17 de outubro de 2024

Expedição na Serra do Imeri revela ‘parente’ de sapo encontrado no Pico da Neblina

Hipótese dos cientistas é que anfíbios tenham evoluído de ancestral comum que viveu há 55 milhões de anos na região norte do Amazonas. Neblinaphryne imeri foi descoberto no Pico do Imeri, em novembro de 2022
Antoine Fouquet
No Pico do Imeri, localizado no norte da Amazônia, um canto de sapo diferente de todos os outros revelou a um grupo de pesquisadores a presença de uma nova espécie. Após quatro dias de buscas, o primeiro exemplar da Neblinaphryne imeri foi capturado.
A descrição foi publicada em setembro de 2024, na revista científica Zootaxa, por cientistas do Instituto de Biociências (IB) da USP, do Centro de Pesquisas sobre Biodiversidade e Ambiente (CRBE) da França e da Universidade Autônoma de Madri, na Espanha.
Realizada em novembro de 2022, a expedição de 12 dias pela Serra do Imeri, na fronteira do Amazonas com a Venezuela, resultou na coleta de mais de 260 espécies de flora e fauna, sendo várias delas consideradas inéditas para a ciência.
Batizado com nome da serra onde foi encontrado, o Neblinaphryne imeri é marrom, com pintas brancas e manchas amarelas espalhadas pelo corpo, principalmente na porção ventral. As fêmeas são um pouco maiores do que os machos, que cantam mais ao amanhecer e ao entardecer.
‘Parentes’ de picos diferentes
Análises moleculares e morfológicas indicaram que o novo anfíbio é “parente” próximo do Neblinaphryne mayeri, um outro sapo que o mesmo grupo de cientistas descobriu em 2017 em viagem ao Pico da Neblina – montanha localizada a 80 km do Pico do Imeri.
As partes mais elevadas dos maciços da Neblina e do Imeri são separadas por 20 km de terras baixas, que funcionam como uma barreira à dispersão desses animais entre um e outro grupo de montanhas.
Isso significa que as espécies estão completamente isoladas uma da outra, apesar da distância geográfica entre elas não ser tão grande assim.
Serra do Imeri, localizada na fronteira do Amazonas com a Venezuela
Miguel Trefaut Rodrigues
O encontro
Para encontrar o sapinho, que vive escondido entre musgos e raízes, foi preciso usar a técnica de playback. Nela, o pesquisador grava o canto do animal e toca de volta para ele, na expectativa de atraí-lo para perto ou fazer com que ele se mova, revelando sua localização.
“Nós ouvimos o canto desse sapinho logo que chegamos, pouco depois, que a gente pousou, começou a arrumar as coisas, colocar as coisas na barraca, e como estava um dia nublado, caindo uma garoinha, a gente logo começou a ouvir o canto e não tinha a menor ideia do que poderia ser, né?”, diz Miguel Trefaut Rodrigues, especialista em anfíbios do IB-USP e integrante da expedição.
Alguns exemplares foram encontrados em áreas de floresta, entocados no musgo; enquanto outros estavam em áreas abertas, escondidos na vegetação ou entre folhas de bromélias. Todos foram depositados nas coleções biológicas do Museu de Zoologia da USP.
Novo sapo canta dentro de musgos ou bromélias na mata nebular da Serra do Imeri
Miguel Trefaut Rodrigues
Os cientistas ainda têm outras quatro espécies novas de anfíbios e três de lagartos do Imeri para descrever, pelo menos. “Esse é o primeiro de vários artigos e a primeira de várias espécies”, diz o professor Taran Grant, especialista em anfíbios do IB-USP, que também participou da expedição.
Ecossistemas amazônicos de altitude
O conjunto desses ecossistemas de altitude do norte da Amazônia é conhecido como Pantepui, cujas principais características são as imponentes montanhas de topo plano (tepuis) e paredões desnudos, como o Monte Roraima e o maciço do Pico da Neblina.
Para os pesquisadores, é como o Pantepui fosse um bioma à parte da Amazônia. Isso porque condições ambientais no alto dessas montanhas são diferentes das que existem abaixo delas, principalmente em função da temperatura; e as espécies que se adaptaram a viver na altitude dificilmente descem para as áreas mais baixas e quentes do bioma.
Por isso os cientistas suspeitam que as duas espécies de Neblinaphryne sejam endêmicas de seus respectivos maciços. As evidências genéticas sugerem que elas se originaram de um ancestral comum que viveu naquela região 55 milhões de anos atrás, quando as montanhas do Neblina e do Imeri provavelmente estavam conectadas.
Foto de coletas na mata nebular da Serra do Imeri
Taran Grant
À medida que a paisagem foi se transformando e os maciços foram se isolando uns dos outros pela erosão – em função de processos climáticos e geológicos -, cada população de sapinho foi também se distanciando e se diferenciando uma da outra, ao ponto de se tornarem espécies diferentes.
Até onde os pesquisadores puderam averiguar, a espécie do Pico da Neblina vive em áreas de vegetação aberta acima de 2 mil metros de altitude e se abriga, principalmente, debaixo de pedras; enquanto que a espécie da Serra do Imeri vive entre 1.700 e 2 mil metros de altitude, ocupando tanto áreas de floresta quanto de vegetação aberta.
A necessidade de adaptação a essas condicionantes ambientais distintas, segundo os cientistas, poderia explicar porque as espécies divergiram tanto em sua morfologia externa. Além disso, os cantos de cada uma também são completamente distintos.
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