18 de janeiro de 2025

Entre esterco e BTS, Coreias do Norte e do Sul travam conflito psicológico com envio de balões; entenda

Novo capítulo da guerra entre países, que eram o mesmo até 1945, tem envio de balões com sucessos do k-pop e lixo. Coreia do Norte e Coreia do Sul travam a batalha dos balões
A nova fase da tensão entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte não tem a ver com mísseis ou bombas. Agora a discussão vem dentro de balões.
Ativistas sul-coreanos mandam balões com sucessos do k-pop, o famoso estilo musical do país, e folhetos criticando duramente o governo norte-coreano. Já o outro lado envia balões cheios de lixo e até com esterco.
Exemplo disso é “Dynamite”, sucesso do grupo sul-coreano BTS. “Dynamite” significa dinamite. E, justificando o nome, a canção tem sido usada como “arma” em um novo conflito entre os países vizinhos.
A analista Jean H. Lee explica:
“É o que se chama de guerra psicológica entre as duas Coreias. Esses lançamentos de balões acontecem há décadas, e dos dois lados. Como eu conto em um programa de rádio que fiz pra BBC, minha família tinha uma sepultura na Coreia do Sul, perto da fronteira. Quando a gente visitava, o vento sempre trazia folhetos da Coreia do Norte.”
A batalha mais recente começou há cerca de duas semanas, quando pousaram na Coreia do Sul centenas de balões esquisitos. Cheios de lixo, baterias usadas e esterco. A Coreia do Norte que mandou. E continua mandando.
“Como se fosse um lembrete do Norte para o Sul: ‘olha, nós estamos aqui pertinho, e podemos enviar o que quisermos, que o vento leva para aí'”, diz Lee.
Vale ressaltar que a Coreia do Norte tem armas nucleares. Em um primeiro momento, quem retaliou não foi o governo sul-coreano, mas sim organizações particulares, de refugiados da Coreia do Norte que agora moram no sul.
Este grupo é comandado pelo senhor Park Sang-hak, que escapou do norte em 1997. Esta semana, ele apareceu ao vivo na internet.
“Quando Kim Jong-un faz algum tipo de ameaça ao nosso povo, a mídia tem que se mexer. Os políticos têm que se mexer. Para dizer que o povo tem que se opor a essas ameaças, com calma e de forma correta.”
Só depois de o senhor Park soltar seus balões, o governo sul-coreano tomou uma atitude prática: segundo depoimentos à agência de notícias Associated Press, botou pra tocar na fronteira os sons do BTS, no último volume, em alto-falantes voltados pro norte.
“Eu já vi essa caixas de som de perto. São muito potentes”, afirma Lee.
Até 1945, as Coreias formavam um único país. Mas, depois da Segunda Guerra Mundial, americanos e soviéticos fizeram um acordo. Do paralelo 38 pra baixo, surgiu a Coreia do Sul, controlada por um ditador, fiel aos Estados Unidos. Do paralelo 38 pra cima, criou-se a Coreia do Norte, também uma ditadura, mas alinhada à União Soviética.
Na época, a Coreia do Norte era mais rica que a do Sul. Mas, a partir dos anos 1980, a Coreia do Sul se desenvolveu muito. Tornou-se uma democracia e uma potência tecnológica.
“Entre 2008 e 2017, eu, como jornalista, vivia entre a Coreia do Sul e a do Norte. Era de partir o coração ver que a Coreia do Norte, a partir de um certo ponto, tomou um rumo ideológico muito errado. E que logo ali do outro lado da fronteira estava um dos países mais ricos do mundo”, fala Lee.
A Coreia do Norte é a única ditadura comunista hereditária da história.
Foi fundada por Kim Il-sung, que foi sucedido pelo filho, Kim Jong-il, que também escolheu como sucessor um filho, Kim Jong-un.
“A Coreia do Sul é nosso vizinho mais próximo e o país mais hostil. A tensão está crescendo”, afirmou Jong-un em um discurso.
Fechada ao exterior, a Coreia do Norte tem controle absoluto sobre as informações que chegam aos cidadãos. O “Fantástico” esteve lá em 2018. Uma visita muito rara pra jornalistas estrangeiros.
