24 de janeiro de 2025

Dois anos após morte da filha atingida por árvore, pastor fala de provação da fé e espera por Justiça: ‘Saudade do que não vou viver’


Sérgio Fermino diz reviver todos os dias a dor da perda de Isabela, atingida por um eucalipto na festa de aniversário da prima, na Lagoa do Taquaral, em Campinas (SP). Pai faz homenagem à filha nesta sexta. Dois anos após morte da filha atingida por árvore em Campinas, pastor fala sobre saudade
O calendário insiste em mostrar que o tempo avança sem parar, mas ao acordar todos os dias, Sérgio Fermino é jogado de volta à dor da manhã de 24 de janeiro de 2023. Há dois anos, a filha Isabela, de 7 anos, morreu após a queda de um eucalipto na Lagoa do Taquaral, em Campinas (SP). Uma tragédia que fez o pastor encarar uma provação de fé, e da qual ainda aguarda por Justiça.
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Lembrar de Isabela provoca um misto de sentimentos. Embora não seja igual ao da foto que estampa o celular, Sérgio exibe um sorriso ao narrar peripécias da filha, eternizadas em vídeos que compartilha com orgulho.
Mas há momentos em que a voz do pastor embarga e as lágrimas vêm à tona. Como celebrante de casamentos, confessa que se emociona sempre que uma noiva entra na igreja, e lamenta por não ter a oportunidade de fazer o mesmo.
“Eu sinto saudades das coisas que eu não vou viver. Eu sinto, sim”.
Nesta sexta-feira (24), o pai realiza, a partir das 9h, uma homenagem à filha na Lagoa do Taquaral. Carregando fitas rosas, dará uma volta em torno do espaço público e fará uma oração.
Provação da fé e saúde mental
A morte repentina de Isabela abalou as estruturas da crença que Sérgio vive e prega. Encarar a dor de uma perda trágica, tornou-se provação de fé, que hoje se mantém inabalável, e que o conforta à espera de um reencontro com a filha na eternidade.
“Eu tratei Deus como alguém que eu creio plenamente que exista, que é capaz de qualquer coisa, mas que eu não confiava mais. Por que eu tendo toda a certeza de todo poder que ele tem, como que ele permite passar por isso. Porque ele não desviou a árvore para cá ou para lá? Deus nunca deixou de ser Deus, mas eu não confiava. Passei meses sem conseguir orar. Cara, eu sou pastor. Como é que pastor não ora?”
Sérgio lembra que na missão que exerce, já acolheu e consolou diversas pessoas que enfrentaram suas tragédias, mas que ao se deparar com o maior sofrimento que poderia ter, ficou sem chão.
“Quando foi comido, que eu senti na minha pele, o chão saiu debaixo do meu pé. Eu tinha a Bíblia na mente, eu acreditava nessa ressurreição e em todo o trabalho que Jesus fez, mas eu queria a minha filha comigo. Abraçando ela todo dia, ela pendurada no meu pescoço, dizendo ‘papai eu te amo'”.
Sergio Fermino, a mulher Gislene e a filha Isabela
Arquivo Pessoal
O caminho de reconciliação com Deus, de fortalecimento da fé, passou pela ciência. Três meses após a morte de Isabela, Sérgio iniciou tratamentos psicológico e psiquiátrico, que o acompanham até hoje.
“Foi a ciência médica séria que me ajudou a reconstruir a minha vida, a minha sanidade mental. Eu incentivo que ninguém fique sofrendo por conta de preconceito, seja qual for a religião. Não é demérito procurar ajuda. É coragem, é você tendo coragem de continuar a viver, não se entregar”.
E foi nesse processo que define como extraordinário, que a psicóloga construiu um caminho para o pastor “ter amizade novamente com Deus”.
“A religião que eu tenho é fundamentada em um ser perfeito, que não tem nenhum defeito, nunca cometeu um erro e foi levado para a cruz. Não que quem siga Jesus também terá que sofrer, porém é possível que sofra, e isso não muda o que Ele realizou, porque é uma promessa de restauração para toda uma eternidade. Haverá um tempo de reencontro. Eu tenho uma promessa, a qual eu creio, que eu irei reencontrar a minha filha, irei para um local onde as pessoas estão. Então a fé me ajuda nessa parte também”, conta.
Dor todos os dias
Segundo o pastor, a proximidade com a data que marcou a tragédia aumenta a dor e a vulnerabilidade do casal.
“Faz dois anos, mas todos os dias quando eu acordo, foi hoje que aconteceu. A dor é igualzinha”, avisa Sérgio, ao tentar traduzir em palavras o sentimento de encarar a falta da filha.
“[A Isabela] Faz muita falta. Nunca pensei que a falta de alguém fosse influenciar tanto diretamente no meu dia a dia”, diz.
