Localizada na Praça das Bandeiras, no Centro da cidade, a feira que já chegou a reunir mais de 150 expositores resiste ao tempo para se manter como ponto turístico do município. Filtros dos sonhos exposto na Feira da Praça das Bandeiras, em Ribeirão Preto (SP)
Larissa Vieira/g1
Cristais, penas, barbantes, linhas de algodão, couros e sementes. Materiais simples que, quando trabalhados pelas mãos de artesãos, podem se tornar deslumbrantes enfeites, acessórios, bolsas, calçados ou, até mesmo, delicados filtros dos sonhos.
Siga o canal g1 Ribeirão e Franca no WhatsApp
Com atenção aos mínimos detalhes, o argentino Juan Antônio Dias, transforma conjuntos de penas, sementes de árvores e linhas coloridas em amuletos que prometem purificar as energias e separar os sonhos negativos dos positivos.
Aos 65 anos, sendo 40 deles dedicados ao ofício de artesão no interior paulista, o hermano é um dos expositores da Feira da Praça das Bandeiras em Ribeirão Preto (SP), conhecida popularmente como ‘Feira Hippie’.
Pioneiro na feira, Dias lida atualmente com um fluxo de clientes reduzido, se comparado ao da década de 1980. Apesar da baixa, o artesão, que aprendeu sozinho a fazer as artes que vende, compartilha com os colegas a convicção de que as trocas culturais diárias se sobressaem ao retorno financeiro.
“Não somente vender. Vender faz parte, claro, mas fazer seu artesanato e mostrar para as pessoas é muito interessante, você transmite um pouco de cultura e conhecimento, que é sempre bom. É reconfortante”, diz.
Na data em que se comemora o Dia Nacional do Artesão, nesta terça-feira (19), o g1 conta a história da feira que resiste ao tempo para se manter como ponto turístico da cidade.
Juan Antônio Dias, artesão argentino da Feira da Praça das Bandeiras em Ribeirão Preto (SP)
Larissa Vieira/g1
‘Anos floridos’
O dia exato em que um grupo de pessoas decidiu se reunir em um dos espaços públicos mais movimentados da cidade, para expor produtos artesanais dos mais variados tipos e dar origem a um dos pontos turísticos do município, é incerto.
Entre os artesãos mais experientes da feira, que vivenciaram o surgimento da exposição, o consenso é de que a ocupação da Praça das Bandeiras começou no início dos anos 1980, de forma totalmente independente.
Nos ‘anos floridos’, como se referem ao período em que o movimento de clientes era tão grande que parte da praça ficava intransitável, a feira chegou a comportar mais de 150 expositores que, juntos, transformavam a área pública em centro cultural.
“A feira tinha um movimento bem grande, a gente trabalhava dentro da praça e fazia vários eventos. Praticamente todo final de semana tinha um evento, era realmente um coletivo que todos ajudavam para fazer o evento acontecer”, aponta o artesão Osman Vinagre Ielpo.
Fotografia de clientes na feira de artesanato localizada na Praça das Bandeiras, em Ribeirão Preto (SP)
Larissa Vieira/g1
As fotografias reveladas da época, cuidadosamente guardadas e exibidas com orgulho por Ielpo, despertam a nostalgia de um tempo em que transeuntes bailavam a céu aberto, ao som de forró, MPB e até punk rock.
Organizados pelos próprios expositores, os eventos não possuíam restrição de idade ou taxa de pagamento ao público. No mesmo local, os visitantes, muitos deles turistas, tinham acesso a música, comidas feitas na hora e produtos que iam desde incensos naturais até caprichados tererês e dreadlocks no cabelo.
“A feira sempre chamou muita a atenção. Eu já vendi meus produtos para gente de muitos países, quase todo mundo já passou por aqui e quando esses eventos aconteciam isso intensificava”, relembra o artesão.
Fotografias de eventos culturais antigos realizados na Feira da Praça das Bandeiras em Ribeirão Preto (SP)
Larissa Vieira/g1
Do pano à barraca
Pernambucano, Manoel de Assis, de 55 anos, expõe acessórios na feira há 20 anos. Dono de uma barraca recheada de opções, como brincos, colares, anéis e braceletes, a maioria feitos a base de sementes, o artesão relembra os primeiros anos de trabalho em Ribeirão Preto.
“Quando eu cheguei na cidade eu era hippie mesmo, vivia viajando e quando cheguei aqui, encontrei uma oportunidade, montei minhas coisas e estou até hoje. Comecei com o meu pano na calçada”, diz.
LEIA TAMBÉM
‘Castelo do Cigano’: cercado por canaviais, lugar com torres e até calabouço virou ponto turístico em Ribeirão Preto
Turismo rural: g1 lista passeios na região de Ribeirão Preto
Ecoturismo: veja opções de passeios em meio à natureza na região de Ribeirão Preto
Assim como Assis, a maior parte dos artesãos da feira iniciaram os trabalhos expondo os produtos em panos estendidos no chão. Foi dessa forma que “Paulão”, como era chamado pelos colegas, se tornou uma das figuras mais emblemáticas da feira.
