24 de setembro de 2024

Entenda como antigo hospício no interior de SP se tornou referência internacional em saúde mental

Iniciativas pioneiras de desospitalização fizeram com que Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecesse instituição de Campinas (SP) como modelo em cuidado psiquiátrico. Veja quais são. Como antigo hospício no interior de SP se tornou referência internacional em saúde mental
Do lado de fora do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, em Campinas (SP), uma revoada de pássaros de papel enfeita a porta de entrada do casarão. A mensagem é clara: aquele é um espaço de liberdade. Mas não foi sempre assim.
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Inicialmente inaugurada como “Hospício para Dementes Pobres do Arraial de Sousas”, em 1924, a instituição foi uma das primeiras a iniciar a transição para uma abordagem mais humanizada em saúde mental após a reforma psiquiátrica no Brasil no fim da década de 90.
🌎 As intervenções feitas pelo serviço de saúde, que vão de oficinas de trabalho à administração de Centros de Atenção Psicossocial (Caps), fizeram com que a metrópole fosse apontada como modelo no tratamento da saúde mental pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2021.
“Campinas foi uma das primeiras cidades que decidiram acabar com as internações prolongadas e os hospitais monovalentes e criar uma rede bastante consistente de serviços comunitários, incluindo a implantação dos Caps tipo 3, que ficam abertos 24h”, analisa a médica, professora da Unicamp e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Rosana Onocko-Campos.
🧠 Até domingo (14), data que marca o aniversário de 100 anos do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, em Campinas (SP), o g1 publica a série de reportagens “Eu sou um louco”, que aborda trajetória da loucura e o protagonismo da instituição na humanização do cuidado psiquiátrico no Brasil.
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Fachada do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, em Campinas (SP)
Gabriella Ramos/g1
Do hospício…
Os passarinhos que parecem “voar” em frente ao casarão são também um lembrete de que, antes da reformulação das políticas públicas em saúde mental na metrópole, o antigo hospício chegou a ser, para muitos, uma espécie de prisão.
Presidente do Conselho Diretor do Cândido Ferreira, a terapeuta ocupacional Sandrina Indiani relembra que a instituição funcionou como um hospital psiquiátrico tradicional até o fim da década de 80, seguindo um modelo de cuidado que carecia de conhecimento em saúde mental.
Assim, era comum que pacientes passassem por internações que poderiam durar décadas na unidade, e perdessem, aos poucos, a individualidade e o poder de escolha. Além disso, o tempo tratava de enfraquecer cada vez mais os laços familiares e a sensação de pertencimento na sociedade.
“Me lembrei de uma pessoa que morava aqui há mais de 20 anos, e quando foi perguntado por que ela gostaria de sair do hospital e morar em uma casa, ela respondeu: ‘para comer em prato redondo’. No hospital se comia em bandejas, não podia fazer seu prato, não podia comer com talheres e ela tinha total condição para isso, só lhe foi tirado o direito”, relata Indiani.
Fachada do antigo Hospital Psiquiátrico Dr. Cândido Ferreira entre as décadas de 1920 e 1930
Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira/Imagens cedidas
…ao serviço
A “virada de chave”, segundo a presidente do Conselho Diretor, aconteceu na década de 90, quando uma movimentação de trabalhadores, usuários do serviço e familiares dos pacientes levou à reformulação profunda das medidas adotadas no local.
“O que era preconizado era a internação, mas o Cândido começa primeiro olhando para quem aqui morava. Tinha mais de 170 pessoas morando sem laços familiares. Começamos a olhar para o projeto dessas pessoas, a conhecer a história, a ouvi-las, a considerar os seus desejos e interesses”, conta.
Com a desinstitucionalização, surgiu a necessidade de criar alternativas para garantia do tratamento eficaz dos atendidos, ao mesmo tempo em que se permitia uma vida com mais autonomia e liberdade.
Nasce, assim, a rede de serviços comandada pelo Cândido Ferreira e dividida da seguinte forma atualmente:
🏥 Centros de Atenção Psicossocial (Caps): pontos abertos e comunitários para adultos, crianças e adolescentes com transtornos mentais graves e uso problemático de álcool e drogas.
🤝🏽 Centros de Convivência (Cecos): espaços com serviços abertos para toda a comunidade que promovem a interação entre atendidos e a sociedade em geral.
🛠️ Núcleo das Oficinas de Trabalho (NOT): oficinas que procuram gerar trabalho e renda para pessoas com transtornos mentais que não têm a oportunidade de atuar no mercado formal.
🚑 Consultório de Rua: serviço itinerante de atendimento à população em situação de rua e vulnerabilidade social.
🏠 Serviços Residenciais Terapêuticos: moradias destinadas a pessoas com transtorno mental em processo de desinstitucionalização.
Bloco ‘Unidos do Candinho’ em Campinas (SP)
Arthur Menicucci/g1
Parte do todo
Para a médica psiquiatra e superintendente do Cândido Ferreira, Karina Oliveira, um dos grandes diferenciais da instituição no processo de desospitalização foi a valorização da cultura como um elemento integrador na sociedade para as pessoas que estavam “escondidas” no hospital.
Uma das iniciativas dentro deste propósito é o bloco de Carnaval Unidos do Candinho, que há mais de 30 anos convida a comunidade a desfilar pelas ruas do distrito de Sousas ao lado dos atendidos e profissionais que atuam no serviço de saúde como uma forma de combater o estigma.
De maneira que as pessoas vissem os nossos usuários como pessoas que também cantam, dançam, participam de bloquinhos de Carnaval, compõem as suas músicas. […] Muito mais do que falar, você deve demonstrar. Eles [atendidos] também trabalham, se divertem, fazem música, fazem quadros que são premiados. O estigma a gente combate sem as pessoas perceberem.
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