16 de outubro de 2024

Enterobacter cloacae: bactéria que infectou 15 pacientes em mutirão no RN é comum no intestino

Cirurgias de cataratas são de baixo risco e normalmente não levam a endoftalmite, infecção que atingiu 15 de 20 pacientes operados no dia 27 de setembro no município de Parelhas. Enterobacter cloacae: bactéria causadora de infecção em 15 pacientes após mutirão de cirurgias no RN é encontrada no intestino
Adobe Stock
As infecções que atingiram 15 pacientes após um mutirão de cirurgia de catarata em Parelhas (RN) são extremamente raras e graves, de acordo com médicos ouvidos pelo g1. Os pacientes apresentaram sintomas de endoftalmite, infecção no interior do olho causada por bactéria e que geralmente leva a perda de visão.
O mutirão aconteceu nos dias 27 e 28 de setembro na Maternidade Dr. Graciliano Lordão e 48 pessoas passaram por cirurgias: 20 pacientes no primeiro dia e 28 no segundo. Das 20 pessoas atendidas na sexta-feira (27), 15 apresentaram sintomas de endoftalmite e oito delas precisaram retirar o globo ocular afetado.
Qual é a bactéria e onde é encontrada
A Enterobacter cloacae – bactéria responsável pelas infecções – comumente é encontrada no trato intestinal das pessoas e contribui para a regulação do funcionamento, de acordo com o infectologista Natanael Adiwardana, do Hospital São Luiz Itaim, da Rede D’Or.
Como a bactéria pode ser transmitida e o que que pode causar?
Caso a Enterobacter cloacae saia do trânsito intestinal e atinja outros órgãos, pode gerar inflamação e infecções de diversas formas. Ela pode ser transmitida também por mãos infectadas durante traumas em superfícies machucadas com feridas abertas, como na pele ou no próprio olho.
Esta bactéria pode causar uma série de infecções, como: urinárias, respiratórias, sanguíneas, endocardite (infecção no coração), pneumonias associadas a ventilação, diverticulites, apendicites e infecções em diversos outros órgãos através de uma lesão no intestino. No olho, assim como outras bactérias, pode gerar doenças graves, como a endoftalmite.
Como evitar a bactéria?
A prevenção de infecções por Enterobacter cloacae é feita primeiramente pela boa higiene de mãos e assepsia rigorosa do profissional de saúde e dos equipamentos utilizados em todos os momentos próximos e durante o ato da cirurgia.
“A higiene das mãos reduz muito qualquer complicação infecciosa, principalmente em ambientes de assistência à saúde. O uso de dispositivos invasivos como sonda vesical e cateter venoso pelo tempo mínimo necessário durante a assistência hospitalar também contribui para reduzir o risco de infecções”, acrescenta o infectologista Adiwardana.
Além da lavagem de mãos, os rigorosos protocolos para uma cirurgia segura incluem o uso de equipamentos de proteção individual – como luvas estéreis, máscaras, toucas, aventais por toda a equipe cirúrgica – e de equipamento cirúrgico esterilizado por autoclave ou outro método de esterilização eficiente, entre outros cuidados, segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Oswaldo F Moura Brasil.
“Quando a gente fala em cirurgia, a gente fala também do ambiente controlado. O centro cirúrgico deve ser limpo de forma rigorosa e são necessários determinados controles de temperatura de umidade de ar. Então, todas essas coisas contribuem para que não haja este tipo de contaminação e é sempre importante lembrar também da questão pós-operatória, de que tem que haver uma orientação para higiene”, complementa Brasil.
O professor de infectologia do Hospital São Paulo da Unifesp Carlos Kiffer destaca ainda que cirurgias de cataratas são de baixo risco e normalmente não levam a infecções deste tipo.
“Quando isso acontece, a gente suspeita de alguma quebra no procedimento de cirurgia segura. Qualquer bactéria que aparece após um procedimento cirúrgico é um problema”, explica Kiffer.
O uso racional de antibióticos, somente quando são necessários, também diminui a chance de desenvolver infecções por bactérias dessa espécie que sejam mais difíceis de tratar (resistentes aos medicamentos).