Lembrado com carinho pelo pernambucano, o artesão que chamava a atenção dos visitantes com longos dreadlocks grisalhos, morreu há um ano e segue sendo referenciado pelos colegas com quem dividiu anos de trabalho na feira.
Veja fotos da Feira de Artesanato da Praça das Bandeiras em Ribeirão Preto (SP)
Medo de acabar
Em três horas, o aposentado José Hamilton, de 69 anos, finaliza a produção manual de um par de calçados feito com couro legítimo. A rapidez no trabalho é resultado de anos de prática, exercida desde a infância.
Com a ajuda de um irmão e da esposa, o aposentado mantém a barraca responsável pelo complemento da renda familiar. Sem certezas quanto ao futuro da feira, Hamilton teme o fim da tradição que por anos garantiu o sustento da família.
“Meu medo é acabar, mas tudo uma hora acaba. Eu sou um dos mais velhos e brinco que vou apagar a luz da feira”.
José Hamilton, de 69 anos, na barraca de calçados e bolsas que produz na Feira da Praça das Bandeiras em Ribeirão Preto (SP)
Larissa Vieira/g1
Vizinho de barraca, o artesão Osman Ielpo, de 61 anos, compartilha das mesmas inseguranças de Hamilton quanto à manutenção da feira onde acompanhou a mãe trabalhando, com a produção de incensos e vendas de cristais, até os últimos dias de vida.
Para Ielpo, continuar expondo a arte que produz na feira, um lugar que foi tão querido pela mãe, é uma forma de manter viva a memória da matriarca Lourdes Vinagre Ielpo.
“Ela fez parte da feira muito tempo, era apaixonada e foi uma das primeiras na praça. Eu via ela trabalhando e isso sempre me incentivou, é uma coisa que está na nossa família. O artesanato sempre esteve no meu sangue”, afirma.
Osman Vinagre Ielpo cresceu vendo a mãe, Lourdes Vinagre Ielpo, expondo artesanato na Feira da Praça das Bandeiras em Ribeirão Preto (SP)
Larissa Vieira/g1
Futuro incerto
Pensar no futuro, especialmente para os artesãos da feira, não é uma tarefa fácil. Acompanhando e sendo impactos pela redução da atividade, que antes representava maior estabilidade, os profissionais enumeram os pontos que impactam negativamente a manutenção e expansão da feira.
Do ponto de vista da artesã Mara Sgobbi Cauchick, membro da Associação dos Artesãos, Artistas e Expositores da Feira da Praça das Bandeiras de Ribeirão Preto (AEFEART- RP), a desvalorização do trabalho manual por parte dos munícipes tem peso na queda do número de clientes.
“O espaço aqui é muito importante para todos nós, porque a gente precisa disso daqui monetariamente também. Infelizmente não é todo mundo que dá valor, muitas vezes o pessoal que vem de fora acaba valorizando muito mais do que quem já é daqui”, afirma.
Barracas de bolas e alimentos na Feira da Praça das Bandeiras em Ribeirão Preto (SP)
Larissa Vieira/g1
O esvaziamento da região central, a falta de integração entre a categoria e o aumento das exigências de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), são outros pontos destacados pelos artesãos como problemáticas.
Edith Aparecida, responsável por uma barraca de bolsas de couro, acredita que a cidade tem potência para se consolidar como polo turístico de artesanato.
“Se tivesse uma união, se a Cultura delimitasse um espaço, a gente faria uma exposição com mais de 250 expositores, diversificados. A cidade merece esse polo turístico, o artesão merece, porque tem muita gente boa aqui”, afirma.
Clientes em barraca de artesanato na ‘Feira Hippie’ de Ribeirão Preto (SP)
Larissa Vieira/g1
Não só os artesãos sofrem com a redução de público na feira. Aos 39 anos, Lilian Meire da Silva Marinho é cozinheira desde os 15 anos em uma barraca de batatas recheadas montada na praça.
Em meio aos artesãos, que considera como uma segunda família, ela ponta que nos melhores anos, mais de 10 barracas voltadas para a alimentação eram montadas no local. Atualmente, a realidade é outra, com apenas duas.
Para ela, dois fatores foram cruciais para que a feira deixasse de fazer parte da programação de lazer de muitos ribeirão-pretanos: a concorrência acentuada com os shoppings e a falta de projetos culturais que integre a feira como um espaço público de lazer e convivência.
“Aqui tem que voltar a ser visto como um lugar para passear. A Cultura poderia trazer eventos, porque é uma tradição, um lugar gostoso e acolhedor”, diz.
Barraca de produtos de crochê em feira de Ribeirão Preto (SP)
Larissa Vieira/g1
Veja mais notícias da região no g1 Ribeirão Preto e Franca
VÍDEOS: Tudo sobre Ribeirão Preto, Franca e região