25 de dezembro de 2024

‘Explorar petróleo na Amazônia é uma contradição total’, diz ministra do Meio Ambiente da Colômbia


Em entrevista exclusiva ao g1, Susana Muhamad, ministra do Meio Ambiente da Colômbia e presidente da COP16, a cúpula da biodiversidade da ONU, enfatizou a importância de uma transição energética que seja segura e progressiva para a região. Susana Muhamad, ministra do Ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia da Colômbia e presidente da COP16, a cúpula da biodiversidade da ONU.
REUTERS/Luisa Gonzalez
“É uma contradição total explorar petróleo na Amazônia”, defende Susana Muhamad, ministra do Meio Ambiente da Colômbia e presidente da COP16, a cúpula da biodiversidade da ONU, que termina oficialmente nesta sexta-feira (1) em Cáli, na Colômbia.
Em uma entrevista exclusiva ao g1, ela afirma que o cuidado com a natureza precisa impulsionar a agenda climática, defende a criação de um plano gradual para o fim da exploração do combustível fóssil na região e critica a ampliação de novos projetos, algo que voltou a ser discutido pelo governo brasileiro nos últimos dias com o indeferimento do Ibama ao pedido da Petrobras para a perfuração de um poço a cerca de 170 km da costa do Amapá, na bacia da Foz do Amazonas.
“Podemos fazer todo o esforço de restauração ecológica e conservação, mas se não pararmos as mudanças climáticas, se não mudarmos a produção e o consumo de combustíveis fósseis e as emissões [de gases de efeito estufa], tudo isso pode estar perdido”, ressalta a ministra.
Muhamad também critica a falta de apoio econômico internacional para essa transição energética e diz que, embora isso não seja uma desculpa para atrasos, é algo que impede que qualquer país avance sozinho nesse processo.
“Explorar e extrair petróleo na Amazônia é uma contradição total, pois a região representa a convergência entre biodiversidade e mudança climática. O desafio é que, até agora, na OTCA, não conseguimos sequer iniciar a discussão sobre como implementar essas mudanças”, acrescenta.
A OTCA é a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, um organismo internacional constituído por oito países da América do Sul que possuem o bioma amazônico: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
Seu principal objetivo é promover a preservação da floresta tropica, melhorar a qualidade de vida das comunidades locais e realizar ações conjuntas na região.
No ano passado, um encontro histórico reuniu em Belém pela primeira vez em 45 anos os líderes desses países amazônicos.
O evento, porém, foi bastante criticado por ambientalistas devido à falta de avanços concretos em questões tidas como essenciais, como a ausência de metas comuns para o desmatamento, a falta de medidas concretas para evitar o ponto de não retorno da Amazônia e a não proibição da exploração de petróleo na região.
No documento final da cúpula, batizado de “Declaração de Belém”, consta apenas a decisão de iniciar um diálogo entre os países sobre a sustentabilidade de setores como mineração e hidrocarbonetos (petróleo) para atender aos objetivos da agenda 2030, coleção de 17 metas globais estabelecidas pela ONU.
Na cúpula, o único chefe de estado a discursar de forma veemente pedindo o fim da exploração de petróleo na região foi justamente Gustavo Petro, presidente da Colômbia, país que em 2023 também aderiu ao Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, que visa eliminar o uso dessas fontes fósseis de energia, responsáveis pelo aquecimento global.
“Isso frustra um pouco a Colômbia, pois foi difícil na declaração de Belém conseguir até mesmo uma frase que iniciasse a discussão. Ninguém diz que a mudança ocorrerá da noite para o dia, mas precisamos planejar essa transformação”, afirma a ministra.
E para que essa transformação aconteça, Muhamad pede que os países amazônicos estabeleçam desde já um plano gradual para encerrar a exploração de petróleo na região, algo que vai em contraste com a posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, favorável ao projeto na Foz do Amazonas.
Como mostrou o g1, a exploração na costa brasileira figura entre os principais planos da Petrobras. Em seu planejamento estratégico, a companhia prevê um investimento de US$ 3,1 bilhões para a perfuração de ao todo 16 poços ao longo da Margem Equatorial – área que se estende pela costa do Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte – no período de 2024 a 2028.
Por outro lado, o governo colombiano, embora ainda bastante dependente de combustíveis fósseis, vem implementando internamente diversas políticas que visam a transição para uma economia de baixo carbono.
A iniciativa é bastante celebrada por ambientalistas, mas a Colômbia também corre risco de uma desestabilização econômica se não gerenciar adequadamente essa transição energética. Um relatório recente indicou inclusive que, se esse processo for lento, o país pode enfrentar perdas significativas em sua economia.
“É uma luta muito solitária e esperamos continuar nosso empenho, porque a Colômbia não será viável economicamente sem uma transição que tenha garantias neste caminho difícil. Não estamos aqui para receber aplausos. O que queremos é que o mundo se mobilize para a mudança; caso contrário, nossa posição não será sustentável”, afirma Muhamad.
Infográfico mostra o local em que a Petrobras quer explorar petróleo na bacia da Foz do Amazonas
Editoria da Arte/g1
Cúpula sem acordo?
Sobre a COP16, Muhamad defende que a Colômbia, como país anfitrião, precisa envolver toda a sociedade numa grande mobilização e ressalta que a motivação para proteger a natureza pode ser um impulso “poderoso” para a agenda climática, transformando a questão em algo mais palpável, ao invés de um problema distante e abstrato relacionado apenas aos gases na atmosfera.
Para ela, os impactos já visíveis da crise climática tornam urgente a relação entre ecossistemas, natureza e mudança climática.
“Isso envolve também um chamado à reflexão sobre o valor da natureza e a necessidade de mudar os padrões de consumo e produção para alinhar-se aos ciclos naturais, buscando uma verdadeira paz com a natureza”, diz, em alusão ao slogan da conferência “Paz con la Naturaleza”.
O problema é que até agora as expectativas de um grande acordo financeiro para a conservação da natureza -um dos temas mais esperados dessa cúpula- são baixas.
“Esse ano, a discussão sobre financiamento é crucial em ambas as COPs [a CO16 de Cáli e a COP29 de Baku, a cúpula do clima da ONU], e será desafiador garantir que não haja dupla contagem dos recursos e que uma meta beneficie a outra. É um tema relevante, considerando as restrições fiscais globais e as demandas internas de cada país”, explica Cíntya Feitosa, especialista de Estratégias Internacionais do Instituto Clima e Sociedade (iCS).
Em 2022, os países reunidos na COP15, em Montreal (Canadá), concordaram em criar o chamado Marco Global da Biodiversidade e prometeram financiar 20 bilhões de dólares por ano de países ricos para nações mais pobres até 2025, aumentando esse montante para 30 bilhões até 2030.
Mas, até então, apenas 400 milhões de dólares foram arrecadados. Por isso, a discussão atual chegou a um impasse sobre a necessidade de criar um novo fundo e sobre o controle desses recursos, algo encabeçado por países em desenvolvimento, como o Brasil, e que promete esticar as negociações para além do prazo final do encontro.
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