da Segurança da Argentina, em 11 de março de 2024
Reuters
Em fevereiro, Bullrich foi convidada pelo presidente Nayib Bukele para conhecer o sistema de segurança local. Ambos estiveram em um evento conservador em Washington.
Bukele foi reeleito em fevereiro. Durante o governo dele:
Cerca de 78 mil pessoas foram presas.
Construiu uma megaprisão para 40 mil detentos.
Decreta regime de exceção seguidamente há mais de dois anos.
Mandou o exército invadir o Congresso para que os deputados aprovassem a verba para o plano de segurança dele.
A estratégia de Bukele fez sucesso entre os governos de direita da América Latina e entre o eleitorado, que vivia em crise de segurança há anos –com as gangues de El Salvador praticavam extorsão e assassinatos. Neste ano, Bukele foi reeleito com mais de 83%.
Endurecimento
Se a Argentina de fato passar a aplicar a lei antiterrorismo para combater o crime e aprovar uma lei antimáfia, será o último país da América Latina que vai recorrer a um endurecimento nas politicas de segurança para lidar com a insegurança.
Em outubro de 2023, o governo de Honduras colocou as prisões sob controle dos militares e construiu um complexo de segurança máxima em uma ilha.
Em janeiro de 2024, o Equador decretou estado de exceção. O presidente Daniel Noboa chegou a afirmar que o país estava em um estado de guerra e, nessa circunstância, o direito comum do país deixa de ser aplicado para que passe a vigorar um direito humanitário internacional.
O Chile aprovou uma lei que aumenta pena para quem ataca a polícia e estabelece um estatuto para proteção dos agentes, que torna mais difícil que eles respondam criminalmente pelas ações que tomaram quando estavam em serviço.
A “bukelização”
Para o pesquisador Ignacio Cano, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e membro do Laboratório de Análise da Violência, há uma espécie de “bukelização” da América Latina –ou seja, diversos países estão recorrendo a políticas semelhantes às que Nayib Bukele implementou no país dele.
O professor Cano diz que há dois grupos de ações que definem o “bukelismo”:
Segurança pública: Estado de exceção perpetuado, prisão indiscriminada de pessoas suspeitas de pertencer a grupos criminosos.
Ataque à democracia: Destituição de juízes da Corte Suprema, presença militar no Parlamento para intimidação, uso seletivo da lei utilizada contra opositores.
A tática não pode ser replicada de forma idêntica em outros países, ainda que o próprio Bukele tenha se dispostos a aconselhar o governo Milei sobre o que fazer em Rosário e afirmado que conseguiria resolver o grave problema de segurança no Haiti.
O professor Cano da Uerj diz que na Argentina, o sistema político e a tradição são mais robustos do que em El Salvador, e que o país é conhecido pela combatividade da mobilização social. No entanto, ele afirma, também houve décadas de ditadura militar e pode ser que haja um aumento das atribuições do Poder Executivo. Casos como o de Rosário, que alimentam o pânico da população, propiciam um clima para que um governo tente passar medidas de emergência com caráter mais autoritário.
O que aconteceu?
A percepção de insegurança cresceu significativamente, mesmo em países com taxas de crimes historicamente baixas, como Chile, Equador e Uruguai.
Segundo Cano, mesmo que as taxas ainda sejam baixas na comparação com outros países, houve aumentos de criminalidade em toda a região, e isso, somado a casos chocantes como o do frentista em Rosário, faz com que as pessoas temam que a situação degringole –que o país delas se torne cronicamente violento como o México ou mesmo o Brasil, afirma ele.
O índice de assassinatos por 100 mil habitantes no Brasil foi de 19,4 em 2023. Na Argentina ainda não há dados relativos a 2023, mas, no ano passado, o índice foi de 4,2, segundo o jornal “La Nación”. Em Rosário, no entanto, a situação é muito pior que no resto do país –o índice da cidade é de 22,31 homicídios para cada 100 mil habitantes.
É isso que está alimentando a tendência de “bukelização” dos países da região, afirma o professor.
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