Valdir Cândido Duarte sofreu AVC em 2021 e esperou um ano por agendamento do SUS pela prefeitura de Olinda até morrer, em agosto de 2022. Atendimento foi confirmado na última terça-feira (20). Filha recebeu confirmação de consulta para o pai dois anos depois da morte dele, em Olinda
Reprodução/Prefeitura de Olinda
Uma moradora de Olinda recebeu da prefeitura, na última terça-feira (20), a confirmação de que está agendada para o próximo dia 16 de setembro uma consulta solicitada para o pai dela com um neurologista. Seria o fim de uma longa espera se a mensagem não tivesse chegado um dia depois que a morte de Valdir Cândido Duarte completou dois anos.
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Ao g1, a comerciante Débora Pantaleão contou que o pedido de consulta foi feito depois que o pai, na época com 64 anos, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), em 2021.
Atendido por um geriatra, Valdir foi encaminhado para a consulta com um especialista em neurologia. Cerca de um ano depois, em 19 de agosto de 2022, com 65 anos, ele morreu após um segundo AVC, sem conseguir o atendimento. Se estivesse vivo, Valdir Cândido ainda teria que esperar mais um mês para receber o serviço.
“Parecia um deboche. No aniversário de morte dele, o cemitério me liga dizendo: ‘Você tem interesse na ossada? Você tem até hoje [para dizer se vai buscar]’. Na sequência, recebo o e-mail [da confirmação da consulta]. (…) Meu pai faleceu e, dois anos depois, a confirmação dessa consulta que ele tanto esperou em vida para ter um acompanhamento digno chegou”, disse Débora.
Procurada, a prefeitura de Olinda disse que reconhece falhas na integração dos diferentes sistemas e bancos de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) e que está “empenhada” em evitar que situações como essa se repitam (veja resposta abaixo).
Adiamentos em série
Débora explicou que decidiu buscar atendimento para o pai após notar que ele estava com dificuldade para falar e urinar. Primeiro, levou Valdir para o posto de saúde de Rio Doce. Lá, o paciente foi encaminhado para uma consulta com um geriatra na Policlínica São Benedito, no bairro de mesmo nome.
Segundo a comerciante, essa primeira consulta demorou em torno de um mês e meio para acontecer. Nela, o geriatra passou exames e encaminhou Valdir para outros dois especialistas: um neurologista e um cardiologista.
Débora disse que imediatamente solicitou as consultas para o pai para as duas especialidades. A confirmação do atendimento com o neurologista foi marcada agora, três anos depois. O atendimento para o cardiologista não teve resposta durante todo esse tempo.
A comerciante lembra que chegou a procurar a policlínica, antes da morte do pai, para saber quando as consultas seriam marcadas. “Disseram que isso é sistema e tinha só que aguardar mesmo, porque não podiam fazer nada. Era tudo agendado pelo sistema”, contou.
Sem qualquer retorno, a família recorreu a um médico particular para que Valdir pudesse seguir com o tratamento. Os exames que ele necessitava também foram feitos em clínica privada.
“Só na ressonância [magnética], paguei R$ 2 mil. Da eletroneuromiografia, que era para descartar uma suspeita de ELA (esclerose lateral amiotrófica), paguei na faixa de R$ 1 mil. A gente usou o cartão de crédito, a família se reuniu e pagou. E nisso a gente ficou esperando o agendamento com o neuro do SUS e esse retorno nunca aconteceu”, afirmou Débora.
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Em agosto de 2022, Valdir teve o segundo AVC e foi levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Jardim Paulista, no Grande Recife. De lá, ele foi transferido para o Hospital da Restauração, na área central da capital pernambucana. Durante a internação, o paciente contraiu uma infecção e morreu alguns dias depois.
“Graças a Deus a gente tem uma família grande que conseguiu pagar [pelo tratamento]. Mas, e uma família que não tem condições de pagar para fazer uma ressonância e uma eletroneuromiografia para saber o que tem?”, comentou Débora.
Valdir Cândido Duarte, na foto com os filhos, José Valdir e Débora, esperou agendamento de consulta por um ano antes de morrer, em 2022
Acervo pessoal
O que diz a prefeitura de Olinda
Procurada pelo g1, a prefeitura de Olinda enviou uma nota afirmando que “lamenta profundamente o ocorrido” e “entende o quanto essa situação deve ter sido difícil para a família”. No texto, a gestão municipal informou que:
A marcação de consultas é feita com base em informações preenchidas, alimentadas num sistema de fila de espera, que prioriza o tempo de entrada do paciente e a gravidade clínica do usuário;
Reconhece que o tempo de espera “pode ser excessivo” em algumas especialidades, devido à alta demanda, incompletude das informações nos encaminhamentos ou fragilidades na comunicação com o usuário, como a desatualização de dados cadastrais;
Durante a pandemia, período em que foi feita a solicitação de consulta pela família de Valdir Cândido Duarte, havia uma priorização para casos de urgência, o que implicou na “postergação” das consultas com especialistas;
Está empenhada em revisar e melhorar os critérios de comunicação e priorização para evitar que situações similares se repitam;
O sistema de marcação de consultas do SUS deveria ser atualizado regularmente pela base central, o DataSUS, com as informações sobre o estado dos pacientes, incluindo mortes;
Reconhece que há falhas de comunicação entre diferentes sistemas e bancos de dados, o que pode resultar em situações em que um paciente falecido permanece na fila de espera;
Está trabalhando para melhorar a integração dos sistemas e garantir que esses dados sejam atualizados de maneira eficaz e tempo real.
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