5 de outubro de 2024

Eleição municipal inaugura segunda era de fragmentação da direita

Depois de Bolsonaro estraçalhar a polarização PSDB x PT, é a vez de a nova direita se dividir entre quadros tradicionais e personagens “antissistema 2.0”. Quando as urnas se fecharem neste domingo, 6 de outubro, o Brasil poderá se ver diante de um novo quadro político-eleitoral. As pesquisas indicam um cenário de refragmentação do que se convencionou chamar de direita no país em grandes colégios eleitorais, num patamar inédito desde 2018, quando Jair Bolsonaro (PL) estraçalhou a polarização PT x PSDB que dominava o país desde os anos 1990.
A eleição municipal deste 2024 evidenciou uma série de fenônemos:
Uma franja do eleitorado de direita, a mais radical, ainda não esgotou sua sede de explorar as possibilidades do que seriam gestões administradas por personagens que se autodenominam “antissistema”. Esse grupo, aparentemente insatisfeito com os poucos limites respeitados por seu líder maior até aqui, Jair Bolsonaro, abriu frentes de experimentação em colégios eleitorais importantes, como São Paulo e Belo Horizonte. Nessas duas capitais, o eleitorado bolsonarista rachou.
A expectativa de que o presidente Lula (PT) e o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro encampariam um engajamento frenético nos principais colégios eleitorais, reeditando a disputa de 2022, simplesmente não se concretizou. Ao contrário.
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Voltemos à análise a partir deste ponto: Lula decidiu manter uma atitude apática diante da eleição municipal, dando prioridade a agendas externas. Mesmo aquele que recebeu sua maior atenção, Guilherme Boulos (PSOL), candidato em São Paulo, amargou a falta da presença do petista, em especial nas periferias da cidade.
Bolsonaro aderiu a uma dinâmica cautelosa. O capitão não quis ficar à frente de uma nau que pudesse naufragar. Observou movimentos de arrivistas do discurso “antissistema 2.0” quase que à distância, com intervenções pontuais, sem partir para o tudo ou nada.
Em São Paulo, eleição que monopolizou boa parte da atenção da imprensa nacional, a fragmentação da direita ganhou contornos incisivos. De um lado, o bolsonarismo institucional – governo do Estado, pastores e partido, o PL– travaram uma batalha para convencer o eleitor do ex-presidente de que Ricardo Nunes (MDB) poderia, à sua forma, ser uma espécie de Tarcísio de Freitas (Republicanos): leal a Bolsonaro e aos preceitos que encantam seu eleitorado, mas temperado com técnica de gestão e equilíbrio emocional.
Mas esse grupo, que incorpora a face institucional do grupo de Bolsonaro, deu de frente com o personagem desrruptivo desta eleição: Pablo Marçal (PRTB). Um vendedor de sonhos.
Marçal literalmente fez fama e fortuna convencendo pessoas de que ele, vindo de Goiás, com família simples, prosperou com técnicas de organização de pensamento e ação. Técnicas que poderiam levar qualquer um ao posto que ele ocupa – e exibe: milionário, com casas, carros, aeronaves e uma extensa lista de livros, vídeos e seguidores.
O ex-coach parece ter percebido que havia uma sede não contemplada na franja radical da direita. E bateu tudo o que deu status ao grupo de Bolsonaro num liquidificador junto com pitadas de coisas que se mostraram eficientes na última década entre os eleitores de direita e centro-direita.
A ver: o discurso de “não sou político, sou gestor” remonta a João Doria; o de “eu sou um de vocês, um cidadão indignado” arremata a narrativa antissistema; a narrativa agressiva e antimídia nas redes, já testada por Bolsonaro, foi elevada a nova potência.
Por fim, Marçal tomou a discurso das igrejas sem cobrar dízimo. Prega “jejum de crime”, diz que seu “coração queima, arde algo novo”, que quer “abençoar a periferia” com um teleférico e que vê a candidatuta não como algo que ele deseja, mas como uma “missão de Deus”.
Daniela Lima analisa discursos de Pablo Marçal
O sumo carregado dessa combinação foi forte o suficiente para rachar o que, antes, de maneira incorreta e monolítica, aparentemente, se chamava bolsonarismo. A ver o resultado desta divisão.
Para o que se convenciona chamar esquerda, ou campo progressista, o resultado das eleições municipais promete ser decepcionante. A expectativa, apesar da atração despertada na imprensa pelos candidatos associados a Lula ou Bolsonaro, é a de que o bom e velho centrão – PSD, MDB, União Brasil e PP – passe o rodo na maioria das cidades do país.
A eleição de 2024 pode, portanto, impor um “novo normal” a um país que ainda estava tentando decifrar sua recente formatação política. Bom voto.

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