Americanos elaboraram regras para tentar aumentar transparência, como a implementação de editais. ‘Solução deve passar por consenso entre Poderes e partidos’, diz cientista política O impasse sobre a alocação e a execução das emendas parlamentares não é uma exclusividade do Brasil, onde o Congresso tem aumentado ano a ano sua autonomia sobre uma fatia bilionária do Orçamento.
Entre 2011 e 2021, os partidos Republicano e Democrata, nos Estados Unidos, chegaram a um acordo e promoveram uma moratória informal no uso de emendas orçamentárias. Depois, as emendas voltaram com uma série de regras, que podem servir de inspiração para o caso brasileiro, segundo especialistas (veja mais abaixo).
O consenso entre as partes nos EUA se deu em razão de duas situações semelhantes às que acontecem hoje no Brasil: falta de transparência e aumento considerável no volume de recursos liberado via emendas.
“As emendas nos EUA ficaram muito problemáticas, como está acontecendo no Brasil, e os dois partidos concordaram em ter uma moratória, não usar emenda por um período de 10 anos. Uma comissão especial estudou como modernizar o processo e sugeriu trazer de volta as emendas, mas com uma série de regras para garantir que elas sejam transparentes”, explica a cientista política Beatriz Rey, pós-doutoranda da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora da Universidade de Lisboa.
A falta de transparência fez com que as emendas dos parlamentares americanos começassem a gerar queixas na sociedade, paralelo que também pode ser traçado no Brasil.
Já em relação ao aumento do valor das emendas, os parlamentares americanos enviaram 4.126 emendas ao Orçamento em 1994, número que subiu para 15.877 em 2005.
O valor total associado às emendas passou de US$ 23,2 bilhões em 1994 para US$ 47,4 bilhões em 2005, segundo a pesquisadora.
Por aqui, os deputados e senadores também aumentaram seu poder sobre o Orçamento nos últimos anos. As emendas impositivas, aquelas que o governo é obrigado a pagar, saltaram de R$ 16,8 bilhões em 2022 para R$ 33,6 bilhões em 2024.
Já as emendas de comissão, que não são impositivas, passaram a receber uma quantidade cada vez maior de dinheiro nos últimos anos, após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir que as emendas de relator, conhecidas como Orçamento Secreto, eram inconstitucionais. As emendas de comissão saíram de R$ 0 em 2021 para R$ 15,4 bilhões em 2024.
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Experiência dos EUA
Uma das medidas adotadas para dar transparência às emendas foi obrigar os parlamentares a divulgar a indicação 24 horas antes de serem analisadas pela Comissão de Orçamento.
Em determinados casos, também são abertos editais para que a base eleitoral que vai receber o dinheiro explique o porquê precisa dos recursos e onde serão usados, vinculando o montante a um objeto, o que não é feito hoje no Brasil com as “emendas pix”, por exemplo.
“Eu sou contra a importação de soluções dos EUA. O caso americano dá pistas e precisamos pensar como essas pistas se aplicam ao caso brasileiro. O que eu defendo é que a única emenda orçamentária que deveria existir é a emenda individual, porque é a única que permite de fato rastrear qual parlamentar mandou, para onde ele mandou, para qual finalidade e quanto ele mandou”, afirma Beatriz.
Nos EUA, as emendas também devem estar associadas a um congressista, o que afasta a possibilidade de se esconder o padrinho da verba, como aconteceu com as emendas de relator, mecanismo reproduzido agora nas emendas de comissão.
Os parlamentares também assinam um termo declarando que não têm interesse pessoal na verba e o dinheiro não pode beneficiar pessoas jurídicas com fins lucrativos.
Uma agência chamada Government Accountability Office faz uma auditoria de uma amostra de emendas, manda para o Congresso os resultados e acompanha a execução para evitar desvios.
“A gente tem que repensar, não só abolir as outras emendas. Tem que abolir e repensar o processo decisório das emendas orçamentárias”, defende a pesquisadora.
Outra mudança adotada nos EUA foi limitar as emendas parlamentares a 1% das despesas discricionárias do Orçamento, explica o Pesquisador Associado do Insper Marcus Mendes.
“No Brasil já estamos em 23% das despesas discricionárias”, diz o pesquisador, que avalia que as prerrogativas dos parlamentares sobre o orçamento no Brasil são excessivas e fogem do padrão.
