Ministro do STF atendeu a pedido do MPF. Obras, de 2008 e 2009, citam ‘homossexualismo’ como ‘anomalia sexual’ e mulheres de ‘uso exclusivo de jovens playboys’. O ministro Flavio Dino, em imagem de arquivo
Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino determinou nesta sexta-feira (1º) que sejam retirados de circulação quatro livros jurídicos com conteúdo degradante contra pessoas LGBTQIA+ e mulheres.
Dino avaliou que os trechos violam a dignidade da pessoa humana, e negou que a decisão represente censura. Os livros foram publicados entre 2008 e 2009 pela editora Conceito Editorial.
Um dos trechos classifica o “homossexualismo” como “anomalia sexual”, e relaciona a comunidade LGBTQIA+ ao vírus HIV – uma associação preconceituosa abandonada há décadas pela ciência.
O livro diz que a Aids (manifestação sintomática do contágio por HIV, quando não tratado) “somente existe pela prática doentia do homossexualismo e bissexualismo”.
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Outro trecho agora proibido diz que há um “determinismo” na sociedade que faz com que “algumas das mulheres mais lindas e gostosas […] do uso exclusivo dos jovens playboys, sendo que outras mulheres do mesmo estilo ficam ainda, com os playboys velhos de 40, 50 e 60 anos, que teimam em roubar as mulheres mais cobiçadas do mercado.”
Flávio Dino analisou um recurso do Ministério Público Federal contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que negou a retirada das obras de circulação.
O MPF acionou a Justiça depois que alunos da Universidade Estadual de Londrina (PR) identificaram conteúdo homofóbico nas obras que estão disponíveis na biblioteca da instituição.
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A decisão de Dino
Na decisão, Dino estabeleceu que os livros podem ser reeditados e vendidos ao público desde que os trechos incompatíveis com a Constituição sejam retirados.
O ministro ressaltou que o Supremo tem entendimento consolidado de que o direito à liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento não são absolutos, cabendo intervenção da Justiça em situações de evidente abuso.
Dino negou que a decisão represente uma censura prévia.
“Entendo que as obras jurídicas adversadas não estão albergadas pelo manto da liberdade de expressão, pois, ao atribuírem às mulheres e à comunidade LGBTQIAPN+ características depreciativas, fazendo um juízo de valor negativo e utilizando-se de expressões misóginas e homotransfóbicas, afrontam o direito à igualdade e violam o postulado da dignidade da pessoa humana, endossando o cenário de violência, ódio e preconceito contra esses grupos vulneráveis”, escreveu.
Dino citou levantamento do Grupo Gay da Bahia indicando que o Brasil registrou 257 mortes violentas de pessoas LGBTQIAPN+ em 2023, e segue como país mais homotransfóbico do mundo.
De acordo com o ministro, qualquer tipo de discriminação atenta contra o Estado Democrático de Direito, inclusive a motivada pela orientação sexual das pessoas ou em sua identidade de gênero, “revelando-se nefasta, porque retira das pessoas a justa expectativa de que tenham igual valor”.
Dino afirmou que a Constituição também impõe a responsabilização civil, penal, criminal e administrativa em casos de desrespeito à dignidade humana.
“Assim, concluo que as publicações impugnadas na ação civil pública movida na origem (…) desbordam do exercício legítimo dos direitos à liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento, configurando tratamento degradante, capaz de abalar a honra e a imagem de grupos minoritários (comunidade LGBTQIAPN+) e de mulheres na sociedade brasileira, de modo a impor a necessária responsabilização dos recorridos”, concluiu o ministro.