16 de outubro de 2024

‘É desesperador’, diz mãe de gêmeas brasileiras, de 6 anos, que estão no Líbano durante bombardeios

Meninas foram levadas para Oriente Médio em 2022, pelo pai. Mãe, que mora em Brasília, diz que filhas estavam na lista de repatriação e não embarcaram; FAB e Itamaraty não confirmam nomes. Filhas de Bianca Carneiro, em Brasília, antes de serem levadas pelo pai para o Líbano.
Reprodução/Redes sociais
Bianca Carneiro é mãe de duas meninas gêmeas que foram levadas para o Líbano pelo pai, em 2022, sem o consentimento dela (saiba mais abaixo). Agora, a moradora de Brasília que não vê as filhas há dois anos e luta na Justiça para tê-las de volta, acompanha o conflito armado no Oriente Médio chegar perto da região onde vivem as crianças.
“O Líbano é pequeno, uma bomba que cai no lugar errado pode matar minhas filhas. Não tem lugar seguro em um país em guerra, é desesperador”, diz Bianca Carneiro.
As meninas estão com seis anos. De acordo com a mãe, o pai e as crianças já foram chamados para três voos de repatriação para o Brasil realizados pela Força Aérea Brasileira (FAB). No entanto, segundo Bianca, seu ex-marido disse que a situação na região é perigosa e que preferiu não sair de casa com as filhas para ir ao aeroporto.
A FAB e o Itamaraty dizem que não podem confirmar se os nomes estavam nas listas. Mas, por meio de mensagens, a Embaixada do Brasil em Beirute e a Divisão de Comunidades Brasileiras e Assistência Consular (DAC) disseram à Bianca que eles faziam parte da lista de passageiros, sendo a última vez no voo de sexta-feira (11) (veja imagem abaixo).
Embaixada brasileira em Beirute convocou o pai e as crianças para embarcarem no voo de repatriação para o Brasil no dia 11 de outubro.
Reprodução
Bianca conta que falou com as filhas neste domingo (13), por meio de ligação de vídeo, e que elas estão bem. Mas afirma que só ficará tranquila quando elas voltarem ao Brasil já que, segundo o governo do Líbano, mais de duas mil pessoas já morreram durante o conflito entre Israel e o Hezbollah.
A cidade onde vivem as meninas fica a 52km de distância da capital Beirute, na área central do Líbano. “Quando eu falo com elas, estão sempre alegres, não sabem o que está acontecendo”, diz Bianca Carneiro.
Gêmeas levadas para o Líbano
Bianca é professora e mora em Brasília. Ela conheceu o ex-marido em 2017 e as gêmeas nasceram em março de 2018 no Distrito Federal.
Em 2021, Bianca e o ex-marido oficializaram a união. Durante a pandemia de Covid-19, o avô paterno das gêmeas ficou muito doente e o pai das crianças decidiu ir para o Líbano.
Os passaportes das meninas foram emitidos e a mãe, por meio de uma procuração, autorizou a saída delas do Brasil. No entanto, por conta do período letivo e por ser professora, Bianca e as filhas não conseguiram ir.
Em fevereiro de 2022, Bianca decidiu se separar. Em abril do mesmo ano, as crianças que iriam, em teoria, passar o fim de semana de Páscoa com o pai, foram para o Líbano sem a mãe ter conhecimento.
A procuração feita anteriormente, durante a pandemia, foi utilizada pelo ex-marido de Bianca para tirar as filhas do Brasil. No dia 17 de abril, ele telefonou para Bianca contando que tinha saído do Brasil. As gêmeas estavam com 4 anos à época.
“O combinado era deixar na escola na segunda-feira, mas ele me ligou no domingo à noite por vídeo. Eu vi as pessoas da família dele que moram no Líbano percebi que ele estava lá. Perguntei ‘você saiu por onde’, e ele ‘ eu saí por São Paulo, normal’. E eu , ‘mas como?’ E ele respondeu ‘você autorizou’”, conta Bianca.
