Nesta quinta-feira (7), 21 PMs foram presos por extorsão durante a Operação Segreto da Corregedoria da Polícia Militar e do MPRJ. Diálogos entre os suspeitos foram gravados e incluídos na denúncia contra eles. Diálogos gravados entre PMs e comerciantes de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, indicam a existência de uma competição entre diferentes grupos de policiais pelo dinheiro pago de forma ilegal por comerciantes da região. O pagamento é conhecido como ‘arrêgo’.
As gravações fazem parte da denúncia contra 22 policiais militares investigados por extorsão na Operação Segreto, da Corregedoria da Polícia Militar e do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). A ação dos órgãos de investigação prendeu 21 PMs nesta quinta-feira (7). Um policial ainda está foragido.
Segundo os promotores, homens que então serviam no 20º BPM (Mesquita) faziam um “tour da propina” em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense — e além de dinheiro, recolhiam cerveja e até frutas. A denúncia afirma ter identificado o recolhimento de valores em 54 estabelecimentos.
Disputa interna pelo ‘arrêgo’
Os investigadores incluíram na denúncia contra os PMs vários diálogos gravados pelas câmeras corporais utilizadas por eles. A TV Globo e o g1 tiveram acesso as conversas. Em vários momentos, os policiais falam sobre a arrecadação de propina como algo habitual.
Em um dos diálogos gravados, dois PMs estão negociando o recebimento de propina com um homem em um depósito de bebidas.
O homem se confunde em relação à qual viatura e grupo de policiais deveria pagar. A conversa evidencia a competição entre diferentes grupos de policiais para a arrecadação de propina na região.
Sargento 1: “Fala amiguinho, e aí como é que está, tudo bom?”
Sargento 2: “Tem como ajudar a gente hoje?”
Comerciante: “Pode ser um churrasco hoje?”
Sargento 2: “Vamos tentar, as vezes não dá tempo”.
Em um trecho descrito como inaudível na denúncia, um dos PMs pergunta sobre a propina. Ao ouvir que outro policial já tinha recebido, ele questiona como era a viatura do colega de farda que pegou o dinheiro.
Sargento 1: “Era essa viatura assim ou não? (mostra o para-brisa para o comerciante)”.
Comerciante: “Era assim, mas estava escrito Miguel Couto”.
Sargento 2: “É o (cita o nome de outro PM)”.
Sargento 1: “Não dá, não”, diz o PM, orientando o trabalhador a não dar o dinheiro para outro grupo de policiais.
Comerciante: “Foi um branquinho, careca”.
Sargento 2: “Sei quem é, sei quem é. É o de Miguel Couto”.
Sargento 1: “Aqui é a gente (mostra o para-brisa com o nome da guarnição para o comerciante)”.
Logo após deixar o local, supostamente sem receber a propina esperada, os PMs ficam indignados com a presença de policiais de outra guarnição pegando dinheiro de comerciantes no local.
Sargento 2: “Os moleques de setor, te falei, bebe muito”.
Sargento 1: “O cara tá vindo de Miguel Couto pra cá, cara”.
Confusão na hora do pagamento
Em outro trecho da denúncia, os investigadores se espantaram com a confusão para definir quem deveria receber o pagamento feito por uma funcionária de um Centro de Reciclagem.
Ao saber que outro grupo recebeu os valores combinados, o PM investigado responde: “A gente que é o setor”, sugerindo ser o grupo correto para receber o pagamento.
Comerciante: “Bom dia. O setor já passou tá”.
Policial: “Bom dia. A gente que é o setor”.
Comerciante: “Mas esse setor aí é o da onde?”.
Policial: “Daqui”.
Policial: “Cadê o rapaz que estava aí?”.
Comerciante: “Aquele escuro?”.
Policial: “Sim”.
Comerciante: “Tá na rua, a serviço, pegando material”.
Policial: “Tá bom então”.
Comerciante: “Vão com Deus”.
PM conta como não ser pego
Um dos PMs investigados na operação da Corregedoria da Polícia Militar foi gravado ensinando para um colega que estava na mesma viatura qual deve ser a estratégia utilizada para não ser pego pela corregedoria da corporação.