Casos de endoftalmite por Enterobacter já foram descritos em revistas científicas. Alguns foram causados por situações de trauma contra o olho, por doenças oculares que levaram à maior predisposição a ter infecção ocular, e após procedimentos cirúrgicos oculares.
“Nós todos somos portadores da bactéria Enterobacter cloacae. A questão é como a bactéria chegou ali. Ela foi transmitida de alguma forma. A gente suspeita que tenha sido uma fonte comum uma vez que foram 15 casos ao mesmo tempo após um mesmo procedimento. A contaminação provavelmente ocorreu durante ou após o ato cirúrgico – eventualmente até durante o período de realização de curativos, por exemplo”, afirma o professor Kiffer.
Entenda o caso
Uma investigação sobre a infecção que atingiu os 15 pacientes do mutirão de cirurgias deverá analisar a água utilizada no hospital, o centro cirúrgico, o processo de esterilização dos equipamentos e outros possíveis fatores de contaminação.
Segundo a prefeitura de Parelhas, na região Seridó potiguar, onde as cirurgias aconteceram, as análises na área de saúde foram solicitadas pela Subcoordenadoria de Vigilância Sanitária (Suvisa), que comanda uma apuração sobre o caso. Elas serão realizadas pelo Laboratório Central do Rio Grande do Norte, ligado à Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap).
O município também instaurou um inquérito para investigar as circunstâncias e responsabilidades no caso.
A Prefeitura de Parelhas informou que encaminhou uma notificação formal à empresa Oculare Oftalmologia Avançada, responsável pelas cirurgias oftalmológicas no município, “exigindo esclarecimentos imediatos”.
“A Prefeitura reitera que as cirurgias foram realizadas dentro da legalidade, e o Município está arcando com todos os atendimentos e procedimentos médicos necessários aos pacientes, inclusive pagando por consultas particulares em alguns casos, para que todos possam ter o melhor acompanhamento possível”, informou o município por meio de nota enviada ao g1.
Além da assistência médica, o município disse que tem mantido suporte psicológico, monitoramento contínuo e cobertura de tratamento e consultas.
Segundo o município, cerca de 330 procedimentos do mesmo tipo foram realizados desde maio de 2022, antes do mutirão de setembro. “Apenas nesse tivemos complicações”, declarou o secretário de Saúde do município Tiago Tibério dos Santos.
Uma das 15 pessoas infectadas foi a costureira Vitória Dantas, de 49 anos, que ainda teme precisar retirar o globo ocular.
Ao g1, a Polícia Civil disse que não tinha informações sobre registros de ocorrências relacionadas a esse caso.
Empresa diz que seguiu protocolos em cirurgia
Em nota enviada ao g1, a empresa contratada pelo município de Parelhas para realizar as cirurgias, Oculare Oftalmologia Avançada, afirmou que o mutirão de cirurgias oftalmológicas foi conduzido por um oftalmologista experiente”, que seguiu protocolos médicos e de segurança exigidos, “visando garantir o sucesso dos procedimentos e o bem-estar dos pacientes”.
“Assim que os primeiros casos de complicações foram relatados, a equipe médica prontamente reavaliou todos os pacientes e tomou as medidas necessárias para o tratamento imediato, disponibilizando serviço médico especializado em tempo integral. Os pacientes afetados estão recebendo toda a assistência médica, incluindo tratamento com antibióticos, conforme os melhores protocolos oftalmológicos, bem como submissão à realização de vitrectomia nos casos indicados”, informou a empresa.
Ainda de acordo com a nota, amostras biológicas foram coletadas e uma investigação é conduzida pela Superintendência de Vigilância Sanitária (Suvisa) para entender o que poderia ter levado às infecções nos pacientes operados.
A Vigilância Sanitária, vinculada à Secretaria de Saúde do Rio Grande do Norte, informou que a apuração segue em curso e os “resultados serão comunicados ao fim do procedimento”.
Pacientes perdem a visão depois de mutirão de cirurgias em Parelhas

Mais Notícias