Lei brasileira x lei libanesa
Bianca Carneiro entrou com três processos no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) contra o ex-marido:
Violência doméstica: decidido a favor de Bianca, em agosto de 2022
Divórcio: conseguiu a decisão após um ano, em março de 2023
Guarda unilateral: em 17 de agosto de 2022, o tribunal decidiu, além da guarda unilateral, pelo pedido de busca e apreensão das meninas para a Polícia Federal e a Interpol
No entanto, o Líbano não é signatário da Convenção de Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças. O tratado internacional foi elaborado há mais de 40 anos e especifica em quais condições crianças podem sair do seu país de residência habitual sem o pai ou sem a mãe.
“Uma vez ele não sendo signatário, o judiciário libanês entende que a lei não se aplica. […] Essa decisão judicial do TJDFT, não é válida no Líbano, pois o país não reconhece a convenção de Haia”, explica a professora Carolina Claro do Instituto de Relações Internacionais (IREL) da Universidade de Brasília (UnB).
Ou seja, enquanto as crianças estiverem no Líbano, mesmo em uma situação de conflito armado, nada muda em relação à Convenção de Haia e prevalece a legislação libanesa.
Segundo a professora Carolina Claro, o direito das mulheres é “bastante relativizado” no Líbano. “Mulheres não têm direito ao divórcio, não têm guarda sobre filhos e não transmitem nacionalidade aos seus filhos”, ressalta.
Para entender a lei no Líbano, o advogado da Advocacia-Geral da União (AGU), Luiz Fabricio Vergueiro destaca um ponto importante:
Justiça civil x Justiça religiosa: no Líbano, há a justiça oficial, que é semelhante ao que existe no Brasil, que é o direito civil e trata dos casos de família. Em paralelo à essa justiça, há o sistema de justiça religioso, que pode seguir paradigmas dos cristãos ortodoxos ou mulçumanos xiitas ou mulçumanos sunitas. O pai das meninas é mulçumano xiita, ou seja, os princípios que vão determinar sobre o caso partem do tribunal religioso.
“Se o pai for praticante de uma dessas religiões, isso vai ser definido levando em conta os preceitos da religião”, afirma Luiz Fabricio Vergueiro.
Além disso, o advogado explica que, segundo a lei libanesa, as meninas são libanesas por serem filhas de pai libanês, mesmo tendo nascido no Brasil.
‘Repatriação é a melhor saída’
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A professora Carolina Claro do Instituto de Relações Internacionais (IREL) da Universidade de Brasília (UnB) explica que em um cenário de conflito armado, as crianças ficam em situação de extrema vulnerabilidade e correm diversos riscos: violência física – incluindo sexual –, detenção, recrutamento, separação dos familiares e morte.
“Nem as autoridades libanesas e nem o pai podem garantir a segurança delas. […] A repatriação é a melhor saída para garantir a sobrevivência delas, não só a saúde física, mas a saúde mental dessas crianças”, alerta a professora Carolina Claro.
Neste momento, a melhor alternativa, segundo os dois especialistas, é o estabelecimento de um acordo bilateral entre Líbano e Brasil para negociar a repatriação das gêmeas brasileiras.
“O Itamaraty poderia fazer um exercício diplomático de pleitear junto ao governo libanês a repatriação dessas crianças sem consequências criminais para o pai
“O ideal seria que o Líbano, assim como outros países islâmicos, aderisse a Convenção da Haia sobre o sequestro internacional de crianças, mas como essa possibilidade não existe atualmente, como Brasil e o Líbano têm relações diplomáticas muito boas, que fosse tentado um acordo bilateral. “
De acordo com o Itamaraty, a Embaixada do Brasil no Líbano tem ciência do caso e presta assistência consular à família. O g1 entrou em contato com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, mas até a publicação desta reportagem não houve resposta.
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