16 de outubro de 2024

Fazer rap ostentação é tipo fast food, diz LL Cool J: ‘Sem problema às vezes, mas o tempo todo…’

Em entrevista ao g1, cantor comenta caso Diddy, seu retorno à música e diferenças geracionais na cultura hip hop. A autenticidade é coisa rara no rap de hoje. Virou um perigo para os músicos que tentam emplacar sucessos nas plataformas digitais e redes sociais. Ou pelo menos, essa é a visão de LL Cool J, que lançou em setembro “The Force”, seu primeiro álbum em 11 anos.
Afastado da indústria da música desde 2013 para se dedicar exclusivamente à carreira de ator, ele retorna ao rap se recusando a “falar apenas de dinheiro, ostentação e sucesso”, temas frequentes em hits do gênero.
“Tentei abordar questões com as quais as pessoas se relacionam em diferentes níveis. Quis que o disco fosse mais como uma montanha-russa do que uma viagem linear. Quis fazer um som criativamente novo. Um som que as pessoas não estão familiarizadas.”, afirmou Cool J em entrevista ao g1, por videochamada. Veja o vídeo acima.
O americano despontou nos anos 1980 com um rap de pista que o coroou como um gigante do estilo. Dono de sucessos como “Mama Said Knock You Out”, “Hey Lover” e “I Need Love”, ele foi um dos primeiros artistas solo a explodir na cena hip hop. E é pioneiro da veia romântica que tornou o nicho mais melódico.
O rapper LL Cool J em 2024
Divulgação
Apesar de potente, a discografia de Cool J foi ficando perdida a partir da segunda metade dos anos 2000, quando seus discos já não tinham o mesmo apelo de obras anteriores como “Bigger and Deffer” (1987) e “Radio” (1985). Em 2013, ele entrou em hiato após lançar “Authentic”, álbum que não caiu no gosto de críticos — e de boa parte do público. Três anos depois, anunciou sua aposentadoria como músico. De lá para cá, estrelou a série “NCIS: Los Angeles”.
Agora, aos 56 anos, Cool J está distante do auge da carreira. Mas se mostra confiante com o retorno ao rap e diz que “só estava brincando” quando falou em aposentadoria.
“Se você é um artista e ama o que faz, não tem como se aposentar. Você pode parar de gravar profissionalmente, mas não pode se aposentar de ser um artista. Amo a cultura do hip-hop e não vejo razão para parar de fazer o que amo.”
O rapper LL Cool J em 2024
Richard Shotwell/AP
Fim do hiato
Com 14 faixas, “The Force” tem um gostinho de rap anos 1990 combinado com atualidade. Estão ali sintetizadores, um quê psicodélico, uma atmosfera sombria, traços de boom bap e batidas de jazz e pop. A lírica vai do racismo à pandemia.
O álbum abre com a agressiva “Spirt of Cyrus”, em que Cool J divide o microfone com Snoop Dogg. Os dois cantam versos inspirados no caso Christopher Dorner, ex-policial morto em 2013 após perseguir e assassinar antigos colegas de trabalho.
“Na época dos crimes de Dorner, alguns conhecidos da polícia me ligaram dizendo para eu ficar em casa. Não entendi o porquê. Eu não tinha feito nada. Mas eles disseram: ‘Estamos caçando esse cara, e ele se parece muito com você’. Quando procurei no Google, vi que ele era realmente parecido”, contou o rapper ao explicar a composição da letra, inspirada também no projeto “Murder Was the Case”, do Snoop Dogg.
A lírica de “The Force” ainda celebra a negritude — em faixas como “Black Code Suite” e “Huey In Da Chair” —, traz sensualidade em “Proclivities” e põe Cool J no divã em “30 Decembers”. Além de Snoop, o álbum tem Eminem, na raivosa “Murdergram Deux”, e Nas em “Praise Him”, que faz um louvor a Jesus.
LL Cool J no clipe ‘Murdergram Deux’
Reprodução
Rap é amor
Embora o amor esteja presente em algumas letras, o novo disco não explora o sentimento enquanto um romance a dois. Fato que pode desapontar os fãs de “I Need Love” (1987) e “Luv U Better” (2002), hits do rapper que mostram seu lado apaixonado e já foram motivo de dor de cabeça para ele. Isso porque, quando Cool J começou a cantar sobre amor, o tema ainda era incomum no rap — gênero até então muito atrelado à ideia de masculinidade bruta.
