6 de novembro de 2024

Família questiona versão da PM sobre assassinato de jovem negro em frente a mercado em SP: ‘a vida dele estava valendo uma caixa de sabão’


Corpo de jovem tem 11 perfurações de tiros disparados em unidade do supermercado Oxxo, na Zona Sul de SP. PM disse que atirou em legítima defesa, já a família acredita que ele foi executado. DHPP investiga. Família questiona versão da PM sobre assassinato de jovem negro em frente a mercado em SP
Gabriel Renan da Silva Soares, de 26 anos, foi morto a tiros por um policial militar à paisana em frente a um mercado no bairro Jardim Prudência, na Zona Sul de São Paulo, na noite de domingo (3), após ser acusado de roubar produtos de limpeza.
A família do jovem negro conversou com o g1 e denunciou o policial Vinicius de Lima Britto por execução. Já o agente disse que agiu em legítima defesa, segundo o boletim de ocorrência. (Leia mais abaixo)
O episódio ocorreu no estacionamento do mercado Oxxo, localizado na Avenida Cupecê, número 1.677, por volta das 22h40.
“Meu filho foi executado com oito tiros. Ele não estava armado nem nada. Tiram meu filho da gente. Meu filho era tudo pra mim. Quem vai trazer ele de volta? Como uma pessoa sem arma vai tomar oito tiros? E o cara vem falar que foi legítima defesa. Não existe. Meu filho estava doente, era usuário de drogas”, desabafou o pai do jovem, Antônio Carlos Moreira Soares.
O caso está sendo investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), responsável por apurar casos de Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP).
“Todas as circunstâncias dos fatos são investigadas por meio de inquérito policial instaurado pela Divisão de Homicídios do DHPP. Foram solicitados exames periciais ao IC e IML, cujos laudos estão em andamento e, assim que concluídos, serão encaminhados para análise da autoridade policial. Demais diligências são realizadas visando o esclarecimento dos fatos.”
Gabriel e o pai Antônio
Reprodução/Arquivo pessoal
Versões
O PM Britto relatou que estava fazendo compras no mercado, quando viu Gabriel roubando alguns produtos. Ao questioná-lo, o jovem afirmou que estava armado e colocou a mão dentro da blusa de moletom.
“O que obrigou Vinicius a efetuar disparos contra Gabriel, que veio a óbito no local”, descreve o boletim de ocorrência, ao qual o g1 teve acesso. O policial carregava uma pistola Glock .40.
Já o funcionário do mercado afirmou que os tiros foram disparados do lado de fora. Ele contou que estava atendendo o policial, quando Gabriel entrou e foi até a seção de limpeza. Ele pegou de quatro a cinco produtos e tentou correr, porém caiu no chão do estacionamento após escorregar em alguns papelões.
Em seguida, o PM foi para fora do estabelecimento ver o que estava acontecendo. Segundo a versão do atendente, Gabriel se levantou e colocou a mão no bolso da blusa “fazendo menção de estar armado” e, em reação, Britto atirou.
Caso aconteceu na Avenida Cupecê, na Zona Sul de São Paulo
Reprodução/Google Street View
O jovem teria andado em direção à calçada, porém desistiu e retornou ainda com a mão na blusa, falando: “não mexe comigo, que estou armado, não quero nada do que é seu”. O policial, então, atirou novamente.
De acordo com o boletim de ocorrência, foram encontradas 11 perfurações pelo corpo de Gabriel: três no tórax, duas na mão esquerda, uma no antebraço esquerdo, uma na orelha direita, três no antebraço direito e uma no rosto.
O Oxxo informou que o PM não é funcionário do mercado. Além disso, afirmou que “pauta suas ações no respeito às pessoas e lamenta profundamente o ocorrido na noite de 3 de novembro, na unidade da Avenida Cupecê, entre dois clientes. A rede informa que seus colaboradores acionaram imediatamente as autoridades e que as imagens do sistema de segurança estão à disposição dos órgãos competentes a fim de contribuir com a investigação.”
Gabriel foi morto a tiros por PM em frente a mercado na Zona Sul de SP
Reprodução/Arquivo pessoal
‘Um menino doce que amava a família’
A mãe do jovem, Silvia Aparecida da Silva, disse ao g1 que o filho era usuário de drogas e lutava contra o vício há alguns anos. Seu aniversário seria na próxima quinta-feira (7), e ele completaria 27 anos.
“Gabriel era um menino doce, meigo e sonhador. Me falava que ia dar uma casa. Ele só tinha 26 anos. Uma vida inteira pela frente […] Eu estou destruída por dentro. Tenho problema no coração, uso marca-passo. Estou sofrendo muito, é uma dor não tem como explicar. Só sei que dói ter perdido meu filho”, desabafou Silvia.
O jovem morava com a mãe e os dois irmãos próximo ao mercado Oxxo. Ela percebeu que Gabriel não havia voltado para casa por volta das 5h de segunda (4).
O irmão de Gabriel contou à mãe que passou pelo mercado por volta da meia-noite e viu uma pessoa morta no chão coberta por uma lona: “a bota era igual do meu irmão”.
Silvia chegou a ir trabalhar, porém como Gabriel não apareceu, decidiu procurá-lo pelo bairro com o ex-marido. Ao chegar no mercado, um funcionário informou aos pais que “mataram um nóia”. Foi neste momento que Silvia e Antônio descobriram a morte do filho.
“Foi muito covarde. Podia ter levado preso. Existe cadeia para isso que é o procedimento, porque você ter uma arma Glock .40. Um tiro só já faz um estrago”, disse Silvia indignada.
Para a família, a versão apresentada pelo policial militar e pelo atendente do mercado é contraditória. Eles afirmam que Gabriel não fugiu após ser baleado e ainda se voltou contra o agente. “Se você tomar um tiro, qual é a sua reação? Sair correndo, não voltar para o local que o cara está atirando”, afirma o pai.
Fátima Taddeo, advogada e parente de Gabriel, também questiona a quantidade de tiros disparados: “a vida dele estava valendo uma caixa de sabão. Um policial preparado precisou de oito tiros para evitar que roubasse essa caixa de sabão”.
“Quando ele tem tiros no antebraço, está mais do que provado que ele estava se defender. O cara não precisa de todos esses tiros para perceber que ele não estava armado. Ele precisava falar isso [acusação de roubo] para justificar que ele executou uma pessoa. O argumento de que era para se defender de uma injusta agressão, a chamada legítima defesa, a polícia usa quando ela mata um menor negro na periferia. Transformaram uma tentativa de furto numa tentativa de roubo para dizer que o policial estava se defendendo, quando ele executando mais um moleque preto da periferia”, argumentou a advogada.
O caso foi registrado como morte decorrente de intervenção policial, resistência e tentativa de roubo no Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). Um inquérito policial também foi instaurado.

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