Legislações federal e de MG, que preveem oferta gratuita de absorventes, foram regulamentadas em 8 de março de 2023. Especialistas defendem que programas sejam menos burocráticos e mais inclusivos. Estudante segura absorvente descartável
Stephanie Rodrigues/g1
Durante a adolescência, por muito tempo, a manicure Patrícia de Souza precisou usar pano para conter o fluxo menstrual, porque, em casa, não sobrava dinheiro para absorvente.
“Com o pano eu nem saía de casa, tinha medo de vazar, de sair do lugar, sempre faltava na escola. Quando pude começar a comprar absorvente, para mim foi como se fosse uma novidade. Eu me sentia muito mais segura”, contou.
Agora, aos 36 anos, ela começou a ser beneficiada pelo programa de dignidade menstrual do governo federal.
“Eu já fiz a primeira retirada de absorventes. Foi muito bom. Às vezes a gente tem que abrir mão de alguma coisa para comprar e, agora, não precisa mais”, disse Patrícia.
As leis federal e de Minas Gerais que tratam da saúde menstrual foram regulamentadas há exatamente um ano. Segundo especialistas, de lá para cá, o acesso a absorventes foi facilitado, mas ainda é preciso avançar.
A legislação brasileira, por exemplo, exige que as pessoas baixem uma autorização na internet para receber os itens. A estadual inclui somente mulheres, e não todas as pessoas que menstruam. A lei municipal de Belo Horizonte abrange apenas para a rede de ensino (leia mais abaixo).
“Como exigir que a pessoa tenha um celular para ter acesso? Quando não existe acessibilidade, é como se não se compreendesse a necessidade do outro. Nós avançamos, sim, mas avançamos até que limite? Avançamos ouvindo as pessoas, entendendo o contexto de cada um?”, questionou a coordenadora do Flores de Resistência, Simone Oliveira.
Projeto Flores de Resistência distribui absorventes ecológicos para mulheres em situação de vulnerabilidade em BH
Flores de Resistência/ Divulgação
O projeto começou como uma campanha solidária voltada para a doação de cestas básicas, mas mudou o foco quando Simone passou a receber relatos de mulheres que precisavam usar miolo de pão, jornal, papel higiênico ou roupa para reter a menstruação.
O grupo distribui absorventes em ocupações, comunidades e bairros de BH e, mesmo com as legislações em vigor, a demanda segue alta.
“Hoje a gente atua muito na distribuição dos absorventes ecológicos, que tem muitas qualidades. A gente continua na luta para que, um dia, as mulheres possam ter essa opção. Elas que devem dizer o que precisam, o que é melhor para elas”, afirmou.
No país
Farmácia Popular começa a distribuir absorventes gratuitos
Em 8 de março de 2023, o presidente Lula (PT) regulamentou a legislação federal referente à dignidade menstrual. A distribuição dos absorventes começou dez meses depois, em janeiro deste ano.
Inicialmente, os itens estão sendo ofertados para pessoas que menstruam de 10 a 49 anos inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) que:
estejam em vulnerabilidade social extrema (renda de cada pessoa da família de, no máximo, R$ 218 por mês);
estudem na rede pública de ensino e tenham renda familiar de até meio salário mínimo por pessoa;
estejam em situação de rua.
Os absorventes devem ser retirados nas unidades credenciadas pelo Programa Farmácia Popular, mas antes é preciso gerar uma autorização por meio do aplicativo ou do site Meu SUS Digital. Cada pessoa tem direito a 40 itens a cada 56 dias.
Em caso de dificuldade de acesso ao programa, o governo orienta que as pessoas busquem as Unidades Básicas de Saúde (UBS), que podem imprimir a autorização, se necessário.
Todas as informações sobre como solicitar os absorventes estão disponíveis aqui.
Em Minas Gerais
A estimativa do governo é de que cerca de 800 mil pessoas sejam beneficiadas pela legislação estadual em Minas Gerais.
O decreto de 8 de março de 2023, que regulamentou uma lei de 2021, contempla mulheres de até 49 anos de idade que estejam em unidades prisionais ou de acolhimento, em cumprimento de medida socioeducativa ou que estudem na rede estadual de ensino.
A defensora pública Samantha Vilarinho, coordenadora estadual de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública de Minas Gerais, afirmou que o texto não ficou exatamente como o órgão e as lideranças ligadas à dignidade menstrual esperavam, apesar dos avanços.
“A gente queria mais detalhes de como seria feita a distribuição, o decreto ficou bem sequinho. Não teve o detalhamento que a gente queria que tivesse. […] Mas está caminhando, não tive queixa de mulheres que estão tentando buscar absorventes e não conseguiram”, afirmou.
Outro desafio é o fato de a legislação mineira incluir apenas mulheres, e não todas as pessoas que menstruam.
“Se a gente conseguir mudar a lei estadual para incluir os homens trans seria perfeito”, disse a defensora.
Sistema prisional e escolas
Cerca de 2 mil mulheres presas recebem absorventes no estado
Renata Caldeira/TJMG
Nos sistemas prisional e socioeducativo mineiros, aproximadamente 2 mil mulheres recebem absorventes, segundo o estado. A entrega é realizada a partir da demanda de cada unidade.
Nas casas de acolhimento, onde estão cerca de 2,6 mil mulheres, os itens também são distribuídos mediante solicitação. Nesse caso, o estado repassa os absorventes para as prefeituras fazerem a entrega – no ano passado, foram 48 mil.
Já na rede estadual de ensino, quase 800 mil estudantes estão sendo atendidas. A compra dos absorventes deve ser feita pelas próprias escolas.
De acordo com o governo, todos os absorventes são adquiridos com recursos próprios ou produzidos dentro do sistema prisional. Custodiados de três unidades trabalham nisso. Em 2023, foram fabricados 14.586 pacotes.
Em Belo Horizonte
Na capital mineira, a lei que instituiu o programa de dignidade menstrual na rede municipal de ensino foi publicada em setembro de 2022, com a expectativa de aquisição de 427.740 absorventes por ano.
Segundo a prefeitura, desde então, as escolas estão autorizadas a realizar a compra dos itens por meio do caixa escolar. A distribuição é feita a partir da demanda de estudantes.
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