Três mulheres da mesma família morreram após consumir doce em Torres (RS). Idosa que preparou o alimento comeu duas fatias e segue hospitalizada. Perícia encontrou arsênio em farinha utilizada. Deise Moura dos Anjos, suspeita de envenenar bolo que matou três pessoas no RS
Divulgação
Três mulheres da mesma família morreram após comer um bolo envenenado com arsênio em Torres, no Litoral Norte do RS. A idosa que preparou o alimento comeu duas fatias e segue hospitalizada. A nora dela está presa e é investigada por suspeita de triplo homicídio e de três tentativas de homicídio.
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A fonte da contaminação por arsênio foi a farinha usada para fazer o alimento consumido pelas vítimas no final do ano passado, conforme o IGP.
O g1 teve acesso aos depoimentos prestados à Polícia Civil, obtidos pelos repórteres Adriana Irion e Humberto Trezzi, do jornal Zero Hora, e elaborou uma linha do tempo que retoma a relação entre as vítimas e a suspeita e os principais acontecimentos do caso.
2004: Desentendimento entre nora e sogra
Conforme relato de Deise Moura dos Anjos aos investigadores, ela e o filho de Zeli mantinham uma conta conjunta. A sogra teria pegado o cartão bancário e feito um saque, no valor de R$ 600, sem o conhecimento do casal.
Deise contou que Zeli teria pedido desculpas para ela, porém, “a relação nunca mais foi a mesma, pois não havia mais confiança”.
Depoimentos trazem detalhes sobre mortes por envenenamento em Torres
Agosto de 2024: com o marido e o filho, Deise faz visita a sogra
Na tarde de 31 de agosto do ano passado, Deise afirma que ela e a família foram para Arroio do Sal, pois o filho dela queria ver os avós.
Antes de chegarem ao destino, conforme o depoimento, eles passaram na casa de Zeli, em Canoas, e pegaram produtos de limpeza, flores, leite em pó, ovos, farinha e bananas.
Setembro de 2024: Zeli passa mal, e marido dela morre
No dia 2 de setembro, Zeli e o marido, Paulo, passaram mal. Eles teriam tido o mal-estar depois de tomar café com o leite em pó e comer as bananas trazidas por Deise e o marido.
Zeli e o companheiro foram encaminhados para o Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, de Torres. Paulo morreu na madrugada de 3 de setembro. A certidão de óbito aponta infecção intestinal como um das causas da morte.
Família foi hospitalizada após comer bolo envenenado no RS
Divulgação/Polícia Civil e André Ávila/Agência RBS
Novembro de 2024: Deise pesquisa por veneno na casa de Zeli
Conforme os registros policiais, Deise pesquisou por “veneno para o coração” e “veneno para humanos”, no dia 18 daquele mês, enquanto estava na casa de Zeli. A alegação é que ela queria entender possíveis causas para a morte de Paulo.
“Ora, há fundadas razões, de acordo com as provas coletadas, que Deise foi na residência de Zeli e possivelmente envenenou algum ingrediente que seria utilizado pela Zeli”, diz o delegado responsável pelo caso, Marcos Vinícius Veloso.
Dezembro de 2024: três mulheres morrem após comer o bolo
No dia 23 de dezembro, a família passou mal após comer o bolo levado por Zeli para a confraternização de fim de ano. Após serem hospitalizadas, morreram Maida Berenice Flores da Silva e Neuza Denize Silva dos Anjos, irmãs de Zeli, e Tatiana Denize Silva dos Santos, sobrinha da idosa.
De acordo com a Polícia Civil, Zeli fez o bolo e comeu duas fatias. Ela permanece hospitalizada.
Vítimas do caso do bolo em Torres
Reprodução/RBS TV
Dezembro de 2024: Polícia vai pedir exumação do corpo de Paulo
Após o caso, a Polícia Civil informou que vai pedir a exumação do corpo do ex-marido de Zeli. A morte de Paulo não foi investigada, inicialmente, por não ter sido tratada como crime.
“Como tivemos ciência hoje desse fato, instauramos um inquérito policial e vamos exumar o corpo deste senhor para verificar se houve envenenamento também”, explicou o delegado Marcos Vinícius Veloso à época.
Dezembro de 2024: Arsênio é encontrado em sangue de vítima
No dia 27, os resultados das primeiras análises laboratoriais, coletadas pelo Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, indicaram presença de arsênio no sangue de uma das vítimas e dos dois sobreviventes (Zeli e o sobrinho-neto dela, filho de Tatiana).
