19 de outubro de 2024

Espetáculo ‘Aquele abraço’ atualiza os tons da ‘aquarela brasileira’ com funk, rap, rock, sertanejo e toada amazônica

Atração do Roxy Dinner Show, musical hi-tech é festa de clichês para os olhos gringos, mas se ressente da ausência de vozes imponentes no elenco. ♫ OPINIÃO SOBRE ESPETÁCULO MUSICAL
Título: Aquele abraço
Direção artística: Abel Gomes
Roteiro: Leonardo Bruno
Data e local: 18 de outubro de 2024 no Roxy Dinner Show (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★
♪ Em 1963, o compositor Silas de Oliveira (1916 – 1963) mapeou e exaltou os ritmos nacionais nos versos de Aquarela brasileira, antológico samba-enredo cantado pela escola Império Serrano no Carnaval carioca de 1964.
Ao longo desses 60 anos, a aquarela ganhou outros tons que acentuaram a miscigenação sonora do Brasil. Atento aos sinais de inclusão neste país que ainda luta por respeito às diversidades, o jornalista e escritor Leonardo Bruno atualizou os tons da aquarela brasileira ao montar o roteiro do espetáculo Aquele abraço, atração para gringos em cartaz no Roxy Dinner Show, casa recém-aberta em Copacabana – bairro que resiste como maculado cartão-postal da cidade do Rio de Janeiro (RJ) – no lugar onde funcionava o histórico cinema de rua Roxy.
Ao longo de uma hora e meia, sob direção de Abel Gomes, um elenco de cerca de 60 artistas – entre cantores, dançarinos e ritmistas – passa em revista as levadas, as danças e os gêneros musicais das cinco regiões do Brasil. Mas com visão atual e inclusiva, sem o tom racista de espetáculos anteriores do gênero, calcados na objetificação do corpo da mulher negra.
No início do espetáculo, cujo ingresso dá direito a um jantar, a releitura do samba-exaltação Aquarela do Brasil (Ary Barroso, 1939) no compasso do rap já diz muito sobre as boas intenções do roteirista.
Está lá no roteiro de Leonardo Bruno o Rio dos sambas e das batucadas das escolas – sinterizadas no apoteótico medley final com aliciantes sambas-enredos como Peguei um ita no Norte (Demá Chagas, Arizão, Bala, Guaracy e Celso Trindade – Carnaval de 1993) e É hoje (Didi e Mestrinho – Carnaval de 1996) – mas também o rio dos requebros febris do batidão do funk carioca, representado por sucessos de Anita e Ludmilla, embaixatrizes do gênero além das fronteiras do Brasil.
Também está lá o feitiço do rock da garoa paulistana – representado pelo Ôrra meu (1980) da ovelha desgarrada Rita Lee (1947 – 2023) – e a magia afro-brasileira da Bahia, revivida em medley que entrelaça sucessos de Banda Mel, Daniela Mercury e Margareth Menezes, com menção honrosa para a lembrança de Baianidade nagô (Evandro Rodrigues, 1991), música do repertório da Banda Mel que sintetiza o axé de Salvador (BA) em letra afinada com a bela melodia.
Entram na aquarela do show Aquele abraço o tom agro pop dos rodeios e da música sertaneja – com o canto do hino Evidências (José Augusto e Paulo Sérgio Valle, 1989) – e as toadas amazônicas dos bois Caprichoso e Garantido.
O roteiro também encadeia marcha-frevo junina para lembrar as festas do interior, músicas áridas do sertão nordestino, o baque do maracatu e um toque da chula gaúcha para cobrir todo o território musical do país.
Em suma, o espetáculo Aquele abraço promove desfile hi-tech de clichês que cumprirá a função de deslumbrar turistas com as cores do Brasil, com natural ênfase nos do Rio de Janeiro perfilado por Gilberto Gil no samba de 1969 que dá nome e encerra o espetáculo.
A maravilha do cenário é o painel de LED côncavo – de 210m², tecnologia 4D e resolução de oito megapixels – que exibe, na tela do antigo cinema, imagens captadas com acabamento cinematográfico. A intenção é propor experiência imersiva, com tomadas áreas que vão do mítico e carioca Morro de Mangueira ao Pelourinho, reserva de ancestralidade do povo de Salvador (BA).
Para os olhos gringos, o show certamente será uma festa de luzes e cores, até pelo incessante troca-troca de figurinos, cerca de 350, criados por Gabriel Haddad e Leonardo Bora, carnavalescos da escola de samba Grande Rio.
Para os ouvidos brasileiros e estrangeiros, a festa soa menos animada porque o único real entrave do espetáculo é a ausência de grandes vozes no elenco de cantores. Isso fica evidente quando entram em cena personagens-símbolos da música do Brasil no exterior, como Carmen Miranda (1909 – 1955) e João Gilberto (1931 – 2019), representados e cantados sem viço.
A seleção musical é ótima e ganha alguma força nos números coletivos, até porque as coreografias são vivazes e os dançarinos mandam bem. Contudo, é preciso ter em cena vozes imponentes – nem que sejam somente duas ou três – para carregar no gogó um espetáculo musical desse porte.
Se feito o necessário ajuste, o espetáculo musical Aquele abraço tem chance de se consolidar como atração do calendário turístico da cidade do Rio de Janeiro (RJ).

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