Com falta de assistência e apoio financeiro, família teme não conseguir construir imóvel no tempo limite em Sorocaba (SP). Família que recebeu lote social da prefeitura de Sorocaba (SP)
Gabriela Almeida/g1
Em julho de 2022, a família de Manoel Teodorak comemorava por ser uma das 32 a ganhar um terreno no bairro Vitória Régia, zona norte de Sorocaba (SP) após um sorteio realizado pela prefeitura. Em maio deste ano, os lotes foram entregues, mas o que era para significar um recomeço, passou a ser um pesadelo para ele, sua esposa e os dois filhos.
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O g1 foi até os terrenos doados pela prefeitura, localizados nas ruas Antonio Silva Saladino, Orsélio Pereira e José Martinez Peres. No local, é possível ver algumas construções mais avançadas, outros lotes ainda sendo demarcados, e obras que sequer começaram (entenda mais sobre o programa Lotes Sociais abaixo).
Alguns lotes estão apenas com a área demarcada e construções não foram iniciadas
Gabriela Almeida/g1
No meio do terreno, a reportagem encontrou Manoel, de 53 anos, usando uma enxada como bengala para se sustentar, enquanto a esposa, Laila Teodorak, limpava o terreno. Além deles, estava o filho do casal, Gael, de três anos, que brincava com a areia da obra.
O prazo dado pela prefeitura para a construção no terreno é de um ano, mas, pode ser prorrogado por mais 12 meses. O tempo, no entanto, passou a ser uma incógnita para a família.
“Eu não tenho prazo pra falar pra você. Se eu não receber uma ajuda de alguém pra me fazer uma doação de material, mão de obra, não sei quando termina, não”, inicia o morador.
Manoel é diagnosticado com a doença de Behçet, uma inflamação dos vasos sanguíneos sistêmica e que, segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia, não possui um exame de laboratório que determine o diagnóstico. Em pouco tempo, ele foi demitido, perdeu completamente a visão e passou a depender da esposa para realizar as tarefas em casa.
Família que recebeu lote social da prefeitura de Sorocaba (SP)
Gabriela Almeida/g1
Laila também perdeu o emprego e, após um acidente enquanto fazia a limpeza de uma casa para ter uma renda extra, teve a mobilidade de um dos braços prejudicada. Ela ainda alega que não tem acesso à um tratamento que a ajude a se recuperar.
A família sobrevive com um auxílio-moradia no valor de R$ 1 mil e com um salário mínimo que Manoel recebe pelo Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência. Além das contas de casa, ele precisa pagar pelos remédios que ajudam no tratamento para a doença.
“Ela [a doença] está me ‘estourando’ todo. Já estourou meus olhos, meu intestino e está estourando o meu cérebro. Eu vou ter que usar aparelho porque desse ouvido eu não escuto, eu tenho 20% de um ouvido e tenho 40 de outro, então eu vou ter que usar aparelho. Meu cérebro já está cheio de vaso sanguíneo aberto, está muito complicado. Os remédios que eu tomo é tudo caro”, lamenta.
Como não tem recursos financeiros para contratar um pedreiro que trabalhe semanalmente nas obras, a construção é feita pelas mãos dos dois. Sem enxergar, para carregar um carrinho de mão com materiais de construção, ele é guiado pela voz da companheira.
Família que recebeu lote social da prefeitura de Sorocaba (SP)
Gabriela Almeida/g1
Os materiais são fruto de doações de amigos e familiares, e o dinheiro que sobra no fim do mês é o suficiente apenas para pagar um profissional para ajudar nas obras em um dia do fim de semana. Além disso, o casal precisa lidar com outros problemas: perdeu um benefício federal ao qual o filho Gael recebia.
“Nós moramos no auxílio-aluguel por enquanto, mas é ruim porque tem uma cláusula no contrato que não é pra gente pintar a casa. O proprietário já assinou o contrato sabendo disso. Nós moramos cinco anos na mesma casa. Agora você me responde uma coisa: você usa um aparelho celular por cinco anos. Ele fica do mesmo jeito quando você for me entregar?”, questiona.
A casa onde Manoel diz que morou por cinco anos fica na Vila Barão e estava, segundo ele, em uma área de ocupação irregular, informação que a família não recebeu no momento da compra. Meia década depois, a família foi despejada do local.
“Se a gente for ver, lá na Vila Barão estava melhor do que ter que recomeçar. Muito melhor. Já estava dentro de casa. Lá estava nascendo nosso banheirinho. Nós tínhamos tudo organizadinho, nosso quarto, o quarto da menina…”, diz.
