18 de novembro de 2024

Filho e neto de Mãe Bernadete seguem sob proteção do estado, um ano após crime; suspeitos vão a júri popular

Conclusão do inquérito indica que ialorixá foi morta por lutar contra tráfico de drogas nas proximidades do Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho. Dois suspeitos estão foragidos. Mãe Bernadete foi morta em 17 de agosto de 2023
Jornal Nacional/Reprodução
Um ano após a morte da líder quilombola e ialorixá Maria Bernadete Pacífico Moreira, a Mãe Bernadete, pelo menos dois familiares dela seguem sob proteção do estado. É o caso do filho da vítima, Jurandir Pacífico, e do neto Wellington Gabriel dos Santos, uma das testemunhas do crime.
A ialorixá foi executada a tiros em 17 de agosto de 2023, dentro da própria casa, no Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador. O caso teve repercussão internacional e foi contado no programa Linha Direta, apresentado pelo jornalista Pedro Bial, no dia 23 de maio deste ano.
Ao g1, o advogado Hedio Silva Júnior, que representa a família, defendeu a continuidade do serviço. “Esperamos que o governo do estado não tenha dúvida da relevância e da necessidade absoluta de permanência desse aparato”.
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Familiares da líder religiosa vivem sob escolta
Reprodução/TV Bahia
O neto de Mãe Bernadete, Wellington, estava na casa invadida pelos suspeitos e foi isolado em uma dos quartos enquanto executavam a avó dele com mais de 20 disparos.
Jurandir assumiu o posto de liderança da comunidade com as mortes da mãe e do irmão, Flávio Gabriel Pacifico dos Santos morto a tiros em 2017.
“É uma tensão permanente, porque o Jurandir é uma liderança. Ele viaja muito e nós queremos crer que o governo vai continuar aportando essa segurança mínima”, acrescentou o advogado.
Conhecido como “Binho do Quilombo”, Flávio Gabriel era filho de Mãe Bernadete. Ela cobrava que os responsáveis pelo assassinato do filho fossem presos e morreu sem ver a justiça ser feita.
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Suspeitos da morta de Mãe Bernadette vão a júri popular na Bahia
A última atualização sobre o processo foi divulgada no mês passado: três suspeitos de envolvimento no assassinato vão a júri popular. Trata-se de Arielson da Conceição Santos, Marílio dos Santos e Sérgio Ferreira de Jesus, acusados de homicídio qualificado, cometido por motivo torpe, de modo cruel e sem possibilitar a defesa da vítima. [Veja ao final do texto o que diz a defesa dos suspeitos]
Para os investigadores, os réus integram uma organização criminosa ligada ao tráfico de drogas e Mãe Bernadete se opunha às ações deles. Outros dois suspeitos — Josevan Dionísio dos Santos e Ydney Carlos dos Santos de Jesus — estão foragidos.
De acordo com Hedio Silva Júnior, como a defesa é um direito constitucional e os acusados podem levar o processo a instâncias superiores, não há estimativa de quando o júri popular será realizado. O advogado ressalta, no entanto, que compreende os trâmites processuais das polícias Civil e Federal e do Ministério Público da Bahia (MP-BA).
“Especialmente se tratando de uma liderança com a repercussão internacional que ela tem, a investigação tem que se basear em fatos e provas”.
A própria sentença judicial destaca que, em “dezenas de oitivas de familiares e moradores da localidade Quilombo Pitanga dos Palmares”, foi “unânime o relato de que a vítima, fundadora e importante liderança da comunidade, era figura reconhecida pela luta referente ao assentamento, reconhecimento do quilombo e pelo combate à exploração ilegal de madeira e à prática de tráfico de drogas”, disse o MP-BA.
Detalhes da investigação
Líder quilombola Mãe Bernadete foi morta a tiros
Reprodução/TV Globo
As investigações apontam que os réus integram uma organização criminosa, cujo líder seria Marílio, conhecido como “Maquinista”, também integrante de outra facção com atuação em Salvador e Região Metropolitana.
Segundo o Ministério Público, as apurações concluíram que Mãe Bernadete foi executada porque se posicionou de maneira firme contra a expansão do tráfico de drogas na região e contra, especificamente, a construção da barraca ‘Point Pitanga City’, na barragem de Pitanga dos Palmares.
Ainda de acordo com o MP, além de funcionar como ponto de venda de drogas de Marílio e Ydney, a barraca foi construída de forma ilegal, uma vez que o local é área de preservação ambiental.
Um sexto homem, Carlos ‘Gyodai’, está preso por suspeita de guardar as armas do crime e ter dado fuga a Arielson da Conceição Santos. Ele foi indiciado em um inquérito separado e não está incluído nessa ação penal que foi aceita pela Justiça.