Na televisão, tem dois canais norte-coreanos. Ambos passam a mesma programação. E também tem muito programa a favor do grande líder. A favor do governo. É isso o dia inteiro.
A Coreia do Norte é a sociedade mais militarizada do mundo. Cancelas militares controlam quem entra e quem sai da cidade.
Mesmo assim, com tanta censura e repressão, existe quem pense em fugir. O problema é como.
Escapar pela fronteira da Coreia do Norte com a do Sul é praticamente impossível. Os poucos que tentam costumam levar tiro, porque é uma região altamente militarizada.
Lá pelo extremo nordeste, na pequena fronteira com a Rússia, é dificílimo também, porque é uma área de acesso complicado e também muito vigiada.
Resta então a longa fronteira com a China, de mais de 1.400 quilômetros. Entre os dois países, ficam os rios Yalu e Tuman. Em alguns trechos, a separação dos países é bem estreita.
É por esses lugares, principalmente no inverno, quando o rio congela, que alguns norte-coreanos arriscam a vida tentando cruzar a pé uma das fronteira mais vigiadas e armadas do mundo.
A americana Madeleine Gavin dirigiu um documentário, ainda inédito no Brasil, que registra o passo a passo da fuga desesperada de uma família norte-coreana de cinco pessoas, incluindo uma senhora de oitenta anos.
A família, de sobrenome Roh, ficou escondida em um casebre na china. Foram acolhidos por um agricultor que viu os viu vagando pelas montanhas.
“Tiveram uma sorte incrível, de encontrar alguém que não os entregou para a polícia, e que conhecia alguém que conhecia alguém que conhecia o pastor Kim”, diz Gavin.
O pastor Kim é um sul-coreano que ajuda nas fugas da Coreia do Norte. Uma rede clandestina coordenada por ele tirou a família Roh do casebre, e atravessou a China em um falso carro de polícia.
Depois entraram no Vietnã e passaram para o Laos. Todos esses países são aliados da Coreia do Norte. Se a polícia apanhasse os fugitivos, eles seriam devolvidos para a terra natal.
“No Vietnã e no Laos, nós mesmos filmamos a família. Mas na China nós não entramos. Lá, tudo foi gravado ou pela própria família ou pelo pessoal que ajudou na fuga”, conta Gavin.
Em um roteiro tenso, com 100% de imagens reais, a equipe de filmagem acompanha a família até o último passo: a travessia do rio que separa o Laos da Tailândia. Ao chegar à Tailândia, eles ficam livres.
“Da China até a Tailândia, foram dois meses de fuga”, afirma a americana.
Os norte-coreanos que moram perto da China, como era o caso da família Roh, têm alguma noção da vida em outros países.
Mas as pessoas não são livres pra circular pela Coreia do Norte. Então, quem vive longe das fronteiras depende de iniciativas como as dos balões para conhecer um pouco do mundo externo.
“Muitos refugiados norte-coreanos estão envolvidos em levar informação para a Coreia do Norte. Seja contrabandeando pen drives pela fronteira, seja lançando balões”, afirma Gavin.
Os balões do sul pro norte variam conforme o grupo responsável. Há quem mande cópias do Evangelho; quem envie pen drives com filmes e novelas sul-coreanas e ocidentais; e até uma organização secreta que instala nos balões uns aparelhos, que, lá do alto, soltam panfletos contra Kim Jong-un.
Mas será que tudo isso serve pra alguma coisa?
“Os sul-coreanos querem mostrar ao povo do Norte que o Sul é uma democracia, onde as pessoas podem se expressar. Mas também penso no perigo que os norte-coreanos correm se levarem uma carga dessas pra casa”, diz Lee.
“Imagine se em um pen drive estiver aquele filme ‘A Entrevista’, uma comédia americana sobre um suposto assassinato de Kim Jong-un. Quem for pego com isso corre risco de vida.”
Mas esse dilema não abate o senhor Park.
“Nos últimos 17 anos, enviamos cerca de 70 a 80 milhões de folhetos contra o Norte. Temos que ter coragem de lutar contra a audácia de Kim Jong-un. Se tivermos medo, não vamos conseguir fazer nada.”
E, esta semana, o homem avisou: vai continuar soltando balões.
“É nossa missão e obrigação fazer isso.”
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