Família que tenta construir cada em área doada morava em área de risco, na Vila Barão, na zona oeste de Sorocaba (SP)
Gabriela Almeida/g1
Ao g1, Manoel afirmou que a iluminação nos arredores do terreno é precária e que é preciso arcar sozinho com a alimentação e bebidas enquanto trabalha no local, e que não foi contatado em momento algum pela prefeitura para ter qualquer tipo de ajuda na construção do terreno.
“Poste de luz eles não deram, água eles não deram pra gente fazer [a construção]. Está muito difícil. Não tem como”, desabafa.
“Não tem como [arcar com os custos]. A gente não tem nem feira pra comer, então vai ter pra construir?”, completa.
Problemas no terreno
Imagem mostra Rua Francisco Siedler, no Vitória Régia, em Sorocaba (SP), alagada em 2017, terreno foi doado pra moradores de baixa renda
Jornal Z Norte/Reprodução
No local, o problema com alagamento é antigo. Em uma das situação, de 2016, 80 famílias do bairro foram atingidas. Em 2017, o problema foi maior, com quase 90 casas afetadas. No mesmo ano, registros mostram que parte da área doada pela Prefeitura de Sorocaba alagou, conforme vídeo de 1º de fevereiro.
A situação, conforme os moradores do bairro, ocorre quando a quantidade de chuva é maior e por períodos prolongados, como os registrados em 2016 e em 2023. Sempre que isso ocorreu, há pontos de alagamentos também na Rua Francisco Siedler, onde está uma das quadras em que estão parte dos terrenos doados pela prefeitura.
Os moradores contam que, geralmente, mesmo com chuvas menos intensas, as ruas José Martinez Peres, Antônio Silva Saladino e Orsélio Pereira, no trecho mais próximo do Rio Sorocaba, geralmente, ficam interditadas para o trânsito. Mesmo que a parte mais acima das vias não sejam alagada, algumas quadras sofrem no período da chuva, com a mobilidade e até o retorno de esgoto em suas residências.
Ruas aos arredores de terreno onde lotes sociais foram doados costumam alagar com chuvas fortes
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Em janeiro deste ano, os arredores do local foram tomados pelas águas após as chuvas no município.
Sobre os problemas com as chuvas, a prefeitura informou que não há registro de alagamento no terreno público doado às famílias, mesmo com o registro de 2016.
Disse ainda que a área em questão é fruto de fruto de regularização fundiária e está estruturada com parque, creche, Unidade Básica de Saúde, oferta de transporte coletivo e sistema de esgoto, e está próxima do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do bairro, “que não passa por esses problemas em períodos de chuvas fortes.”
O programa
Segundo a prefeitura, o programa Lotes Sociais beneficiou 32 famílias que foram removidas de área de risco da antiga rua 51, na Vila Barão, entre 2017 e 2018, e que recebem o auxílio-moradia, ou “aluguel social”, desde então.
O Poder Público afirma que o o programa social busca encaminhar famílias em situação de vulnerabilidade social para receberem gratuitamente terrenos públicos “com toda a infraestrutura necessária, como água potável, saneamento básico, iluminação, dentre outros serviços, além de auxiliá-las na execução de moradias, inclusive com protótipos de plantas sociais, que vão variar conforme o perfil de cada família, para que elas já tenham uma base de edificação para ser construída.”
O programa tem como base uma lei aprovada pela câmara em 2022. Uma das determinações da lei é que o beneficiário tem 12 meses a partir da assinatura do contrato de doação e da transferência da titulação do imóvel, para construir e ocupar o terreno. O prazo pode ser prorrogado por igual período, Caso isso não ocorra, a pessoa será obrigada a devolver o lote.
Ele ainda é obrigado a contratar, de forma particular, um profissional apto para emitir Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) ou documento de igual validade, para a execução do projeto e acompanhamento da obra.
Ainda conforme a lei, os recursos financeiros para a construção das residência e para custas cartoriais serão de responsabilidade do munícipe beneficiário do lote social. Eles também não estão isentos de IPTU.
Demais problemas
Sobre a situação de Laila, que fraturou o braço enquanto trabalhava e alega não ter recebido o tratamento necessário, a Secretaria da Saúde (SES) informou que contatou a família e agendou a ida dos mesmos até a Unidade Básica de Saúde (UBS) Rodrigo nesta sexta-feira (2) para saber mais detalhes e dar o auxílio necessário.
Questionada sobre o que aconteceria caso as famílias não cumprissem com o prazo para entregar as casas no tempo regulamentar de 12 meses, mesmo com a prorrogação do prazo por mais um ano, a prefeitura não respondeu, mas informou que ao longo destes meses as famílias continuam recebendo o auxílio-moradia.
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