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Casa onde Mãe Bernadete foi morta, dentro do quilombo Pitanga dos Palmares
Globo
Quem são os suspeitos
Marílio dos Santos, Ydney Carlos dos Santos de Jesus e Josevan Dionisio dos Santos foram incluídos, em abril, no Baralho do Crime, catálogo que reúne informações dos foragidos mais perigosos da Bahia. Entenda a participação deles no crime:
Marílio dos Santos – “Maquinista” ou “Gordo”
Suspeito de envolvimento na morte de Mãe Bernadete entra para o Baralho do Crime da SSP-BA
SSP-BA
👉 Investigações apontaram que Marílio agiu como o mandante e mentor intelectual do crime.
👉 Ele é apontado como uma das lideranças do grupo criminoso que age nas cidades de Simões Filho e São Sebastião do Passé.
👉 Foragido da operação Tarja Preta, da Policia Federal, que teve como objetivo de identificar líderes de uma organização criminosa.
Ydney Carlos dos Santos de Jesus – “Café”
Suspeito de envolvimento na morte de Mãe Bernadete entra para o Baralho do Crime da SSP-BA
SSP-BA
👉Apontado como gerente do tráfico local, subordinado e “braço” direito de “Maquinista”.
👉 Suspeito de auxiliar no plano de execução de Mãe Bernadete.
Josevan Dionisio dos Santos – “BZ” ou “Buzuim”
Suspeito de envolvimento na morte de Mãe Bernadete entra para o Baralho do Crime da SSP-BA
SSP-BA
👉 Apontado como um dos executores imediatos do crime.
👉 Tem dois mandados de prisão pelos crimes de homicídio e roubo.
Família comemora decisão
Wellington Gabriel dos Santos, filho de Binho do Quilombo e neto de Mãe Bernadete, comemorou a decisão da justiça que levou os suspeitos do assassinato da líder religosa a julgamento popular.
“Essa decisão representa para nós um grande avanço para que a gente possa continuar o trabalho dela e o legado do meu pai, Binho do Quilombo, com a sensação de que a justiça foi feita e com a mensagem de que aqueles que atentam contra a vida de lideranças indígenas e quilombolas no Brasil não passarão”, comentou.
Ele edisse ainda que a decisão fortalece um processo de luta. “A luta contra a violação de direitos, a luta pela presença de políticas públicas no território, no Quilombo Pitanga dos Palmares, se fortalece com essa decisão e a gente agradece a todas as autoridades competentes”, finalizou.
Mãe Bernadete denunciava ameaças ao menos dois meses antes do crime
O que dizem os acusados
O g1 conseguiu retorno apenas da defesa de Marílio dos Santos. O advogado Fáio Menezes Ziliotti ressaltou a intenção de recorrer contra a decisão do júri popular. Ele defende que “não existem elementos e provas que possam responsabilizar” seu cliente pelo homicídio.
Relembre o crime
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Na noite do dia 17 de agosto de 2023, homens armados invadiram o local onde estava a líder quilombola, que tinha 72 anos. Mãe Bernadete pensou que os assassinos eram assaltantes.
Segundo as investigações da ‘Operação Pacific’, realizadas pela Polícia Civil com apoio do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) do MP e da 7ª Promotoria de Justiça de Simões Filho, a líder religiosa foi alvejada com 25 tiros de arma de fogo em várias partes do corpo.
A informação do crime foi dada à polícia pelo neto de Bernadete, Wellington Gabriel, que fazia companhia a ela na noite do crime. Além dele, estavam com a líder quilombola dois adolescentes de 13 e 12 anos.
Após cometerem o crime, os suspeitos levaram os celulares da líder quilombola e dos netos. Sem telefone, Wellington utilizou o aplicativo de mensagens que estava aberto no computador, para pedir socorro para pessoas que vivem no quilombo.
Depois disso, ele deixou os familiares adolescentes com um vizinho e foi até o terreiro de candomblé, que fica dentro do Pitanga dos Palmares, para ligar para a polícia. Os suspeitos chegaram e saíram do quilombo de moto.
‘Que segurança é essa?’, questiona advogado da família da ialorixá
Entenda como Mãe Bernadete foi assassinada mesmo integrando programa de proteção
Na época do ocorrido, Bernadete estava sob proteção da polícia, mas isso não impediu o crime. Três das sete câmeras do quilombo não funcionavam por falta de recursos, segundo a família, e a responsável pela administração dos equipamentos admitiu uma falha.
Os equipamentos foram instalados pela gestão pública estadual no quilombo porque a ialorixá fazia parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do Governo Federal.
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