Anicet Okinga utiliza datas comemorativas de outras nações para comparar e explicar a importância do 20 de novembro para a história do povo brasileiro. Zumbi dos Palmares
Antônio Parreiras/Domínio Público
O 20 de novembro de 2024 é pela primeira vez na história feriado em todo território brasileiro. O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra representa valorização da cultura e da história do povo preto no país, mas também marca uma passagem no tempo, de acordo com a avaliação do pesquisador Anicet Okinga.
Membro do Comitê Estratégico de Gênero, Diversidade e Inclusão (CEGDI) do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Okinga utiliza datas que rememoram episódios históricos em outras nações para ressaltar a importância do 20 de novembro ao povo brasileiro.
O pesquisador costuma citar a Páscoa em suas palestras e aulas para facilitar o entendimento da explicação.
A Páscoa para os judeus significa celebrar a partida dos hebreus para a terra prometida, saindo do Egito, onde eram mantidos em escravidão há cerca de 3.300 anos, de acordo com os registros da Torá, o livro sagrado do judaísmo. Já para os cristãos, a Páscoa celebra a ressurreição de Jesus, que morreu e reviveu para livrar a humanidade dos pecados, segundo os evangelhos bíblicos.
“Os judeus continuam praticando esse memorial há mais de três mil anos. Eles têm que relembrar que um dia foram escravizados. Quando nós olhamos também para Páscoa Cristã, entendemos uma nova aliança. A morte de Jesus representa a libertação do cristão do pecado para uma nova vida. É exatamente isso que acontece com o Dia da Consciência Negra. A data relembra ao negro brasileiro atual e também à sociedade inteira que nós estivemos na escravidão, que também passamos por um processo de libertação e que agora estamos olhando para o futuro, para o mundo melhor”, explica o pesquisador para o G1.
Páscoa é uma palavra de origem hebraica, que significa ‘passagem’.
Entendendo que a maior parte da população brasileira é cristã, Okinga viu na celebração uma forma de acabar com os debates infundados em cima do 20/11.
“Eu costumo dizer que as pessoas precisam compreender o que significa essa data de maneira um pouco diferente. Como é que eu posso levar as pessoas ao entendimento do é o Dia da Consciência Negra? Desde o período colonial, nós somos um país de valores católicos impostos. Então eu entendi que as pessoas poderiam compreender (o 20 de novembro) a partir do comparativo daquilo que está na Bíblia”, disse.
Anicet Okinga destacou que o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra poderia “facilmente ter outra expressão, como por exemplo holocausto negro ou de repente Páscoa Negra”, mas são seria contemporâneo e não representaria adequadamente o contexto da população negra no Brasil.
“Até porque holocausto tem toda relação com o que povo judeu sofreu, e a Páscoa tem relação com festas religiosas. Agora, o Dia da Consciência Negra é uma expressão em que a gente chama atenção para o hoje, na nossa contemporaneidade, para o que acontece agora”, contou.
De acordo com o pesquisador, a população negra do Brasil nunca deixou de sofrer com o “racismo sistêmico”, mesmo após a publicação de Lei Áurea, em 1988.
Alguns destes reflexos na sociedade brasileira
Proporção de pretos e pardos entre os pobres chega ao dobro em relação aos brancos
A cada dez pessoas assassinadas do Brasil, três são negras
Desemprego é maior entre pretos e pardos do que entre brancos
Trabalhadores pretos ganham 40,2% menos do que brancos por hora trabalhada
Negros ocupam só 0,4% dos cargos de diretoria, mostra levantamento
“Ao sair (da escravidão) de 1888, o negro foi marginalizado. A ele não foi dada uma terra, não foi dado o trabalho e não houve um programa de ressocialização, de inclusão do negro na sociedade brasileira. Ele simplesmente foi afastado. Ainda criaram um código criminal penal que simplesmente vai impedir essas pessoas de avançarem. Por exemplo, se ela (a pessoa negra) estivesse fazendo capoeira, era presa. Se tivesse a sua própria religião, presa. Se estivesse sem documento, lei da vadiagem, era presa também no mínimo seis meses. Foram estruturando de maneira subjetiva a marginalização do negro. E ainda havia leis que beneficiavam quem escravizou. Os filhos de fazendeiros, por exemplo, podiam estudar na universidade rural. Isso tudo vai nos levar a situação que nós estamos. O negro não está nos espaços de poder como o branco aqui no Brasil”.
Anicet Okinga é brasileiro naturalizado desde 2013. Ele chegou no país em 1996 vindo do Gabão, na África Central.
Anicet Okinga é membro do Comitê Estratégico de Gênero, Diversidade e Inclusão do INPI
Arquivo pessoal
Feriado nacional
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou no final de 2023 o projeto de lei, aprovado na Câmara dos Deputados, que torna o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra feriado em todo o Brasil.
A data, celebrada em 20 de novembro, marca a morte do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, no século XVII.
É também um dia para conscientização sobre a cultura negra e a luta por cumprimento dos direitos da população negra no Brasil.
Anteriormente, a data já era reconhecida como feriado em seis estados e em aproximadamente 1,2 mil cidades. Por exemplo, os estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo e a cidade de Boa Vista, em Roraima.
Em BH
A data se tornou feriado municipal em Belo Horizonte em abril de 2024, ou seja, cerca de quatro meses depois de já ter se tornado feriado nacional.
Na capital mineira, o 20 de novembro recebeu o reconhecimento pelo Projeto de Lei (PL) 11.397, de 2022, de autoria dos vereadores Iza Lourença (PSOL) e Wagner Ferreira (PV), aprovado pela Câmara Municipal e sancionado pelo prefeito Fuad Noman (PSD).
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