20 de setembro de 2024

Do Leblon à favela da Maré: ressacas mais fortes e aumento de enchentes são possíveis impactos do aumento do nível do mar no RJ

Duas cidades do estado do Rio foram citadas em um documento da ONU sobre o aumento do nível do mar: a capital fluminense e Atafona, que é um distrito de São João da Barra, no Norte Fluminense. Praia do Leblon
Reprodução/TV Globo
Um estudo da ONU, com informações da Nasa, divulgado nesta terça-feira (27), indica que duas cidades brasileiras podem sofrer impactos com o aumento do nível do mar até 2050: a cidade do Rio de Janeiro e o distrito de Atafona, que fica em São João da Barra, no Norte Fluminense.
O documento que analisa e reúne estimativas sobre o a subida dos mares diz que essas duas cidades podem ter um aumento de 12 a 21 cm no nível dos mares até 2050. Conhecida por suas praias, a cidade do Rio estaria com seus principais pontos turísticos ameaçados pela intensidade da subida das marés.
“A cidade do Rio é a metrópole costeira mais populosa do Brasil, então a subida do nível do mar em uma cidade em que a praia tem uma importância fundamental para o dia a dia da cidade, a gente fala da exposição de muitas pessoas que vivem na orla, que vivem em baixadas, pessoas que estarão sujeitas às inundações”, afirma a oceanógrafa da UFRJ, Flávia Lins.
Nas áreas mais ricas da cidade, onde estão as praias das zonas Sul e Oeste, um dos riscos é de que as ressacas fiquem cada vez mais fortes e mais frequentes. Com a força da ressaca, as faixas de areia podem acabar comprometidas, o que afetaria a resiliência física e a capacidade de regeneração das praias.
Complexo da Maré
Reprodução/ TV Globo
Já nas áreas mais pobres, como o Complexo da Maré, que é formado por quase 20 comunidades e tem milhares de moradores, há o risco de contaminação do solo por conta do transbordamento e inundações de rios, assim como a Baía de Guanabara. Um outro estudo, divulgado anteriormente, aponta que o complexo de comunidades deve sofrer com ondas de calor também até 2050.
“Vale ressaltar que o aumento do nível do mar é um efeito muito nocivo. Ainda que a gente conseguisse frear a mudança do clima, o aumento continua por muito tempo porque o oceano do planeta inteiro vem absorvendo o calor da Terra, funcionando como um ar-condicionado”, afirma a oceanógrafa da UERJ, Letícia Contrim.
“Teremos algumas centenas de anos pela frente até que o novo nível do mar se estabilize se todo mundo fizer o corte certo da emissão dos gases de efeito estufa”, continua a especialista.
Mar agitado destrói contenção de areia feita para proteger casas em Atafona, em São João da Barra
Divulgação|Defesa Civil
Já em áreas de lagoas, como o Bosque Marapendi, na Barra, e a Lagoa Rodrigo de Freitas, as chances de transbordamentos dos rios aumentam e, como a especialista indica, a possibilidade de contaminação também.
“Nesse caso, são lagoas extremamente poluídas. Então há a chance de poluição maior”, afirma Flávia Lins.
A oceanógrafa explica ainda que a vila residencial da Ilha do Fundão já sofre com inundações da Baía de Guanabara, e que essas populações estão mais vulneráveis. Atafona, no Norte Fluminense, já enfrenta problemas com o avanço do mar há anos.
“A gente tem as áreas rebaixadas ocupadas por populações vulneráveis, como ao redor da Baía de Guanabara onde está o Complexo da Maré, áreas do entorno do Fundão, Barra de Guaratiba, áreas que são baixas”, explica.
“Essa população fica vulnerável em um sentido tanto do ponto de vista da exposição à inundação e erosão costeira, quanto no ponto de vista social, por serem áreas de pessoas de baixa renda e que terão poucos recursos de resposta”, emenda Flávia.
Além dos riscos sociais, essas famílias podem enfrentar problemas ambientais.
“Essa população mais vulnerável pode sofrer com a salinização da água, com a poluição do solo em função das inundações das lagunas com o aumento do nível do mar. Cada vez que tiver uma maré elevada, a gente pode ter os piores cenários”, completa.
Atafona é onde o Paraíba do Sul encontra o mar e a ‘Terra dos Ventos’ fluminense
Reprodução/TV Globo
As previsões da ONU foram feitas com base em um cenário de aquecimento global de 3°C até o final do século. Atualmente, autoridades e especialistas ainda buscam limitar o aquecimento a 1,5ºC, conforme as metas definidas pelo Acordo de Paris, embora a própria ONU já admita que as metas assumidas em 2015 já sejam insuficientes para limitar o aumento da temperatura neste patamar.
Praias em risco
Ainda que os estudos da UFRJ apontem que as praias do Rio têm uma boa resiliência física, a especialista aponta que é necessária uma preservação da natureza para que os tão bonitos pontos da cidade não se percam.
“Os monitoramentos que viemos realizando no Laboratório de Geografia Marinha da UFRJ e também pela faculdade de Oceanografia apontam que as praias têm uma boa resiliência física. Após os impactos por ressacas, elas conseguem se recuperar”, explica Flávia.
“Mas isso só é possível em áreas que a gente ainda tem deixado esse espaço para as praias, com elas preservadas. No Leblon, as ondas conseguem ultrapassar a praia e invadir as garagens das casas porque não tem uma barreira natural”, completa ela.
Pescadores na praia do Leme, Zona Sul do Rio
Stephanie Rodrigues/g1
Uma das consequências da diminuição da recuperação da praia pós-ressaca seria a perda da extensão de faixa de areia – o que pode encurtar a praia, ou não-utilização da área natural em alguns momentos do ano. Os pescadores, por exemplo, seriam diretamente afetados e, logo, a economia turística também.
“Qualquer ressaca que aconteça, qualquer ventania de sudoeste, a gente pode ter mais problemas de erosão costeira, a praia sendo tomada pela água, mais areia sendo jogada para as pistas, como temos visto nas últimas ressacas”, indica Contrim.
Para Contrim, a emergência climática não é uma pauta carioca, mas nacional e mundial.
“O Brasil inteiro deveria pensar, não só o Rio, em reforçar as áreas de vegetação, como área de restingas, manguezais, pensar melhor as obras que são feitas. Uma das soluções seria primeiro saneamento básico, manter esses canais e rios limpos, ter coleta de lixo seletiva para que não haja o descarte irregular e manter as áreas de margens de rios com vegetação original, com florestas, para ajudar a evitar as inundações”, indica a especialista Letícia Contrim.

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