4 de janeiro de 2025

Dia Internacional da Mulher: o que as mulheres do século passado não podiam fazer?

Para celebrar o Dia Internacional das Mulheres, o g1 conversou com mulheres acima de 70 anos, moradoras de Sorocaba (SP), que contam histórias de um passado de luta por direitos e comentam as mudanças que o mundo sofreu. Mulheres com mais de 70 anos relembraram infância e juventude em um ‘outro’ Brasil
Arte/g1
“Antes de julgar a minha vida, calce os meus sapatos e percorra o caminho que percorri”, a frase de autor desconhecido ajuda a resumir histórias de mulheres que viveram em um mundo diferente do atual.
Para celebrar este 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o g1 conversou com mulheres acima dos 70 anos, moradoras de Sorocaba (SP), que relataram como foi crescer em uma sociedade com poucas garantias de direitos ao sexo feminino e qual o legado elas constroem para as futuras gerações.
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Mafalda Siedlarczyk, nascida em 2 de julho de 1935 e a penúltima de 10 irmãos de uma família polonesa, recebeu o nome em homenagem à Santa Mafalda. Hoje, aos 88 anos, ela relembra com muita alegria uma das maiores conquistas da juventude: comprar a primeira calça.
“Mulher que usava calça comprida era mal vista. Tinha que usar saia. Aí quando eu consegui um ‘dinheirinho’ em um emprego, eu comprei minha primeira calça e desde lá nunca mais voltei a usar saia. Isso foi na década de 70. Foi uma libertação”, relembra Mafalda
Mafalda Siedlarczyk na juventude. Idosa relembra quando comprou a primeira calça, que se tornou peça principal em seu guarda-roupa
Larissa Pandori/g1
Da conquista da primeira calça ao desafio de se divorciar na década de 1970. Com cinco filhos, alguns ainda que ainda moravam com ela, Mafalda decidiu pelo divórcio em 1978.
“Ainda casada, compramos uma casa. Mas quando nos separamos eu tive que assumir as contas da casa sozinha. Na época, fiz um teste para trabalhar como costureira em uma fábrica. A dona adorou meu trabalho, mas ser mãe dificultava conseguir serviço”, conta.
A dificuldade para conseguir trabalho registrado, quando se mudou para Sorocaba, no interior de São Paulo, fez com Mafalda buscasse empregos informais.
“Eu ficava até tarde passando roupa na casa dos outros e chegava tarde em casa. Os vizinhos comentavam que eu saía ‘vagabundear’, sendo que eu estava trabalhando para pagar minha casa. Mas eu nunca liguei, não devia satisfação a ninguém”, finaliza Mafalda.
Mafalda Siedlarczyk, nascida em 1935, é filha de uma imigrante polonesa. Mulher relembra dificuldades e conquistas.
Larissa Pandori/g1
Viver com tecnologia
Quem também relembra o divórcio que enfrentou na década de 1980 é Íris Maria Alves, de 73 anos, também moradora de Sorocaba.
“Criei meus filhos sozinhas. Precisei conciliar a criação dos filhos, trabalho de casa e trabalho fora. Não tinha muita ajuda, creches, espaços de lazer as crianças. Mas dei conta, graças a Deus”.
Os filhos atualmente moram longe e para estar perto deles, Íris conta com algo que não existia na sua juventude: a internet.
“Uso pra falar com eles, para fazer cursos, atividades. E sou curiosa. Tudo que meus filhos sabem fazer no celular eu peço pra me ensinarem. Mas tenho um pouco de pena da geração atual, pois a internet mexe muito com a forma como nos relacionamos. Falta atenção, falta carinho às vezes”, conta Íris.
Íris Maria Alves, de 73 anos, está conectada à internet e enxerga mudanças no mundo a partir da tecnologia
Larissa Pandori/g1
Corrida na terceira idade
Aos 81 anos, Darci Helena Kobaychi ostenta uma vasta coleção de medalhas e troféus das corridas que participa. O esporte entrou na vida dela já na terceira idade, por volta dos 65 anos.
“Precisei trabalhar muito nova, com 12 anos já tinha muita responsabilidade para lidar. Não dava para praticar exportes, ter um hobby que fosse. Depois que me aposentei, pude dedicar meu tempo para fazer algo que eu gosto”, relembra Darci.
Darci Helena Kobaychi se tornou corredora na terceira idade e coleciona medalhas e troféus
Arquivo Pessoal
Preocupada com a saúde e bem estar, Darci não esquece de “manter o brilho” e, por isso, está sempre bem vestida e maquiada
“Envelhecer sendo mulher não é fácil, mas com saúde a gente tenta enfrentar os preconceitos. Por isso gosto da corrida, pois lá não tem isso. Somos tratados todos iguais e o pessoal até me coloca como exemplo por correr aos 80 anos”, destaca.
Em casa, Darci Kobaychi exibe com orgulho troféus conquistas nas corridas que a idosa participou
Arquivo Pessoal
Formar a filha
Em maio, Astrid Cemarch Stefanelli completa 88 anos. Nessa longa trajetória, a idosa teve de conviver em um mundo desigual e injusto, dentro da própria família. “Hoje eu penso que eu podia ter estudado, sabe? Mas meu pai era ignorante quanto à isso e não deixava as filhas estudarem. Só os meninos podiam”.
“Mas eu falava: se um dia eu me casar e tiver filhos, vou priorizar o estudo deles”, relembra.
Objetivo que Astrid alcançou. A filha mais velha é advogada aposentada e o filho caçula é engenheiro aposentado.
