Tentativa de parada se estendeu da Linha Vermelha ao Jardim Botânico sem que reforço fosse usado para impedir a passagem dos fugitivos. Quatro pessoas morreram durante uma perseguição policial no Rio
Há pouco mais de uma semana, o RJ se chocou com uma perseguição policial, por quase 30 KMs, por algumas das principais vias da cidade. Dois PMs e dois bandidos criminosos morreram na hora, em um acidente trágico no Jardim Botânico (relembre na reportagem acima).
Chamou a atenção a longa distância e tempo de percurso, e o fato de que não houve um fechamento de cerco policial à frente dos carros, mesmo eles tendo passados por vias expressas com poucas entradas e saídas: a Linha Vermelha, o Elevado Paulo de Frontin e o Túnel Rebouças.
Especialistas em segurança pública ouvidos pelo g1 dizem que houve erros de procedimentos na tentativa de abordagem dos fugitivos. A Polícia Militar informou que apura as circunstâncias do fato.
“Em casos de fuga, os policiais envolvidos na ação devem comunicar à sala de operações da unidade da área e iniciar uma ação de cerco, que receberá o apoio de outras equipes (…) Sobre a citada ação na Linha Vermelha, um procedimento apuratório interno foi instaurado pela corporação para analisar todas as circunstâncias do fato”, escreveu a corporação (veja a íntegra da nota no fim da reportagem).
Mapa mostra perseguição que terminou com quatro mortos
Infografia: Wagner Magalhães e Luisa Rivas/g1
A fuga começou nas imediações de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, e só terminou 27 km depois, na saída do Túnel Rebouças para a Rua Jardim Botânico, na Zona Sul. Em uma descida estreita e de curva fechada, os dois carros capotaram.
No acidente, morreram na hora os soldados do Batalhão de Policiamento em Vias Expressas (BPVE) Bruno Paulo da Silva e Bruno William Batista de Souza, ambos de 30 anos.
Thiago Henrique Medeiro Figueiredo e Diego Ferreira Amaral, os fugitivos, também morreram. Eles eram investigados por crimes como homicídio e tráfico de drogas pela Polícia Civil de Minas Gerais.
Segundo a Polícia Militar, quatro PMs estavam em uma blitz no Km 19,5 da Linha Vermelha, próximo à alça de saída da Rodovia Presidente Dutra, em São João de Meriti, quando mandaram o motorista do Onix vermelho parar. O carro, no entanto, acelerou. Os militares entraram em 2 viaturas e iniciaram a perseguição.
Em alta velocidade, os veículos seguiram no sentido Centro da Linha Vermelha. Passaram pelas ilhas do Governador e do Fundão, atravessaram o Complexo da Maré e o Caju. Após passarem sobre São Cristóvão, na chegada ao Centro, cruzaram a última saída da Linha Vermelha.
Da entrada do Viaduto Engenheiro Freyssinet (conhecido como Elevado Paulo de Frontin), foram mais de 6 km sem uma única possibilidade de sair – segundo especialista, este seria um facilitador para montar um bloqueio à frente dos carros.
A primeira saída foi justamente onde houve o acidente, após os 3 km das duas galerias do Túnel Rebouças.
Viatura ficou destruída
Reprodução/TV Globo
Do começo da tentativa de parada até o local do acidente, os PMs e os suspeitos em fuga passaram por áreas de vários batalhões. Câmeras da CET-Rio registraram parte da corrida. Não houve tentativa de bloqueio das vias.
A PM não confirmou se houve troca de tiros durante a perseguição, mas na porta traseira do lado direito do carro de passeio havia uma marca de um disparo. A Polícia Militar diz ainda que “o disparo de arma de fogo é o último recurso a ser utilizado pelo policial militar, diante de perigo extremo contra sua vida e/ou de outras pessoas”.
Motorista do Onix não obedeceu a uma ordem de parada
Reprodução/TV Globo
O que diz a Polícia Militar
Em nota, a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado da PM informou que, “no âmbito das abordagens, os policiais militares recebem treinamento e obedecem a normativas técnicas instruídas pela corporação pautadas pela legislação em vigor”.
A PM diz ainda que, “em casos de fuga, os policiais envolvidos na ação devem comunicar à sala de operações da unidade da área e iniciar uma ação de cerco, que receberá o apoio de outras equipes”.
A corporação não informou se os policiais fizeram essa comunicação à central e disse que apura o caso. “Sobre a citada ação na Linha Vermelha, um procedimento apuratório interno foi instaurado pela corporação para analisar todas as circunstâncias do fato”.
