Victor Travancas denunciou problemas de rachaduras no prédio e excesso de umidade, entre outros. O governo nega risco no imóvel. Crise no prédio do Arquivo Público do RJ coloca em risco arquivos da ditadura sobre Rubens Paiva, diz ex-diretor exonerado esta semana
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Exonerado esta semana após poucos dias no cargo, o ex-diretor do Arquivo Público do Estado do RJ, Victor Travancas, denuncia problemas no prédio como rachaduras, sistema elétrico em más condições e umidade ameaçando arquivos.
Entre os documentos sob risco, segundo ele, estão arquivos da ditadura militar sobre o ex-deputado Rubens Paiva, torturado e assassinado pelo regime — a história sobre o que a família dele passou após sua prisão deu origem ao filme “Ainda estou aqui”. A atuação na obra rendeu à atriz Fernanda Torres o Globo de Ouro.
O governo diz que gastou milhões de reais em obras nos últimos anos e nega risco no prédio, na Praia de Botafogo, que guarda a história do Estado do Rio desde a segunda metade do século 18. Entre os arquivos está boa parte da memória da ditadura, contada por documentos produzidos pelo Dops, órgão encarregado da repressão e tortura.
O arquivo virou notícia essa semana depois que Travancas, diretor nomeado pelo governador Cláudio Castro (PL), denunciou as péssimas condições do prédio e decidiu fechar o arquivo por risco de desabamento e de incêndios. A decisão foi anunciada na terça-feira.
Rubens Paiva
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Em vídeos, Travancas mostrou, por exemplo, rachaduras em uma das colunas, as condições do sistema elétrico e a sala onde ficam os documentos da ditadura militar, entre eles a ficha do prontuário de ex-deputado Rubens Paiva.
“Olha a umidade que está batendo nos arquivos, 81%. Isso vai acabar com o arquivo, o ideal seria 40%”, argumentou em um dos vídeos.
“O arquivo do Dops da ditadura, tá em 90%, vai perecer em menos de 5 anos”, disse Travancas ao RJ2. “Se visitar o prédio hoje, todo o chão do prédio está explodindo. Há rachaduras estruturais em todo o prédio. Se tivéssemos feito isso no Museu Nacional, não teria queimado. Temos que precaver, prevenir, e não colocar as pessoas em risco”, diz ele
A Secretaria da Casa Civil divulgou uma nota afirmando que a decisão de fechar as portas do arquivo público do estado foi tomada de forma unilateral, sem consulta ao governo e sem aval dos órgãos competentes para analisar as condições físicas das edificações. Acrescentou que o prédio não corre risco estrutural e reabriu o arquivo.
O ex-diretor afirma que chegou a chamar a Empresa de Obras Públicas do estado (Emop), o Instituto Estadual de Engenharia e Arquitetura e o Corpo de Bombeiros para avaliar o prédio, mas que nenhum laudo foi emitido.
O prédio passou por obras entre 2022 e 2023, no valor de pouco mais de R$ 2 milhões. Segundo o governo, foram feitas melhorias como colocação de drywall, forro, impermeabilização, pintura, assentamento e polimento dos pisos.
Pouco mais de um ano depois, os pisos estão soltando e há buracos no chão. Na última terça-feira, a Emop informou que não detectou a causa dos problemas no piso do prédio e informou que o órgão não tem profissional especializado para emitir esse laudo, sugerindo contratar uma empresa especializada.
Denúncia de funcionários fantasmas
O RJ2 pediu autorização do governo do estado para entrar no arquivo público e mostrar as condições do prédio, mas a entrada não foi permitida. Mas as condições do prédio não eram os únicos problemas do local, segundo as denúncias de Travancas. O ex-diretor, exonerado do cargo, também denuncia a existência de funcionários fantasmas.
Dos 40 funcionários, ele diz que 26 eram fantasmas. Folhas de ponto divulgadas pelo ex-diretor apontam que alguns nem apareciam para marcar presença.
Victor Travancas diz que comunicou ao secretário da Casa Civil sobre o quadro de funcionários. Ele diz que os funcionários que eram fantasmas eram indicação de deputados que não tinham como ser exonerados.
Asssim como Victor Travancas, a maioria dos funcionários também foi exonerada, no mesmo dia.
Pesquisadores preocupados
Quem se dedica à preservação da nossa história é contra o fechamento do Arquivo Público do Estado.
“É importante que as obras sejam feitas, que o prédio precisa de troca de fiação, ar-condicionado… mas isso não significa fechar as portas”, diz a historiadora e presidente da Associação Nacional de História (RJ), Beatriz Kushnir.
“Não se fecham as portas de uma instituição pública. Quando você faz isso, você coloca a documentação em risco. Não precisávamos ter chegado a esse ponto”, acrescenta.
“Temos documentos da província, das polícias políticas, documentação que chama atenção, para nós, historiadores, é difícil dizer o que é mais importante”, diz a historiadora.
“Você tem uma gama enorme, fotografias sobre os governos do Rio, fundamental para pesquisa. O Arquivo do Rio é um gestor da documentação do estado, é o que decide o que é permanente e o que é eliminado”, explica.
O RJ2 pediu um posicionamento ao governo sobre a denúncia de funcionários fantasmas. A Secretaria de Casa Civil informou que não tem conhecimento da suposta irregularidade, mas vai abrir sindicância para apuração dos fatos.