19 de outubro de 2024

Entenda proposta feita por empresária que afirma ter posse de 80% da Vila de Jericoacoara

Paraíso turístico e um dos mais cobiçados destinos no Nordeste brasileiro, a Vila de Jericoacoara, no litoral do Ceará, entrou no centro de uma disputa depois que uma empresária reivindicou 80% daquelas terras. PGE-CE media acordo com empresária. Jericoacoara, no Ceará, atrai turistas de todo o Brasil e de outros países
Governo do Ceará/Divulgação
Iracema Correia São Tiago, empresária cearense que apresentou um documento dizendo-se proprietária de 80% da Vila de Jericoacoara, destino turístico no litoral do Ceará, deu o passo para a reinvindicação da área em julho de 2023, quando procurou o Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace).
Na época em que procurou o Idace, Iracema São Tiago apresentou a escritura ao instituto e fez uma proposta de conciliação.
Nessa proposta, Iracema cederia ao estado as áreas que estivessem tituladas a terceiros até dezembro de 2022. Isso corresponderia a 55,3 hectares (cerca de 62% da área da Vila de Jericoacoara). Em contrapartida, o restante da área deveria ser excluído da circunscrição da vila, e entregue à empresária (cerca de 38% da área da vila).
Entenda como empresária reivindicou posse de mais de 80% das terras de Jericoacoara
Os terrenos que Iracema São Tiago alega ser dona (as fazendas Junco I e Junco II) foram comprados por seu ex-marido, José Maria de Morais Machado, em 1983. Após o divórcio deles, em 1995, ela ficou com as áreas. Cerca de 40 anos depois da compra, ela reivindicou a posse dos terrenos.
Em resposta ao pedido da empresária, feito em julho de 2023, o Idace propôs que toda a área da Vila de Jericoacoara continuasse dentro da matrícula do estado, ou seja, não fosse destinada a ela. A defesa de Iracema não aceitou a negociação.
Com isso, em agosto de 2023 o instituto encaminhou o caso à Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE). A PGE tem atribuição legal de defender direitos e interesses sobre o patrimônio imobiliário do Ceará. Recentemente, o órgão emitiu um parecer oficial apontando a legitimidade da escritura que Iracema possui.
A PGE-CE, então, fez uma contraproposta à empresária. Nesse acordo, segundo a Procuradora, conseguiu-se a renúncia dela de todas as terras que estivessem ocupadas por moradores ou quaisquer tipo de construções – mesmo estando dentro das áreas que ela reivindica.
Essas áreas, que correspondem a mais de 90% do que pertenceria à empresária, permaneceriam com o estado a fim de se dar continuidade ao processo de regularização da área, mantendo as pessoas em suas residências e o comércio local funcionando.
Sendo assim, somente terrenos que ainda estejam no nome do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará, e que não estavam ocupados, é que passariam a ser de posse empresária — ou seja, ela obteria uma parte menor considerando o todo da vila. Além disso, todas as vias e acessos locais teriam de ser preservados.
O acordo da PGE com a empresária foi firmado, mas não implementado. A implementação está suspensa pelo prazo de 20 dias, conforme informou a PGE-CE nesta sexta-feira (18).
Empresária reivindica 80% da área de paraíso turístico no Ceará
Arte/g1
O que diz a proprietária
Por meio de advogados, Iracema Correia São Tiago disse que “não tem interesse em interferir na rotina da Vila e que o acordo formalizado com o Governo do Ceará, através da Procuradoria Geral do Estado (PGE), prevê, inclusive, a renúncia às áreas que, mesmo dentro da sua propriedade, estão ocupadas, de forma a manter as moradias e empreendimentos já consolidados.”
Os advogados também dizem que Iracema só reivindicou o terreno 40 anos depois da aquisição porque não sabia que o estado havia feito o processo de arrecadação na região da Vila de Jericoacoara. (Arrecadação quer dizer que a vila foi incorporada ao patrimônio público, uma vez que não havia sido localizado um proprietário com escritura pública.
“A proprietária, buscando uma conciliação, deu entrada em um processo no Idace, propondo receber as áreas remanescentes e renunciar às demais áreas (…) Além disso, por meio do acordo firmado, várias áreas foram asseguradas ao Poder Público e em favor do bem-estar da comunidade”, pontuou a defesa.
Moradores dizem ter sido surpreendidos
Moradores de Jericoacoara protesta contra acordo sobre posse de áreas desocupadas da vila
Moradores e frequentadores reagiram com surpresa à informação sobre o acordo entre a empresária e a PGE-CE e realizaram um protesto na tarde do último domingo (13), cobrando explicações sobre o que tem sido negociado com áreas públicas da vila.
