A manifestação artística e cultural surgiu na época do Ciclo da Borracha, do lado de fora de um dos principais teatros do mundo. Tradição que só existe no Pará: os pássaros juninos fazem as festividades de São João voar mais alto no Pará
Acervo do Grupo Colibri
Junho é o mês de cores, ritmos e danças. Nesta época do ano, a cultura e o folclore ficam em alta. Em especial nas cidades das regiões Norte e Nordeste, onde quadrilhas e bois-bumbás se apresentam nas festas de São João, que reúnem multidões. Uns vão para apreciar, outros para brincar.
No Pará, o mês dos santos populares traz uma manifestação artística-cultural única, que surgiu no final do século XIX e início do século XX, período do Ciclo da Borracha na Amazônia. Os pássaros juninos representam uma tradição que alia teatro, dança, música e lendas amazônicas.
Embora seja uma manifestação que exalte o folclore popular, os pássaros juninos não são considerados grupos folclóricos. São grupos teatrais que se nutrem do imaginário amazônico, com suas lendas e talentos, para levar ao público a dramaturgia que se faz, principalmente nas periferias.
Quanto ao enredo, há diversas formas criativas de contar e todas elas misturam o drama, comédia e romance. Tudo gira entorno dos personagens centrais que são o pássaro, o caçador e a mulher que o caçador ama.
No geral, o caçador acaba tirando a vida do pássaro e vive uma saga para conseguir que o animal volte a vida. Vale até recorrer aos seres da floresta.
A sabedoria indígena faz parte do enredo dos pássaros juninos
Acervo do Grupo Colibri
O curioso sobre os pássaros juninos é que esta manifestação que só existe no estado do Pará. Começou na Praça da República, no centro da capital paraense. Bem ao lado do Theatro da Paz, que recebia grandes eventos durante a Belle Époque.
Os trabalhadores que levavam a elite até o teatro e ficava aguardando do lado de fora, passavam o tempo brincando de encenar e satirizar os espetáculos que eram realizados no interior do Da Paz.
Alguns pesquisadores citam que esta brincadeira chamou a atenção das companhias de teatros locais.
Pássaros juninos se apresentam no Theatro da Paz e demais palcos de Belém
Acervo do Grupo Colibri
Das ruas para os palcos
Atualmente, o majestoso teatro, que no passado excluía essa manifestação popular, também cede o palco para as apresentações dos pássaros juninos.
“Você não imagina a emoção que é ver no palco do Theatro da Paz um espetáculo que foi criado do lado de fora dele, porque nem todo mundo podia ter acesso aos grandes eventos que ali era realizados”, conta Laurene Ataíde, sem esconder a emoção em seus olhos.
A fala dela faz referência a apresentação do Pássaro Junino Colibri, que reúne artistas e brincantes do distrito de Outeiro, em Belém.
Laurene é a guardiã do pássaro – como são intitulados os responsáveis pelos grupos e por manter a tradição. O pássaro junino Colibri existe há 53 anos. Começou com a mãe dela e hoje ela se diz honrada em dar continuidade nas revoadas do pássaro.
Questionada sobre a experiência de se apresentar no principal teatro da capital paraense, a guardiã define como a realização de um sonho. “A minha mãe não pode realizar, hoje a gente participa até de festivais”, destaca.
Lendas amazônicas estão presentes nos pássaros juninos
Acervo do Grupo Colibri
Belém não tem catalogado um número exato de pássaros juninos, mas em média, a cada ano, entre 20 a 30 grupos participam das programações oficiais (do Estado e do Município) de São João.
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As apresentações também ocorrem em escolas públicas e privadas, como atividade para os alunos. Estes espetáculos, no entanto, não entram para o calendário oficial.
3ª geração
O Grupo Junino Pavão foi fundado em 1985 pelo ator, dramaturgo, compositor e músico Francisco Oliveira. Hoje, a direção deste pássaro junino já está na terceira geração, com o também ator e dramaturgo Harles Oliveira, à frente.
“Começou no bairro do Carananduba, no distrito de Mosqueiro, e atualmente a nossa sede está no Conjunto Maguari, na capital”, relata.
Ele conta que conforme a família foi crescendo a tradição foi se espalhando. “Os Oliveiras três pássaros juninos. Eu sou guardião do Pavão, mas temos o Tucano e o Arara-juba”, enumera.
A irmã e a prima de Harles são responsáveis pelos demais grupos. “A gente perpetua o legado do meu avô”, comenta.
“Os pássaros juninos, na verdade, representam a resistência de uma tradição cultural que é genuinamente paraense. Os pássaros juninos existem por amor à arte, a tradição e a cultura”, frisa Harles, guardião do Pavão.
A colocação dele traz um tom de saudosismo, pois veio pouco antes de ele citar que a capital paraense se já teve um teatro considerado a casa ou o ninhos dos pássaros juninos. Foi o Teatro São Cristóvão, que hoje não existe mais.
O guardião pontua ainda que o enredo do pássaro junino traz uma temática que preza pela preservação da fauna amazônica e também brasileira. Faz uma crítica a quem não respeita a biodiversidade da região, tampouco defende a preservação.
Crianças entram em cena com os pássaros juninos
Acervo do Grupo Colibri
Saiba mais sobre os pássaros juninos no vídeo:
Pássaros Juninos são tradição no Pará
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