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Uma nota conjunta divulgada nesta semana por autoridades dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário propôs novas balizas para a indicação de emendas parlamentares.
O acordo veio após o ministro Flávio Dino, ex-chefe do Ministério da Justiça do governo Lula e atual membro do STF, suspender a execução das emendas impositivas.
Segundo o texto:
▶️ as chamadas emendas PIX serão mantidas, com o critério da impositividade (dever de execução obrigatória), mas será necessária a identificação prévia do objetivo da destinação do recurso, com prioridade para obras inacabadas e com prestação de contas ao Tribunal de Contas da União (TCU);
▶️ Em relação às emendas individuais, estas também serão mantidas com o critério da impositividade, seguindo regras que serão estabelecidas em até dez dias em acordo entre Executivo e Legislativo;
▶️ sobre as emendas de bancada, ficou acertado que estas serão destinadas a projetos estruturantes em cada estado e no Distrito Federal, de acordo com a definição das bancadas, sendo proibido que um parlamentar, individualmente, decida sobre o destino dos recursos.
▶️ Já as emendas de comissões temáticas do Senado e da Câmara deverão ser destinadas a projetos de interesse nacional ou regional conforme procedimentos que também serão definidos por Legislativo e Executivo em até 10 dias.
O pesquisador e ex-consultor de Orçamento da Câmara Hélio Tollini é cético quanto ao acordo proposto. Para ele, o texto não ataca o ponto principal que é o volume de emendas parlamentares no Orçamento
“O que eu acho que vai acontecer como resultado desse acordo é que o Legislativo vai abrir mão de uma parte e outra parte vai ficar com o executivo, ou seja, na prática vai mudar muito pouco e vamos continuar com um volume muito grande de emendas definidas pelo legislativo e de forma individual”.
A pesquisadora Beatriz Rey disse não ter parâmetros para avaliar se o acordo promoverá mudanças efetivas.
“Não acaba com as ‘emendas pix’. Diz que os gastos precisam ser identificados, mas a gente com aquela nota não tem garantias de que isso aconteça. Não tem uma mudança estrutural. Está ainda muito genérico”. afirmou. “O texto está tão genérico que só consigo vislumbrar mudanças efetivas com algum tipo de regulamentação”.
Limite para emendas e subcomissões
Mendes defende a redução das emendas parlamentares. Para ele, a participação do parlamento no Orçamento brasilerio não deveria ser sinônimo de emendas, mas sim de fiscalização e estruturação de uma instituição fiscal independente.
“O essencial é reduzir drasticamente o volume de emendas. Os incentivos políticos que temos no Brasil são de pulverizar recursos e usar esses recursos para ter retorno eleitoral e para ter retorno de financiamento de campanha. Com as limitações que temos em relação à transparência, o espaço para a má alocação de recursos e corrupção é muito grande”.
Tollini segue na mesma linha. Ele defende uma trava fiscal que reduza gradualmente o volume das emendas em relação às despesas discricionárias no Orçamento.
“A minha percepção individual é de que seria uma solução interessante para o Brasil, ter um limitador para as emendas. Do jeito que está hoje, não pode ficar. Mais de 20% é um exagero e você está inviabilizando as programações do Poder Executivo”.
Beatriz Rey avalia que, antes do mérito da discussão sobre as emendas, é preciso acertar o formato. Para a pesquisadora, a solução para dar mais eficiência e transparência na execução das emendas parlamentares passa por um consenso entre Poderes e partidos políticos e deve ser capitaneada pelo Poder Executivo.
“Quem deveria coordenar era o Poder Executivo, mas acho que esse governo não tem capital político para fazer isso”, afirma.
Além de acabar com as emendas pix, que classifica como “excrescência”, Beatriz defende que subcomissões temáticas analisem o mérito das emendas orçamentárias dentro da previsão de gastos do Executivo.
Outro ponto é criar mecanismos para garantir a fiscalização e auditoria na aplicação dos gastos por estados e municípios.
“Os estados e municípios precisam de incentivo para fazer isso. O governo federal deveria abraçar essa política pública de incentivar a prestação de contas por parte de estados e municípios para que o TCU consiga fazer uma auditoria, uma fiscalização mais consistente, mais sistemática e mais frequente, o que não existe hoje no país”.