Na segunda-feira (14), a presidente do Conselho Comunitário de Jericoacoara, Lucimar Marques, esteve na capital Fortaleza para representar os moradores em reunião que incluiu membros da PGE-CE e do Idace. Ela diz que a comunidade só ficou sabendo de todo o processo na quinta-feira (10).
“Como eles não poderiam desapropriar a população, eles começaram a fatiar pedaços de terra específicos, como áreas verdes e áreas que não podem ser construídas pra entregar pra essa empresa para que ela não tivesse prejuízos”, comentou Lucimar em entrevista ao g1.
Ela afirma que a reunião teve o objetivo de esclarecer o processo. A presidente do conselho questiona o fato de nenhuma família ter aparecido para reclamar a propriedade na década de 1990, no período em que o estado conduziu a regularização fundiária.
“Foi feito um chamamento de todas as pessoas que tinham terras em Jericoacoara, foi quando começaram a legalizar as terras e a Idace preparar os títulos de terra para a população. E essa empresa não se manifestou, e teve prazo pra isso”, apontou Lucimar.
Em reação à notícia, os moradores se articularam para trazer visibilidade para a situação e cobrar os órgãos envolvidos. Para Lucimar, um risco é ver novas construções que substituam as áreas verdes por “paredões de alvenaria”.
Em abaixo-assinado, os moradores solicitam que o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) possa investigar o caso e paralisar as negociações em curso.
O Ministério Público do Estado do Ceará disse ao g1 que se reuniu com o Conselho Comunitário de Jericoacoara com o objetivo de formalizar o procedimento adequado. “Neste momento, o órgão ministerial analisa o caso para apurar eventuais irregularidades”.
Processo pelo Parque Nacional de Jericoacoara
As áreas que Iracema possui vão além da Vila de Jericoacoara. As duas propriedades que ela alega ser dona (as fazendas Junco I e Junco II) estão também sobrepostas às áreas do Parque Nacional de Jericoacoara.
Nos documentos do atual acordo entre a PGE-CE e a empresária Iracema Correia, existe também a informação de que, em agosto de 2022, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) abriu processo administrativo para que o Idace verificasse a matrícula dos terrenos Junco I, Junco II (também reivindicada por Iracema) e de uma outra propriedade (a fazenda Caiçara, que não pertence à Iracema) como possíveis terrenos com sobreposição ao Parque Nacional de Jericoacoara. A situação foi confirmada em verificação do Idace.
No Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) tramitam três ações de desapropriação indireta contra a União e o ICMBio propostas por autores que alegam deter a propriedade de áreas no interior do Parque Nacional de Jericoacoara. Entre eles, estão os casos das fazendas Junco I e II, reivindicadas por Iracema. Confira como estão os processos, segundo o TRF5:
Processo nº 0800668-04.2017.4.05.8103 (Junco I): Este processo está concluso para decisão do juiz, o que significa que o magistrado já está com os autos para proferir uma sentença ou decisão final.
Processo nº 0800669-86.2017.4.05.8103 (Junco II): No momento, o Ministério Público Federal (MPF) está com vistas para se manifestar a respeito de um pedido da parte autora, que questiona a perícia técnica realizada e solicita a realização de nova perícia. O MPF tem prazo até o dia 12 de novembro de 2024 para se posicionar. Após essa data, o processo também ficará concluso para decisão do juiz.
Paraíso turístico
Estado reconhece posse de proprietária para quase 83% da Vila de Jericoacoara e propõe acordo para não desapropriar moradores e estabelecimentos.
JL Rosa/SVM
A vila turística de Jericoacoara, que tem cerca de 3 mil moradores, fica fora do território do Parque Nacional de Jericoacoara e faz parte da área urbana do município de Jijoca de Jericoacoara.
É na vila onde estão os moradores, a rede hoteleira, bares e restaurantes. A partir da vila, os visitantes vão conhecer os pontos do Parque Nacional de Jericoacoara, que é uma Unidade de Conservação Federal, de responsabilidade do Instituto Chico Mendes (ICMBio).
A vila tem cerca de 88 hectares de extensão. Com áreas de mangue, piscinas naturais e formações icônicas, Jericoacoara se tornou um destino turístico internacional. A área possui um litoral propício para prática de kitesurf e windsurf, hotéis de luxo e diversas opções gastronômicas.
Moradores de Jericoacoara protesta contra acordo sobre posse de áreas desocupadas da vila
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