19 de outubro de 2024

Formigas tanajuras viram farofa, bolo, petiscos e até salada: conheça o uso do inseto na culinária do ES

Nesta semana, milhares de tanajuras mortas apareceram em praia no Espírito Santo. Banhistas brincaram que insetos estavam prontos para frigideira, já que as formigas são utilizadas na culinária local. Farofa, bolo, petiscos e até saladas podem ser feitas com formigas tanajuras
Reprodução
Após milhares de formigas tanajuras aparecerem mortas, nesta semana, em uma praia em Aracruz, noNorte do Espírito Santo, a espécie, que não é nociva aos seres humanos, despertou a curiosidade por ser utilizada também na culinária local, e em outras regiões do país principalmente por ser rica em proteínas.
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O g1 conversou com uma chef de cozinha, indígenas e uma nutricionista que deram detalhes de como o inseto é utilizado na gastronomia. Apenas a parte traseira da tanajura é aproveitada nos pratos, e quem já comeu garante: o sabor é singular.
Biólogos ouvidos pelo g1 explicaram que o fenômeno está relacionado ao período reprodutivo e com a chuva e ventos fortes na região. Na praia da Barra do Sahy, alguns dias após as tanajuras aparecerem mortas, a prefeitura da cidade informou que a maioria dos insetos já tinha sido levada pela maré.
Na cidade onde as formigas foram encontradas, utilizar os insetos como alimento é uma tradição que passa de geração em geração, principalmente em aldeias indígenas.
Culinária exótica
As formigas tanajuras podem parar na mesa como farofa, bolo, petiscos e até salada.
Em Caieiras Velha, a maior comunidade indígena da cidade com mais de duas mil pessoas, a farofa de tanajura é uma tradição.
Milhões de tanajuras são encontradas mortas na areia de praia em Aracruz
A comida é sucesso tanto para os povos Tupinikim quanto Guarani. Segundo representantes das aldeias, as crianças celebram a chegada de outubro, que é quando o animal está em seu período reprodutivo e realiza a sua revoada.
Nas aldeias o prato é simples: óleo, farinha de mandioca e apenas a parte de trás da tanajura. Mas o prato também é ensinado para estudantes de gastronomia e pode receber incrementos como bacon e ovos.
Farofa de tanajura feita por moradora de Aracruz, no Norte do Espírito Santo
Acervo pessoal
Embora sejam ricas em proteínas, nutricionistas alertam que pessoas alérgicas podem ter reações ao experimentar a tanajura.
Farofa de Tanajura
O líder da comunidade tupinikim, Jocelino Tupinikim, explicou que todo mês de outubro as crianças aguardam ansiosas para poderem catar tanajuras para a farofa. Para isso, o líder explicou que tem até uma música:
“Cai cai Tanajura,
Na panela de gordura”
“Quando eu nasci, a gente já corria atrás de tanajura, é uma tradição que o nosso povo pratica há anos. As crianças correm atrás e as mães e os pais ajudam a fazer depois”, contou Jucelino.
Muitas vezes, tanajura é frita com manteiga ou óleo e sal e servida com farofa
Paula Cavalcante/G1
O líder da comunidade disse que, geralmente, a refeição com a farofa é feita no período da tarde, logo após a colheita dos insetos. Fica pronto em 15 minutos o suficiente para uma refeição para duas pessoas. Além disso, o alimento não é utilizado com acompanhamentos, é comido puro na cuia ou em pratos.
“A parte de trás da tanajura que vai para a farofa. Ela é limpa e depois vai para a frigideira com óleo, farinha de mandioca e a tanajura fica torrada. Torrada, a tanajura tem a consistência de um amendoim e tem uma acidez. É bem crocante”, comentou o líder tupinikim.
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Jocelino ainda brincou que quando ficou sabendo que milhares de formigas tanajuras apareceram mortas na cidade despertou o apetite da aldeia.
“Achei um grande desperdício. Não fomos lá pegar nenhuma, infelizmente, porque a praia fica longe da aldeia. Mas deu vontade”, contou.
Outros pratos
Bolo de tanajura e passas feito por chef do Espírito Santo, Chay Lavagnoli
Acervo pessoal
A chef de cozinha Chay Lavagnoli é de Vitória e disse que muitas vezes quando dá aula em cursos de gastronomia pelo país, pratos com a tanajura despertam a curiosidade dos alunos.
