Mecanismo da época do império permanece na legislação e evita punição, por exemplo, em casos envolvendo marido e mulher ou pai e filha. O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar uma ação que quer impedir a aplicação das chamadas “escusas absolutórias” a casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Uma decisão sobre o caso poderá ter impactos em casos de violência patrimonial contra este grupo da população.
Fachada do Supremo Tribunal Federal.
Gustavo Moreno/SCO/STF
Ainda não há data para julgamento. O pedido chegou ao tribunal no último dia 9.
O relator, ministro Dias Toffoli, decidiu na última quinta-feira (15) que o processo será analisado diretamente em plenário, sem uma decisão individual sobre o pedido de suspensão imediata da aplicação do trecho.
Seguindo o rito deste tipo de ação, Toffoli também determinou que a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) opinem sobre o tema.
O que são ‘escusas absolutórias’
As ‘escusas absolutórias’ estão previstas no Código Penal, de 1940.
A lei estabelece situações de isenção de pena para alguns tipos de crimes contra o patrimônio, sem violência ou grave ameaça (furto, apropriação indébita, estelionato, por exemplo):
quando um cônjuge comete o delito contra o outro, no contexto do casamento;
quando o crime ocorre entre pais ou filhos;
O processo cita exemplos de situações em que o dispositivo pode ser usado:
quando um homem comete um furto contra sua própria esposa;
quando o pai que realiza apropriação indébita de patrimônio de sua filha;
quando o filho pratica um estelionato contra a sua própria mãe (desde que ela não seja pessoa idosa, que tem proteção específica no Estatuto do Idoso);
o marido que, de posse do cartão da esposa, faz saques bancários sem o seu consentimento;
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Ação
O pedido foi apresentado no último dia 9 pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).
Na ação, a associação sustenta que o mecanismo foi incluído na legislação brasileira ainda no Código Criminal do Império, de 1830, repetido na versão da lei penal de 1890 e mantida na edição do Código Penal de 1940.
O objetivo do mecanismo seria preservar relações familiares entre autor e vítimas de crimes. Mas, segundo a Conamp, já não cabe mais no contexto atual – não são compatíveis com a Constituição e trazem danos ao combate à violência contra a mulher.
“Se naquele momento histórico [o do Código Penal de 1940] o critério adotado pelo legislador brasileiro não gerou maiores discussões, uma vez que o próprio Código Civil em vigor previa a hierarquia entre marido e esposa no seio das relações familiares, hoje, as escusas absolutórias, ao menos quando interpretadas à luz da atual Constituição da República, do Direito Internacional dos Direitos Humanos, quando aplicadas em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, consubstanciam inconstitucional anacronismo jurídico”, afirmam.
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Luisa Rivas | Arte g1
De acordo com a ação, embora as “escusas absolutórias” aparentem ser aplicáveis igualmente a homens e mulheres, quando se verifica o uso em casos concretos, há “um impacto desproporcional em um grupo vulnerável específico: mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.
“Na ampla maioria dos casos envolvendo a aplicação das imunidades penais previstas no art. 181 e seguintes do Código Penal, são as mulheres em situação de violência doméstica e familiar as destinatárias finais da violência patrimonial em território nacional. Por consequência lógica, são os homens, autores de violência doméstica e familiar contra a mulher, os beneficiários por excelência das escusas absolutórias”.
A Conamp aponta a violação a princípios constitucionais, incluindo o da dignidade da pessoa humana, igualdade, da não-discriminação e do devido processo legal. A associação também afirma que as “escuas absolutórias” também dificultam a atuação do Ministério Público, que tem o dever de promover processos na Justiça em casos de crimes.
“Não é necessário um esforço hercúleo por parte do intérprete para se chegar a uma única e possível conclusão à luz do texto constitucional: a isenção de pena em tais casos é incompatível com o atual estágio protetivo do Direito das Mulheres, caracterizando perniciosa violação à dignidade das ofendidas”, concluiu a associação.