“Não deixo ninguém estabelecer regras criativas para mim. Se eu quiser fazer uma música mais sensual como ‘Proclivities’ e falar sobre o lado secreto da nossa sexualidade, farei. Se eu quiser uma canção mais romântica, vou fazer. O ponto é compor o que me inspira.”
“Faça o que você quiser. Você pode falar de amor, de vida, de paixão, de dor, de prazer. Porque nós, como seres humanos, lidamos com tudo isso. Você tem muitas facetas. Eu tenho muitas facetas, não apenas uma. Então, por que não colocar isso na música? Por que omitiria uma parte da minha humanidade? Quem fez essa regra?”, questiona o músico, que chegou a ser vaiado em shows durante a performance de “I Need Love” no fim dos anos 1980.
O rapper LL Cool J em show em Nova York em 2024
Charles Sykes/Invision/AP
Em 2020, Cool J disse que se sentia feliz por ter ajudado a desmistificar o amor no hip hop, algo que agora é visto com mais naturalidade. Se rappers como Drake e Fabolous recebem aplausos ao cantar sobre romance, parte disso tem sua influência, segundo ele.
Ao g1, o artista disse que “abrir caminhos” como aquele foi uma forma de resistência: “Eu precisava de amor, e todas aquelas pessoas que estavam resistindo ao me ouvir também precisavam de amor.”
Ostentação é como fast food
Ainda analisando as diferenças culturais entre a geração do hip hop dos anos 1980 e a atual, Cool J enfatizou que sente falta de novidades nas paradas musicais. Sua impressão é que os rappers até tentam parecer diferentes uns dos outros, mas, em vez disso, soam iguais.
“Há muito mais seguidores do que líderes. E muitos seguidores estão liderando o hip hop”, afirmou. “As pessoas têm medo de serem diferente. Pelo menos, quando se trata do hip hop online. Nas festas underground, nos clubes de hip hop, até existem pessoas fazendo coisas criativas. Mas na cultura digital… É muita gente tentando ser igual.”
O rapper LL Cool J em 2024
Divulgação
Ele faz, então, uma comparação com o ato de tocar guitarra. “A maneira de tocar muda de pessoa para pessoa, e isso é o legal. Mas hoje em dia, é como se essa diferença estivesse só em acessórios. Tipo, minha guitarra tem rubis, e a sua tem esmeraldas. Nós tocamos da mesma forma.”
“Todo artista tem o direito de fazer o que quiser. Só acho que existe mais espaço para criatividade”, continuou. “Mas quem tenta se destacar, propor algo diferente, leva martelada.”
Muito do que existe de repetitivo no rap atualmente está, segundo o músico, nas letras de sucesso: carrões, itens de luxo, dinheiro e poder. Para ele, estamos diante de uma rasa profundidade artística. “Não há nada de errado com a ostentação. Eu gosto de joias e dinheiro. Mas o que mais existe para além disso? Quando as pessoas focam apenas no dinheiro, elas perdem a arte. A música perde suas qualidades atemporais.”
“Sem problema comer fast food de vez em quando, mas o tempo todo… Sabe, precisamos de uma comidinha caseira.”
Caso Diddy
Já ao fim desta entrevista, Cool J comentou o caso Sean “Diddy” Combs, cantor com quem ele tem a faixa “After School”, lançada em 2002. “Eu sinto muito pela família dele e por suas possíveis vítimas”, afirmou o rapper brevemente, sem querer se estender no assunto.
Preso em Nova York (EUA) desde o dia 16 de setembro, Diddy é acusado de uma série de crimes sexuais. Ele se diz inocente e aguarda julgamento, previsto para maio de 2025.
Algumas das acusações contra o músico afirmam que festas de luxo promovidas por ele envolviam estupro e diferentes tipos de agressão sexual. Questionado, Cool J afirmou que já foi nas festas de Diddy, mas não confirmou ou negou os relatos dos acusadores.
Sean ‘Diddy’ Combs posa no tapete vermelho do BET Awards, em 2022, antes de ganhar o prêmio pelo conjunto da obra (‘lifetime achievement’, em inglês)
Richard Shotwell/Invision/AP

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