15 de novembro de 2024

Escritório de presidente de órgão de proteção ao patrimônio de SP recebe mais de R$ 1 milhão por projeto aprovado por ele mesmo

Ministério Público contesta projeto por causa do corte de árvores, além da ideia de construir um prédio-garagem às margens do Córrego Pirajussara Mirim. Carlos Augusto Mattei Faggin foi condenado por improbidade após atuar no processo de destombamento de um casarão histórico em Guarulhos. Casarão Saraceni, em Guarulhos, na Grande SP
Instituto São Paulo Antiga
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Fundação Butantan
Reprodução/ TV Globo
O escritório de arquitetura de Carlos Augusto Mattei Faggin, presidente do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado), recebeu mais de R$ 1 milhão para fazer o projeto do Plano Diretor da Fundação Butantan, que prevê a construção de um complexo industrial para a produção de vacinas na área tombada como patrimônio histórico e ambiental.
O projeto do FGGN Arquitetos foi aprovado pelo mesmo Condephaat que é presidido por Faggin desde 2017.
O Ministério Público contesta o projeto por causa do corte de árvores, além da ideia de construir um prédio-garagem às margens do Córrego Pirajussara Mirim.
Sonia Imperio Hamburguer, economista e participante do coletivo Rede Butantan, questiona o possível conflito de interesse:
“Como que ele pode, numa instituição como o Condephaat, que é um órgão de proteção do patrimônio e do interesse público, ao mesmo tempo ser proponente desse projeto?”.
A Fundação Butantan informou que Faggin não desempenha nenhuma atividade para o instituto desde fevereiro de 2023. Disse também que o projeto de consultoria para ampliação do espaço, iniciado em 2018, foi encerrado.
Condenação por improbidade administrativa
Faggin foi condenado por improbidade administrativa por atuar no processo de destombamento de um casarão histórico em Guarulhos, na Grande São Paulo. Gustavo Henric Costa, o Guti (PSD), atual prefeito do município, também foi condenado.
A Justiça de São Paulo também condenou o ex-prefeito Sebastião de Almeida (Solidariedade), servidores públicos e parlamentares que votaram a favor do projeto de destombamento — incluindo Guti, que era vereador na cidade. No total, foram condenadas duas empresas e 39 pessoas físicas.
Todos os envolvidos atuaram no processo de destombamento do Casarão Saraceni, um dos raros imóveis que contavam a história da imigração italiana em Guarulhos, o segundo maior município do estado de São Paulo;
Os desembargadores determinaram que os condenados percam as funções públicas e os direitos políticos por três anos;
Eles ainda deverão pagar uma multa de cinco vezes o valor do último salário recebido como agente público;
O imóvel, que ficava no estacionamento do Internacional Shopping Guarulhos, foi tombado em 2000 como patrimônio do município;
Mas em 2010, com base em um documento assinado por Carlos Augusto Faggin, ele foi destombado com autorização da Câmara Municipal e da prefeitura.
À época, Faggin ainda era conselheiro do órgão estadual de defesa do patrimônio.
Por sua empresa particular, o escritório de arquitetura FGGN, Faggin assinou um laudo defendendo o destombamento sob a justificativa de que “o casarão não era relevante e nada tinha de interessante”.
Com esse documento, o vereador Geraldo Celestino encaminhou um projeto para revogar a proteção ao imóvel. Assim que o imóvel deixou de ser protegido, começou a ser demolido. (veja o antes e depois abaixo)
No lugar do casarão, o shopping, dono do terreno, construiu mais vagas para carros, mas a mudança na paisagem logo entrou na mira do Ministério Público.
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“O tribunal considerou como um ato de improbidade, ou seja, um ato de corrupção, algo grave, uma conduta realmente preocupante, que tem consequências bem pesadas no Direito”, explicou Marcelo Figueiredo, advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP.
Ação Civil do Ministério Público
O processo de destombamento foi alvo de Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público. O órgão apontou que a proposta “não traz qualquer benefício à coletividade. Apenas visa beneficiar economicamente as empresas que exploram o Internacional Shopping de Guarulhos, que tinham a nítida intenção de ampliação de seu estacionamento”.
As defesas dos condenados pediram mais explicações ao Tribunal de Justiça. Por isso, as penas ainda não podem ser cumpridas.
“Falta o julgamento de um recurso chamado embargos de declaração. Essa decisão não é leve, é uma pena pesada, que vai atingir não só o bolso das pessoas, como também a reputação das pessoas condenadas”, destacou o professor Marcelo Figueiredo.
Família Saraceni reunida diante do casarão no natal de 1951
Instituto São Paulo Antiga
Casos semelhantes
O Ministério Público acompanha outros dois casos com procedimentos semelhantes.
Em fevereiro, o SP2 mostrou que o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio de São Paulo) decidiu não estudar o tombamento de um casarão demolido nos Jardins, na Zona Oeste da capital, com base em um laudo apresentado pela construtora interessada no terreno.
O documento, que dizia que o imóvel não tinha relevância histórica, também foi assinado por Carlos Augusto Faggin, que disse que o imóvel não tinha relevância histórica.
O que dizem os envolvidos
A defesa de Carlos Augusto Faggin informou que o arquiteto apenas elaborou parecer técnico sobre as características arquitetônicas e históricas da Casa Saraceni e que esse parecer tinha como objetivo informar e sugerir providências à administração pública. A defesa do arquiteto ressaltou, ainda, que ele não se tornou réu nesta ação por ser presidente do Condephaat, mas por ter elaborado o documento.
A Secretaria Estadual de Cultura, responsável pelo Condephaat, disse que não existe impedimento legal para que Carlos Augusto Faggin ocupe o cargo. A pasta também afirmou que todos os conselheiros têm autonomia para elaborar pareceres técnicos e participar de projetos com suas empresas ou como pessoa física, desde que não exista relação direta com o conselho.
Guti, atual prefeito de Guarulhos, considerou a decisão equivocada e disse que vai recorrer.
O Internacional Shopping de Guarulhos informou que não tem conhecimento do processo e que a área onde estava o casarão não pertence ao shopping desde 2022.
O SP2 não conseguiu contato com o ex-prefeito Sebastião de Almeida e com vereador Geraldo Celestino.

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