“O próprio hospital levou o material para o Centro de Informação Toxicológica. Nesse centro, foi constatado arsênio no sangue de duas vítimas que sobreviveram, que estão no hospital ainda, e de uma mulher que morreu, a dona Neuza”, explicou o delegado Marcos Vinícius.
Deise, à esquerda, e Zeli, à direita, em evento familiar em 2021
Arquivo Pessoal
Janeiro de 2025: Criança que comeu bolo recebe alta
A criança de 10 anos que comeu o bolo com a família em Torres recebeu alta do Hospital Nossa Senhora dos Navegantes no dia 3 deste mês. O menino estava internado desde a véspera do Natal e chegou a ficar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
A criança perdeu a mãe, Tatiana Denize Silva dos Anjos, a avó, Neuza Denize Silva dos Anjos, e a tia-avó e madrinha, Maida Berenice Flores da Silva.
Janeiro de 2025: Deise é presa por suspeita de envenenamento
A nora de Zeli foi presa no domingo (5) por suspeita de envenenar o bolo. Deise Moura dos Anjos foi conduzida para a Delegacia de Polícia e está recolhida no Presídio Estadual Feminino de Torres.
Segundo a polícia, a mulher teve prisão temporária decretada por suspeita de triplo homicídio duplamente qualificado por motivo fútil e com emprego de veneno e três tentativas de homicídio duplamente qualificado.
Deise passou por audiência de custódia, e a Justiça decidiu que ela permanecerá presa por 30 dias.
IGP encontrou 65 gramas de arsênio em farinha usada em bolo no RS
Reprodução/TV Globo
Janeiro de 2025: Arsênio em farinha causou mortes, diz IGP
A Polícia Civil e o Instituto-Geral de Perícias (IGP) confirmaram, em entrevista coletiva na segunda-feira (6), que envenenamento por arsênio foi a causa das mortes das três pessoas após comerem o bolo.
De acordo com Marguet Mittman, diretora do IGP, a fonte da contaminação foi a farinha usada para fazer o doce consumido pelas vítimas.
“Foram identificadas concentrações altíssimas de arsênio nas três vítimas, tão elevadas que são tóxicas e letais. Para se ter ideia, 35 microgramas já são suficientes para causar a morte de uma pessoa. Em uma das vítimas, havia concentração 350 vezes maior”, diz Marguet.
Coletiva de imprensa do caso do bolo envenenado em Torres
Vítor Rosa/RBS TV
O que é arsênio
IGP detalha análises que identificaram arsênio no bolo
Conforme André Valle de Bairros, professor de Toxicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o arsênio é o elemento químico, enquanto arsênico é denominado para o composto trióxido de arsênio.
“O arsênico trata-se da forma mais tóxica. A partir de 100 mg é possível a morte de um indivíduo adulto. Geralmente, o arsênico está na forma de pó e não tem cheiro ou gosto. Apesar de ter sido usado como raticida, esta droga pode ser empregada para fins de tratamento oncológico em pacientes com leucemia promielocítica aguda e é comercializada como Trisenox”, explica o especialista.
Bairros assinala que arsênico é proibido de ser comercializado no Brasil como raticida e o uso como agente quimioterápico é restrito.
“O arsênio é um elemento de alta toxicidade conhecida pela humanidade e sempre houve um certo temor. Há locais no globo terrestre ricos em arsênio, e isso contamina fontes de água. Mas é algo que precisa ser muito investigado. Há literatura científica, e de fato, há essa contaminação em leite, carne e frutas, porém, o fato de estar expostos a concentrações maiores de arsênio não significa necessariamente uma intoxicação”, acrescenta.
Nota da defesa de Deise
O escritório Cassyus Pontes Advocacia representa a defesa de Deise Moura dos Anjos no inquérito em andamento sobre o fato do Bolo, na Comarca de Torres, tendo sido decretada no domingo a prisão temporária da investigada.
Todavia, até o momento, mesmo com o pedido da Defesa deferido pelo judiciário, ainda não houve o acesso ao inquérito judicial.
A família, desde o início, colabora da investigação, inclusive o com depoimento de Deise em delegacia, anterior ao decreto prisional.
Cumpre salientar, que as prisões temporárias possuem caráter investigativo, de coleta de provas, logo ainda restam diversos questionamentos e respostas em aberto neste caso, os quais não foram definidos ou esclarecidos no inquérito.
VÍDEOS: Tudo sobre o RS
O delegado Marcus Vinícius Veloso