Além da PM, a 15ª DP (Gávea) também abriu um inquérito para apurar o caso.
O que dizem especialistas
Antônio Rayol, delegado federal aposentado e especialista de segurança, lembra que em muitas cidades americanas perseguição a suspeitos não é mais permitidas, por colocar os agentes, os suspeitos e terceiros em risco.
Atualmente, segundo Rayol, os criminosos que fogem da abordagem por esses locais são parados em bloqueios feitos pelos policiais.
“Quando uma pessoa fura uma blitz, a polícia não pode atirar. Fugir não é reagir, ele pode tentar não ser preso. Exceto quando suspeito está em um carro e atira contra os policiais. Nesse caso, o policial atira em legítima defesa. Mas, caso contrário, cabe a polícia estabelecer mecanismos que impeça a fuga. Volta e meia, nos deparamos com situações de a polícia atirar em pessoas que furam uma barreira. Irregular essa tentativa de parada”, diz o delegado federal.
“Em muitas cidades americanas não é mais permitido fazer aquelas perseguições cinematográficas. O suspeito vai embora e é parado lá na frente com barreiras.”
Os soldados Bruno Paulo da Silva e Bruno William Batista de Souza Ribeiro
Reprodução
Para Antônio Rayol, é preciso entender o motivo de ter acontecido “uma perseguição tão longa em nenhum tipo de bloqueio”.
“Eu não estava lá e não sei as circunstâncias de não ter tido um bloqueio. Mas, é inexplicável percorrer quase 30 kms e ninguém ter feito um bloqueio. A polícia tem que se comunicar. Os criminosos entraram em um túnel longo e isso facilitaria o trabalho dos policiais. É preciso entender o que aconteceu. Morreram os policiais e os suspeitos. Mas, terceiros – que estivessem à pé ou em outros carros – também poderiam ter sido vítimas desse incidente”, afirma.
Investigados em Minas, Thiago e Diego também morreram durante perseguição no Rio
Reprodução
Sem protocolos claros
De acordo com José Ricardo Bandeira, presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina (Inscrim), as polícias do estado não dispõem de um protocolo claro e específico de como abordar uma pessoa que desrespeita uma ordem de parada.
“Infelizmente, não existem protocolos na segurança do Rio. O que existem são treinamentos e eles não são seguidos na prática pelos agentes, porque não existe uma cartilha para tais eventos. Por conta disso, por falta de clareza, acontecem diversos erros que frequentemente são noticiados. O que fazer quando um motorista fura uma blitz? Muitos dos PMs atiram. Mas o protocolo não deveria ser atirar. A falta de um protocolo leva a casos como o da última semana”, conta José Ricardo, que completa:
“No exato momento da perseguição, o protocolo manda que o agente solicite reforço, imediatamente, para que se faça um bloqueio e os suspeitos sejam detidos. Mas, nesse caso, eu acredito que não houve a notificação da perseguição. E, se houve, é preciso apurar porque essa perseguição se alongou por várias vias e por áreas de vários batalhões. Caso o sistema de rádio tivesse sido alertado, todas as viaturas da região teriam sido acionadas e o desfecho poderia ter sido outro. É estranho, porque eles saíram da área de atuação deles. É preciso que tenha uma investigação transparente para saber se houve ou não comunicação”.
Possíveis falhas no alerta de ajuda
Segundo oficiais da Polícia Militar, ouvidos de forma reservada, é preciso apurar se os PMs informaram ao supervisor do Batalhão de Policiamento em Vias Expressas (BPVE) e ao chefe do Centro de Controle Operacional da Polícia Militar (CECOPOM- Maré Zero) – o órgão central do despacho de viaturas e gerenciamento de informações operacionais (ocorrências) – que estavam em perseguição a um veículo em fuga e precisavam de apoio.
Perseguição dentro de uma das galerias do Túnel Rebouças
Reprodução
“Entre o local da tentativa de parada e onde ocorreu o acidente, eles passaram por locais onde ficam baseadas diversas viaturas. Mas, além disso, é preciso saber se houve um alerta no Maré Zero. Se a perseguição foi anunciada, o supervisor do batalhão e o chefe daquele dia do Maré Zero precisam explicar por que não enviaram apoio. Essa ajuda se daria com agentes em pontos estratégicos e estreitamento de pista, forçando a parada. Os colegas poderiam ter montado um cerco, um bloqueio, caso a perseguição tivesse sido informada”, disse um oficial.
“É preciso uma investigação interna para apurar se houve ou não uma comunicação via rádio. Caso não tenha sido registrada, é preciso que os PMs – nesse tipo de ação – informe aos superiores”, destacou um outro comandante.