“(…) Pra mim cobrar alguém eu tenho que andar certo. Pra mim falar que eu vou usar câmera, eu tenho que tá certo, ciente que não tô cometendo nenhum crime, entendeu”, diz um sargento mais experiente dentro da viatura.
Percebendo que o colega poderia falar alguma coisa irregular, o outro sargento que estava no veículo faz o alerta: “Não tem que estar falando isso”.
Corregedoria da PM e Ministério Público prendem PMs por extorsão
Tranquilo quanto a sua impunidade, o sargento que abriu o diálogo insiste em ensinar seus “truques”.
“Por isso que eu to usando câmera. Eu não tô cometendo nenhum crime. O dia que eu for cometer um crime eu não vou usar câmera. Que idiotice”, afirmou.
Ainda preocupado com a exposição e sabendo que estava sendo gravado, o colega volta a tentar se proteger de possíveis irregularidades.
“Nem vai estar de serviço com o sargento **** (cita o próprio nome). O sargento **** não iria permitir isso”.
O diálogo segue:
Sargento 1: “Eu vou usar câmera sempre que eu não tiver cometendo crime. Vou usar, vou trocar a câmera sempre que eu não tiver cometendo crime”.
Sargento 2: “Tá enfatizando muito isso”
Sargento 1: “É pra eles que eu tô falando. Tem que saber essa p*, que a gente não é idiota. Acha que o policial é idiota”.
Sargento 1: “Eles podem até parar de ficar me olhando, que não adianta. Eu não vou cometer crime com eles me olhando”.
Em determinado momento da conversa, o sargento menos preocupado comenta como ele imagina que é o monitoramento da corregedoria nas câmeras corporais dos policiais. Para o PM, os fiscais não conseguem ver todas as câmeras ao mesmo tempo e que ele só seria pego se desse “o azar da câmera te ver na hora errada”.
Sargento 1: “Esse negócio aí, que ficam olhando lá no monitor, eles olham por amostragem po. Não tem como olhar 50 mil. Vamos botar, 20 polícia, 10 mil. Não tem como olhar 10 mil polícia”.
Sargento 2: “O foco estava sendo Zona Sul, até porque as pessoas de maior poder aquisitivo estão lá. Só que agora eles abriram mais o leque para a Baixada e Niterói”.
Sargento 1: “Mas não tem como olhar todo mundo. É olhar por amostragem. ‘Vamos lá olhar o (cita o próprio nome) que tá bacana’. Olha aí três minutos e olha outro polícia”.
Sargento 1: “O f* é quando alguém dá o azar, esse é que o problema. Dá o azar da câmera te ver na hora errada. Não vão botar uma tropa, botar 10 mil polícia para olhar 10 mil polícia”.
Segundo a denúncia, os policiais envolvidos nesses diálogos são suspeitos de ter praticado os crimes de corrupção passiva, recusa de obediência e associação criminosa.
‘Tour da propina’ na Baixada Fluminense
A investigação contra os PMs envolvidos no ‘tour da propina’ na Baixada Fluminense após a suspeita de irregularidades praticadas pelos PMs na região.
“Diante dos primeiros indícios, a Delegacia de Polícia Judiciária Militar passou a realizar o monitoramento de agentes e conseguiu verificar não só que várias guarnições do referido batalhão [20º BPM] praticavam o crime, recolhendo valores do estabelecimento, mas, de fato, repetiam a mesma conduta em vários outros comércios de naturezas diversas”, descreveu o MPRJ.
Nesta terça-feira (7), 21 PMs foram presos por extorsão durante a Operação Segreto da Corregedoria da Polícia Militar e do MPRJ
Reprodução TV Globo
Segundo os investigadores, o procedimento criminoso era executado da mesma forma, sempre às sextas-feiras: os policiais denunciados paravam brevemente a viatura nos estabelecimentos, alguém se aproximava e entregava as quantias; ou um dos policiais desembarcava e entrava no comércio, permanecendo poucos minutos antes de retornar à viatura e sair.
Em geral, eram estabelecimentos de reciclagem e ferros-velhos, mas também distribuidoras de gás e lojas de construção. Além de dinheiro em espécie, a investigação flagrou os policiais recolhendo engradados de cerveja em depósitos e frutas em um hortifrúti.