“A gente faz a receita quando surge a curiosidade dos alunos. Utilizamos só a parte de trás da tanajura, e com ela podemos fazer um bolo em que as tanajuras são utilizadas na massa e por cima, como se fossem gotas de chocolate, igual a um bolo formigueiro realmente. A gente mistura com uvas passas também”, explicou a chef.
Uma outra possibilidade da tanajura na culinária é o petisco.
“A gente frita a tanajura, assim como na farofa, e temperamos. Colocamos sal, pimenta do reino. Também podemos fazer saladas com ela, como em uma salada de berinjela”, disse.
Salada de berinjela e tanajuras feita pela chef do Espírito Santo, Chay Lavagnoli
Acervo pessoal
Rica em proteínas
Segundo a nutricionista Daniele Laporte, do ponto de vista nutricional, a tanajura tem altas concentrações de lipídios e proteínas.
“O consumo da Tanajura, é um hábito é uma herança do povo indígena Tabajara, que habita a região do Ceará. A parte comestível deste inseto é o abdômen, popularmente chamado de bumbum. Estudos recentes, de 2020, realizados na universidade do Ceará, indicaram que a tanajura tem um perfil de ácidos graxos em sua maioria composto de ácidos graxos monoinsaturados, semelhante a carnes de boi e de porco. Bem como uma alta quantidade de proteína”, apontou a nutricionista.
Farofa de tanajura
Shutershock
Mas a nutricionista fez um alerta sobre o consumo, principalmente, para pessoas que já são alérgicas a picadas de insetos e possuem outras alergias em geral.
“Processos alérgicos são provocados por proteínas e existem pessoas que são alérgicas a picadas de insetos, temos que ter cuidado com estas pessoas, pois podem desencadear um processo alérgico sério. Ou seja, o ato de consumir ou experimentar insetos, como a Tanajura, não é indicado para todas as pessoas, tem que ter um olhar com criterioso , olhar a individualidade. É importante não experimentar os alimentos sem ter um bom conhecimento do seu corpo ou reação”, destacou.
Formiga tanajura
Carlos Moura
Fenômeno na praia
Segundo o professor do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Marcelo Tavares, no período da primavera é comum a espécie se reproduzir para poder formar novas colônias. Ele estima que no vídeo aparecem centenas de milhares de formigas.
“Pode ter sido um ‘boom’ de reprodução. E quando finalmente tem a revoada, que é o momento que essas novas formigas saem, pode ter sido na hora de algum vento muito forte que fez com que eles todos voassem na direção do mar, se acumulando ali. Mas não é possível afirmar com toda certeza”, disse.
Caravelas portuguesas e tanajuras aparecem mortas em praia da Aracruz
Outra possibilidade é que a praia possa abrigar também uma grande quantidade de ninhos dessas espécies de formigas.
“O número de formigas nascendo no ninho poderia estar acumulado. Quando choveu, pode ter combinado delas saírem nesse momento. O tempo pode ter ajudado a concentrar as formigas mortas na beira do mar” pontuou o biólogo.
O biólogo marinho Daniel Motta apontou que a chuva também pode servir de alerta para que as formigas comecem a mudar de ninho.
“Principalmente em épocas de chuva, as tanajuras antecipam esse voo por questões de reprodução. Na teoria delas, vai chover e o formigueiro vai ficar cheio de água. Então, elas procuram voar para procurar novos parceiros e, assim, construir um novo formigueiro em outro local”, afirmou.
A Prefeitura de Aracruz informou que a Secretaria de Meio Ambiente acompanhou o evento desde o início e reforçou que está ligado ao período reprodutivo da espécie, somado à entrada de vento leste na costa.
“A tanajura, comum no município, realiza no início do período chuvoso o voo nupcial no qual o macho, após a cópula, acaba morrendo de fome e exaustão. Inclusive, a comunidade local tem a cultura de fazer farofa de tanajura, uma iguaria consumida por muitos”, pontuou a prefeitura.
Com isso, a prefeitura não viu necessidade de realizar uma limpeza nem de interditar a praia. Uma equipe da secretaria esteve no local nesta quinta-feira (17) e disse que a maior parte das formigas já não estava mais na praia.
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