Sergio Fermino e a filha Isabela
Sergio Fermino/Arquivo Pessoal
Essa falta fez o pastor, por exemplo, aceitar o convite para pastorear em Barão Geraldo, após oito anos na Igreja Batista Monte Cristo, local recheado de memórias com a filha.
“Entendemos até que seria algo bom, uma página sendo virada. Porque a menina cantava, né? Então, lá na Igreja do Monte Cristo, ela cantava constantemente. Então, olhar lá pra nave da igreja, olhar pro palco e não vê-la era muito dolorido”, detalha.
Mas a falta de Isabela se faz presente em todos os momentos da vida do casal. O lar era preenchido pela alegria e leveza da filha, sensível e perspicaz, capaz de iluminar o sorriso do pai mesmo com os olhos marejados pela saudade.
“A Isabela era bailarina, né? Ela amava dançar. Acordava, punha os pezinhos no chão e vinha pra sala do apartamento rodopiando. Minha casa era uma festa. Minha casa era uma festa todo dia. Ela era muito engraçada, sarrista, bem-humorada. Acho que bom humor faz parte de pessoas inteligentes, né?”
O pastor Sérgio Fermino fala sobre os dois anos da morte da filha Isabela, atingida por uma árvore em um parque público de Campinas (SP) em 24 de janeiro de 2023
Estevão Mamédio/g1
‘Saudade do que não vou viver’
Ao tratar sobre saudade, Sérgio trata sempre de demonstrar orgulho e ressaltar tudo que ele e a esposa puderam experimentar durante os sete anos de vida de Isabela
“Sempre fizemos tudo que estávamos ao nosso alcance para educá-la bem, para amá-la. Eu tenho certeza que a Isabela se despediu deste mundo sendo amada e sabendo que era muito amada. Então, nós não temos culpa entre nós. Nós só temos saudade. Só saudade”, diz.
Mas se ao acessar boas lembranças da convivência com a filha a dor levemente se dissipa, falar sobre sonhos interrompidos faz Sérgio voltar às lágrimas.
Como pastor, confessa que celebrar casamentos mostra-se como um dos pontos mais complicados, uma vez que já era um sonho que alimentava ver Isabela sendo amada e construindo uma família.
“Eu pensei muito [no casamento dela], orava já por isso. Era pequenininha, mas falei: ‘Deus, ajuda que ela cresça, seja amada. Que um dia eu tenha o privilégio de entregá-la para alguém que também vai amá-la, vai construir uma família”, revela.
Sérgio conta que sempre se abala ao ver casamentos, filmes de meninas se casando, e que essa é uma ferida aberta. “Eu sinto saudades das coisas que eu não vou viver”.
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Sérgio Firmino e a filha Isabela durante trabalho social em Campinas
Sérgio Fermino/Aquivo Pessoal
Busca por Justiça
Isabela Tibúrcio Fermino foi atingida pelo eucalipto enquanto fazia um passeio na Lagoa do Taquaral na manhã de 24 de janeiro de 2023. Ela estava com a família, comemorando o aniversário da prima, e morreu no local.
Na ocasião, uma jovem de 27 anos também ficou gravemente ferida após a queda da árvore. Ela passou por duas cirurgias no Hospital Mário Gatti, antes de receber alta.
A partir disso, a Polícia Civil iniciou um inquérito policial para apurar as circunstâncias da queda e se haveriam responsáveis pelo acidente.
A Prefeitura de Campinas apresentou laudos que atestam que o eucalipto caiu por conta do solo encharcado provocado por fortes chuvas e a investigação concluiu que não houve omissão ou negligência.
No entanto, o Ministério Público ingressou na Justiça com uma ação civil pública na qual responsabiliza a prefeitura pela queda.
A Promotoria pede que o governo municipal seja condenado ao pagamento de R$ 2 milhões em indenização por danos morais coletivos “referentes aos constantes riscos à saúde, à vida e à integridade física da população de Campinas em razão do descumprimento das normas de manejo adequado da arborização urbana no município”.
A família também busca na Justiça a responsabilização da Prefeitura pela morte de Isabela, também como parte de um entendimento que isso também integra o esforço para honrar a memória da filha.
“Nós não conseguimos trazê-la de volta de forma alguma, porém, queremos que ela seja honrada naquilo que está dentro das nossas possibilidades de buscar justiça. Não é vingança, não tem nada a ver com sentimento ruim, não. É justiça, e a gente quer isso também como exemplo que não pode mais acontecer isso. Não vamos abrir mão de ver a justiça ser feita”, afirma Sérgio.
De acordo com o MP-SP, a promotoria aguarda sentença da ação civil pública, enquanto a parte criminal ainda trata-se de um inquérito policial, e não denúncia.
Em nota, a Prefeitura de Campinas informou que ambos os processos judiciais estão em tramitação e ainda não há decisão final.
Isabela com prima e amigas brincando em piquenique antes de tragédia na Lagoa do Taquaral
Reprodução/EPTV
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