“Não estudei, mas eu leio bastante. Vejo que hoje as mulheres têm mais oportunidades e fico feliz por isso. Pela minha filha que pôde estudar, ter seu diploma”, celebra.
Astrid Cemarch Stefanelli com a filha Maria Luiza, em chácara que oferece convivência para pessoas idosas
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Infância na roça e sonho profissional
Maria do Carmo Silva tem quatro irmãs. A infância foi vivida na roça, pois precisava trabalhar para ajudar a família. Como não havia filhos homens, Maria conta que ela e as irmãs faziam todo o trabalho à pedido do pai. Os estudos não foram concluídos, já que na época a prioridade era outra.
“Quando eu me casei de novo, depois de ficar viúva, eu quis estudar. Tinha feito só até o quarto ano. E aí falei pro meu esposo e ele não quis, dizia que eu já estava velha para começar a estudar de novo. Mas eu só tinha 28 anos”, relembra Maria.
Se pudesse, teria se formado em serviço social “Meu sonho era ter sido assistente social. Mas meus filhos e meus netos estudaram. Isso já é motivo de orgulho.”
Maria do Carmo relembra infância na roça e sonho por formação profissional
Larissa Pandori/g1
Desquite e sonho de ser mãe
Val Camargo foi registrada em 1945, mas sabe que nasceu pelo menos cinco anos antes. Devido à incerteza, considera a data de registro, e por isso, afirma: tem 78 anos. Idade o suficiente para ter vivido muitas vidas em uma só.
“Fui casada, fui desquitada, fui divorciada, fui viúva. Mas sempre fui e sempre serei mãe.”
Val se divorciou na década de 1970, pouco tempo antes da Lei do Divórcio entrar em vigor, em dezembro de 1977. Antes disso, o termo usado para a separação era desquite, em que o casal tinha permissão para se separar e partilhar bens, mas não podia se casar novamente.
“Não foi um casamento fácil e nem um divórcio fácil. Nunca deu certo. Eu queria muito ser mãe, mas achava que não podia. Me chamavam de bananeira que não dava cacho”.
Arquivo N: Os 40 anos da lei do divórcio
Val adotou duas crianças quando ainda morava no Mato Grosso. Ela conta que não pôde contar com a ajuda do marido da época, que não queria que a mulher fosse mãe. Logo depois da separação, a idosa enfrentou uma doença grave.
“No final do meu primeiro casamento, tive leucemia. Quase morri. Me tratei, mas depois de um tempo achei que a doença havia voltado. E aí fui ao médico e descobri que estava grávida. Aos 40 anos. Isso mudou tudo pra mim. Saber que eu podia engravidar fez eu me sentir mais dona do meu nariz”, lembra.
Com um sonho realizado e mãe de quatro filhos, Val se recorda que não haviam muitas áreas de trabalho sendo ocupadas por mulheres. Para sustentar a família, fazia faxinas e usava a criatividade.
“Tinha que se virar. Quando eu ia na casa da pessoa fazer faxina, eu via que ela não tinha enxoval ou o que tinha estava velho. Depois, comprava e levava para vender pra pessoa. Já sabia que ela não tinha, então era mais fácil a venda. Dava certo”, conta.
Com estratégias, objetivos e por necessidade, Val ressalta que fez tudo sozinha.
“Nunca prestei atenção no que falavam de mim. Não dependi de nenhum homem que passou pela minha vida. E aconselho todas as mulheres a fazerem o mesmo”, orienta, com sabedoria, Val.
Val Camargo relembra dificuldades para engravidar, separações vividas e sonho de ser mãe
Larissa Pandori/g1
Amizade entre mulheres
A união feminina é celebrada pela Neide Sobrinho Braga, de 78 anos. É por meio dela que a idosa enxerga que muitas mudanças foram possíveis.
“Eu acho que elas [mulheres jovens] estão ganhando lugar e sendo reconhecidas. Mas precisa de união, isso tem força. Não adianta gritar sozinha. Quando você se une com outras mulheres, elas te ajudam, te dão força quando você está mais fraquinha. Amizade entre mulheres nos estrutura”.
Neide Sobrinho Braga acredita que a união feminina é essencial para tornar a sociedade melhor para as mulheres
Larissa Pandori/g1
População mais idosa e mais feminina
O Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou um Brasil envelhecido e mais feminino.
A idade mediana do brasileiro passou de 29 anos (em 2010) para 35 anos (em 2022). Isso significa que metade da população tem até 35 anos, e a outra metade é mais velha que isso. Foi o maior salto de envelhecimento entre dois censos desde 1940.
Em 2010, para cada 30 idosos – com 65 anos ou mais -, o país tinha 100 jovens de até 14 anos. Agora, são 55 idosos a cada 100 jovens.
O Censo 2022 também apontou que a população feminina está aumentando de forma constante no país nas últimas décadas. Atualmente, as mulheres são 51,5% dos 203 milhões de brasileiros. Há cerca de 104,5 milhões de mulheres e 98,5 milhões de homens – uma diferença de 6 milhões.
A partir dos dados do Censo, o g1 fez um comparativo do número de mulheres e homens em cada década.
Desde a década de 40, a população feminina acima dos 70 anos é maior que a masculina da mesma faixa etária. O último levantamento do Censo mostra que o número de mulheres é quase o dobro do número de homens na faixa etária de 85 a 94 anos. Já de 95 a 100 anos, a população feminina é mais que o dobro da masculina.
O que as mulheres do século passado não podiam fazer?
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